Eu (Augusto dos Anjos, 1912)/O Morcêgo
O Morcêgo
Meia noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcêgo! E, agora, vêde:
Na bruta ardencia organica da sêde,
Morde-me a guéla igneo e escaldante môlho.
«Vou mandar levantar outra parêde.»
— Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o tecto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rêde!
Pégo de um pau. Esforços faço. Chego
A tocal-o. Minh’alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!
A Consciência Humana é este morcêgo!
Por mais que a gente faça, á noite, elle entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!