FABULA XXIII.


A Raposa e o Corvo.

O Corvo apanhou hum queijo, e com elle fugindo, se pousou sobre huma arvore. Vio-o a Raposa, e desejou de lhe comer o seu queijo: e pondo-se ao pé da arvore, começou a dizer ao Corvo: Por certo que es formoso e gentilhomem, e poucos passaros ha que te ganhem. Tu es bem disposto e mui galante; se acertaras de saber cantar, nenhuma ave se comparara comtigo. Soberbo o Corvo destes gabos, e desejando de lhe parecer bem, levanta o pescoço para cantar; porém abrindo a boca cahio-lhe o queijo. A Raposa o tomou e foi-se, ficando o Corvo faminto e corrido da sua propria ignorancia.


MORALIDADE.


Os que se desvanecem com palavras lisongeiras, como erão as desta Raposa, não he muito fazerem maiores desatinos do que o Corvo fez. Quem, sem ter partes, vê louvar-se, entenda que não são louvores, senão laços que lhe armão para o enganarem; porque palavras brandas sempre são suspeitosas, e quanto melhor se acceitão, tanto ficão prejudicando mais. São cevadouro que faz o caçador para nos tomar nelle; e por meio desse engodo vem a alcançar de nós o que desejava.