Na força do chuvoso e frio inverno andava huma Cobra fraca e encolhida, e hum homem de piedade a recolheo, agazalhou e alimentou, em quanto houve frio. Chegado o verão, começou a Cobra a estender-se e desenroscar-se, pelo que elle a quiz lançar fóra; mas ella levantou o pescoço para o morder. O que vendo o homem, tomou hum páo, assanhou-se a Cobra, e começárão
ambos a peleijar. De que resultou ficar ella morta, e elle bem mordido.
Diz bem o proverbio: Pela mão leva o homem a sua casa com que chore. Assim aconteceo a este homem com a cobra, e acontece a muitos, que no inverno dos trabalhos e perseguições querem ser bons a seus proximos; mas elles, de ruins, chegando o Verão das bonanças, nem o dado agradecem, nem o emprestado tornão. Assim he certo agazalhardes ás vezes pobre em casa, que ou vos rouba e foge, ou se o despedis, vos molesta e injuria.