Frederico um pouco espiritualisado dizia chalaças funambulescas ao Zé de Deos, que muito vermelho, com o nariz como um pimentão maduro, devorava um pedaço de queijo, regando-o a miudo com Madeira.

—D. Luiza, seu compadre não viaja hoje.

—Porque ?

—Oh! pois a senhora não vê como elle tem trabalhado ?—e apontava para os pratos que tinham o aspecto da carestia.

E suspirava com a bocca muito cheia.

—O que fez comer mais um pouco foi o choriço ; e minha comadre, a fallar a verdade, depois que vim de Portugal, ainda não bebi tão bom vinho.

—E' soffrivel ;—respondeu D. Luzia.

—O Zé de Deos estava cheio e dizendo muitas liberdades.

—O' Chico ! dá cá o choriço ahi ! E tomando o prato puchava com a colher como se esta fosse uma pá.

—Sou doudo por isto, já me aconteceu uma que vou contar.

—Quando vim de Portugal, ha vinte annos, fui morar ao Lamim ; e lá estando a servir de caixeiro, vi na mesa um bonito prato, muito pretinho, que reluzia como a penugem de um melro. A gordura corria de redor do prato e o sangue era do mesmo dia.

Aqui arrotando com grandes estrondos, fez uma pausa.

—Quando, então, mudei-me pr'aqui, perguntei como se fazia aquillo ; e o Pedro da Carlota, me disse que engordava-se o capado, e, cinco dias antes de matal-o, só se devia alimental-o com goiabada, garapa, rapadura, e sempre doce. Depois, morto o porco, as tripas estariam cheias de choriço. Assim fiz. Cortei as tripas em pedaços de meio palmo, amarrei-os e puz á fumaça da chaminé. Um bello dia foi que me lembrei de provar; e então vi onde havia cahido, tudo devido ao sainbamba do Pedro, o perro. Continuou dizendo que naquelle tempo merecia desculpa, porque era um pobre novato, que até procurou n'um hotel ovos de cotia, e quiz matar um tatú, suppondo que o bicho cavava a sua cova. E dando uma risada arreganhada, mostrava uma caverna cheia de dentes podres e pretos, como fosseis, do uso desbragado do cigarro.

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