Fausto (traduzido por Agostinho de Ornelas)/Dedicatória

 
DEDICATORIA
 
 
 

Rodeaes-me de novo, aereos vultos,
Que á turva vista outr'ora vos mostrastes.
Tentarei desta vez aqui reter-vos,
E a tal illusão inda propenso
Será meu coração? Approximaes-vos !
Pois bem, reinae potentes, resurgidos
Da vaporosa nevoa do passado;
Magico sopro que esvoaça em torno
De vós, memorias no meu peito acorda
Da juventude e seu sentir ardente.

 

Trazeis comvosco de bem doces dias
A chorada lembrança. Sombras charas
Resurgem numerosas; qual antiga
Tradicção esquecida, vão volvendo

Primeiro amor, antigas amizades;
A saudade cruel com dor recorda
A marcha errante que seguiu a vida,
E nobres peitos lembra, que frustrados
Pela sorte de dias deleitosos,
Antes de mim a vida terminaram.

 

Meus derradeiros cantos não escutam
Aquelles para quem cantei primeiro;
Dispersa jaz essa phalange amiga,
E mudos, ai, os echos despertados
Nesse tempo feliz. Minhas endeixas
Por entre turba incognita resoam,
De quem o louvor mesmo m'entristece;
Espalhados, errantes são no mundo
Os que meu canto amavam — s'inda vivem.

 

Saudade, a que já 'stava desaffeito,
Daquelles nobres placidos espiritos,
De mim se apossa, e qual eolia lyra
Só vagos cantos o meu estro entôa;
Estremeço, de lagrimas banhado
Commovido se sente o peito austero;
Como que foge o que possuo agora,
Em presente o passado eis se converte.