Galeria dos Brasileiros Ilustres/Marquês de Maricá

Mariano José Pereira da Fonseca, marquês de Maricá, grã-cruz da ordem do Cruzeiro, conselheiro de estado, senador do Império, signatário da Constituição, e autor de um livro que viverá e n-quanto o mundo prezar as verdades que ele encerra: falo das suas Máximas e Pensamentos.

A máxima é a expressão de uma verdade singela, ou o extrato de uma grande verdade emaranhada no turbilhão dos acontecimentos. A verdade é singela quando a razão a atrai e a precipita no coração, onde ela se dilui e se identifica com o nosso instinto moral. A verdade extraída dos acontecimentos é o resultado de um problema humanitário, é uma conquista preciosa para o homem e para o estadista, mas difícil na aplicação; porque o passado quando se renova traz sempre um cortejo diferente, e circunstâncias que o modificam.

A máxima moral, aquela que é filha da verdade eterna, é um monumento que pede outro monumento em recompensa. Entre as 3.169 máximas que o marquês de Maricá tirou à luz da imprensa, se encontram algumas cujos pensamentos estão elaborados por formas diferentes, e que só pedem um coordenador; mas entre elas se acha uma grande quantidade de verdades formuladas por uma maneira original, e que encerram, além do seu mérito intrínseco, aquelas virtudes de um estilo admirável, cuja ordem e movimento nas idéias é tecida por uma cadeia mágica, que as torna pequenos monumentos de beleza e concisão.

Para compensar da minha insuficiência neste lugar, e na ocasião em que sou obrigado a falar de um brasileiro tão distinto, passarei a um índice dos principais fatos da sua vida: é um documento sagrado, é um legado público, que ele confiou alguns meses antes de sua morte: é o marquês de Maricá quem vai falar, é ele mesmo que dita as principais frases de uma vida que foi toda consagrada à pátria, e à sociedade.

"Mariano José Pereira da Fonseca, hoje marquês de Maricá, nasceu no Rio de Janeiro em 18 de maio de 1773, filho legítimo do negociante Domingos Pereira da Fonseca, natural de Portugal, e sua mulher Teresa Maria de Jesus, natural do Rio de Janeiro.

"Na idade de onze anos para doze foi mandado por seu pai para Portugal, e no ano de 1785 entrou colegial no real colégio de Mafra, onde residiu três anos, e estudou gramática latina, retórica, lógica e as duas línguas grega e francesa.

"Em outubro de 1788 entrou na Universidade de Coimbra, onde, tendo feito os exames preparatórios para o curso jurídico, não pôde ser matriculado no seu primeiro ano por falta de idade, não tendo ainda os dezesseis requeridos pelos estatutos, o que o determinou a matricular-se no primeiro ano da faculdade de matemáticas e filosofia, e nesta tomou o grau simplesmente de bacharel, por haver morrido seu pai no ano de 1772, quando se destinava a ir estudar medicina, em Edimbrugo, sendo-lhe forçoso vir ao Brasil para arrecadar a herança de seu pai.

"Chegou ao Rio de Janeiro no princípio do ano de 1794, e tinha aberto casa de negócio quando foi preso em 4 de dezembro do mesmo ano; e foi retido incomunicável por dois anos, sete meses e quinze dias, e solto por efeito de um aviso, estranhando ao vice-rei conde de Resende a sua prisão e a dos seus companheiros por tanto tempo sem sentença, e se lhe ordenou que no caso de serem criminosos fossem remetidos presos para Lisboa, com seus processos, o que não teve efeito, por serem imediatamente soltos.

"Os processos desapareceram, e consta que o conde de Resende os levou consigo.

"Lugares e empregos que ocupou o marquês de Maricá desde que entrou na vida pública em 1802, e outras lembranças.

"Deputado de agricultura da mesa da inspeção do Rio de Janeiro, nomeado por aviso da secretaria de Ultramar, deputado da junta do comércio na sua criação pela extinção da mesa da inspeção, serviu até que entrou em ministro de estado da Fazenda em 1823, em 13 de novembro; diretor-tesoureiro da real imprensa, sem ordenado, e havendo emprestado, sem prêmio, para montar a fábrica, perto de 5:000$000. Obteve a sua demissão deste emprego por morte do conde de Linhares. Administrador-tesoureiro da fábrica da pólvora, promoveu a extração do salitre em Minas Gerais com tal eficácia, que, produzindo no primeiro ano 150 arrobas, no terceiro excedeu a 10.000 arrobas, como se pode ver da escrituração respectiva, que deve achar-se no cartório do arsenal de guerra.

"Criado o tribunal do arsenal do exército, foi nomeado deputado tesoureiro; ficando abolido o emprego de administrador-tesoureiro da fábrica da pólvora. Serviu o dito lugar por alguns anos, e pediu instantemente a demissão, que lhe foi concedida.

"Serviu de censor régio por provisão do Desembargo do Paço, por mais de dois anos, e terminou este encargo com a liberdade da imprensa em 1821.

"Serviu de deputado secretário da junta provisória em 1821, e teve ele só todo o trabalho desta criação.

"Foi nomeado ministro da Fazenda em 13 de novembro de 1823, e obteve a sua demissão em 23 de novembro de 1825.

"Foi um dos primeiros conselheiros de estado, segundo a Constituição, e um dos redatores dela. Deixou de servir este emprego pela extinção do conselho de estado em 1834, ficando com as honras e ordenados.

"Foi eleito senador do Império pelo Rio de Janeiro, e tem servido este emprego de 1826 por diante.

"Foi ouvido em diversas conferências com a assistência dos ministros de Estado no reinado do Sr. D. João VI.

"Não entrou nem foi membro de clube algum, nem pedreiro-livre: o seu clube foram: sua família e a sua livraria.

"Subiu aos maiores empregos da sua pátria sem intrigas, cabalas, partidos, nem adulações, mas somente pela proteção divina, alguma inteligência, muita probidade, e especialmente por efeito das circunstâncias.

"Casou-se a 30 de junho de 1800 com D. Maria Barbosa Rosa do Sacramento, filha legítima do capitão Julião Martins da Costa, natural de Portugal, e negociante, e de D. Maria Rita Quitéria, natural de Minas Gerais: teve dela um filho e quatro filhas.

"Faleceu sua mulher em 23 de abril de 1840, dama da imperatriz e marquesa de Maricá: foi senhora de garbo, modelo de fidelidade conjugal e amor materno, e honra do seu sexo.

"Começou a escrever as suas Máximas na idade de 60 anos, quando chegou à de 70 havia publicado e feito distribuir grátis quatro volumes delas com 3.169 artigos, monumento da sua glória literária, e que mesmo honra a literatura brasileira.

"Os bens da fortuna que possui é trigo sem joio do diabo, é produto da pingue legítima de seu pai, do seu comércio por perto de vinte anos como negociante, do favor divino, da sua economia, ordem, trabalho e inteligência. Na sua vida pública não teve outro rendimento que o de seus ordenados: a sua integridade pode ser proverbial."

O marquês de Maricá era um homem de estatura mediana, de modesta aparência, de uma fisionomia grave, e de um caráter austero; a natureza e a sociedade haviam estampado no seu aspecto fisionômico os traços característicos do pensador e do magisrado, do filósofo e do diplomata, do tribuno e do burguês. Amava a conversação, a música, e a leitura; e era difícil acompanhá-lo todas as vezes que se entranhava nas grandes abstrações filosóficas: a volubilidade das suas palavras, a agudeza do seu espírito, e o seu gênio um tanto sarcástico, o tornavam extremamente agradável. Era apaixonado pela poesia italiana, e havia decorado os melhores pedaços do imortal Torquato. Escreveu algumas odes anacreônticas, que foram postas em música pelo padre José Maurício; e era um destes velhos que amam a mocidade como a representante do futuro.

O caráter das poesias do marquês de Maricá, no pouco que delas vimos, é o da época em que começou a metrificar: a sua musa, como a de seus contemporâneos, trasfoleava as suas inspirações sobre os cantos do paganismo: presa às colunas do Partenon, só via no universo o Olimpo e o Parnaso, para povoar a natureza do novo mundo com as divindades de Homero, criar uma existência anacrônica, filha do mau preceito da imitação servil.

Homem progressivo, o vimos abraçar-se com a escola de Chateaubriand e aplaudir a nova era da poesia brasileira na aparição dos Suspiros Poéticos do Sr. Magalhães.

No seu livro de Máximas está fundada a sua glória: as grandes verdades são como clarão celeste, que ofusca os lumes da Terra.

O marquês de Maricá faleceu no dia 16 de setembro de 1848.