HARPEJOS.

Sweeterst music!...
Shakspeare.

Da noite no remanso
Minha alma se extasia,
E praz-me a sós comigo
Pensar na solidão;
Deixar arrebatar-me
De vaga phantasia,
Deixar correr o pranto
Do fundo coração.

Tudo é silencio harmonico
E doce amenidade,
E uma expansão suave
Do mais fino sentir;
Existo e no passado
Só tenho uma saudade,
Desejos no presente,
Receios no porvir!

Como licor que mana
De cava, humida rocha,
Que o sol nunca evapora,
Nem limpa amiga mão;
A dor que n’alma sinto
Minha alma desabrocha;
Que livre o pranto corre
Da noite na soidão!

Attendo! ao longe escuto
D’uma harpa os sons queixosos,
Attendo! e logo sinto
Minha alma se alegrar!
Attendo! são suspiros
De seres vaporosos,
Que mil imagens vagas
Me fazem recordar!

Tu que eras minha vida,
Que foste os meus amores,
Imagem grata e bella
D’um tempo mais feliz,
Que tens, que assim chorosa
Suspiras entre as flores?
Teu sou, — do juramento
Me lembro, que te fiz.

Te vejo, te procuro,
Teus mudos passos sigo,
Em quanto, leve sombra,
Fugindo vais de mi’!
Unido ás notas da harpa
Percebo um som amigo,
Que me recorda o timbre
Da voz que já te ouvi!

Na brisa que soluça,
Na fonte que murmura,
Nas folhas que se movem,
Da noite á viração,
Ainda escuto os échos
D’uma fugaz ventura,
Que assim me deixou triste
Em mesta solidão.

Prosegue, harpa ditosa,
Nas doces harmonias,
Que da minha alma sabes
A magoa adormecer;
Prosegue! e a doce imagem
Dos meus primeiros dias
Veja cu ante os meus olhos.
De novo apparecer!

Ai, forão como a virgem
Que em sitio solitario
Acaso um dia vimos
Sósinha a divagar!
Memoria bemfazeja,
Que o gelido sudario,
Que a morte em nós estende,
Não vale desbotar.