1) Admitimos que na atualidade existe ainda uma enorme confusão na terminologia própria e específica dentro do campo das doenças mentais e sua terapia. Devemos, portanto, fixar de antemão o significado exato de algumas das palavras mais usadas nos tratados específicos, e de como nós as entendemos.

Etimologicamente, as palavras psiquiatria e psicoterapia, derivadas dos termos gregos psiche = alma e iatreia e terapia que significam cura ou tratamento, vem ter o mesmo e idêntico significado. O tratamento ou cura das doenças da alma, em contraposição do tratamento e cura das doenças do corpo, de que trata a medicina geral e somática. Para os que não acreditam na existência da alma e preferem falar apenas em psiquismo, significariam o tratamento ou cura das doenças da mente ou psíquicas.

Historicamente falando, existe, na ordem prática, uma diferença essencial entre ambas, pelo menos no que respeita aos meios usados no tratamento dessas doenças, ou também no que respeita aos subtipos ou classes das doenças de que cada uma deve limitar-se a tratar.

Nós entendemos (e achamos que assim deveria ser entendido) por Psicoterapia: "A ciência ou arte de tratar e resolvermos problemas ou distúrbios psíquicos (mentais, emocionais e psicossomáticos), por meios ou procedimentos exclusivamente psíquicos". E por Psiquiatria entendemos: "A ciência ou arte de curar as doenças mentais, quando orgânicas, por meios ou procedimentos exclusivamente físicos". A Psicoterapia e a Psicopatologia devem ter como campo próprio e específico as doenças ou distúrbios "cujas causas patológicas sejam exclusivamente psíquicas ou emocionais", que são doenças de tipo funcional sem nenhuma perturbação orgânica. Por sua vez, a Psiquiatria deveria ter por campo específico o das doenças e distúrbios mentais (ou cerebrais) "cujas causas patológicas sejam mais de origem orgânica envolvendo, como resultado, certa disfunção mental ou comportamental".

Academicamente, a Psiquiatria científica dos últimos séculos precedeu à Psicoterapia moderna dos últimos decênios, nasceu dentro da Medicina acadêmica e oficial, foi considerada até agora como o único tipo válido de terapia mental e tem sido praticada pelo médico especialista em doenças mentais (cerebrais, eles dizem) como um ramo especializado da medicina organocista. Inversamente, a Psicote-rapia moderna, que também pretende considerar-se científica é de origem totalmente recente, nasceu e se conservou até agora à margem e fora do âmbito acadêmico-universitário, obstaculizada, ridicularizada e negada a sua validez, tanto pela Medicina como pela Psicologia oficiais, que a consideravam ainda como um remanescente das antigas práticas mágico-místico-religiosas. As mesmas, Medicina e Psicologia oficiais, que ainda lhe têm fechadas as portas universitárias e das quais, uns poucos expoentes a querem monopolizar exclusivamente.

Mas, independentemente da Psiquiatria médica e da Psicologia Clínica a Psicoterapia moderna, especialmente sob a forma mais concreta da Psicanálise, tem tomado corpo científico, durante estes últimos cinqüenta anos e hoje começa a ser estudada e disputada igualmente pelo especialista médico-psiquiatra e pelo especialista psicólogo-clínico, que exclusivamente querem incorporá-la a suas respectivas áreas ou matérias, no entanto, a maioria dos médicos e psicólogos continuam negando-lhe validez científica e eficiência terapêutica.

Todavia, considerada em toda a sua amplitude de: "Tratamento dos distúrbios psíquicos por meios exclusivamente psíquicos", a Psicoterapia não pode ser restrita nem ao conceito ou fórmula da Psiquiatria acadêmica, nem ao limitado campo da Psicologia clínica ou mera Psicologia de Aconselhamento, nem sequer ao campo muito específico da Psicanálise terapêutica. Pois, seu amplo conceito se estende muito além através da Hipnologia, da Religião, da Parapsicologia e outros muitos métodos eficientes e paralelos que, aos poucos, vão sendo incorporados ao vasto patrimônio da Ciência.

Essa distinção e luta de conceitos entre a Psicoterapia e a Psiquiatria aparecerá mais clara através da história secular de ambas.

2) No passado longínquo e multimilenar, se os espíritos maus ou demônios foram inicialmente tomados como os responsáveis e "verdadeiras causas" etiológicas de todas as doenças humanas, devemos admitir como inteiramente certo que o EXORCISMO foi também a primeira "terapia" aplicada pelo homem primitivo para curá-las. E sempre houve entre os homens de todos os tempos a classe infeliz dos doentes mentais, que, a uma só vez, eram temidos, admirados, ridicularizados, lamentados ou mesmo torturados, mas muito raramente "curados". A tentativa de curá-los, igual que aos demais doentes, iniciou-se, no passado pré-histórico, com os médicos-feiticeiros e médicos-sacerdotes e foi continuada, nas épocas históricas, por sacerdotes-médicos, médicos-cirurgiões, filósofos, cientistas-psiquiátricos e cientistas-psicoterápicos.

O homem primitivo sabia de fato que o ferimento produzido por uma arma ou uma pedrada era devido a algum de seus inimigos conhecidos e visíveis. De maneira semelhante devia pensar que outros ferimentos e doenças, sem causa aparente, como os ferimentos por causa de quedas acidentais, uma hemorragia nasal, uma inflamação maxilar, uma cegueira adquirida, etc., tinham que ser provocadas necessariamente por outros inimigos invisíveis. Quanto às doenças mais misteriosas e de causas menos evidentes, como certas febres e cólicas ou mesmo os incompreensíveis distúrbios mentais, forçosamente tinha que supô-los como oriundos de seus temidos inimigos invisíveis, os muitos espíritos malignos , que sempre o rodeavam. Para curar as primeiras o médico feiticeiro ou sacerdote empregavam a "magia e feitiçaria" e contra as segundas usavam as práticas mágico-religiosas do tipo exorcismos, os rituais mágicos e os "encantamentos", utilizando a oração, a súplica, o apelo, a reverência, o sacrifício, o apaziguamento e mesmo o suborno e a intimidação. Se entendermos todos estes tipos de tratamento como outras tantas tentativas de mudar psicologicamente o comportamento dos causadores das doenças, bem como suas malévolas conseqüências nas atitudes e comportamento dos doentes, compreenderemos facilmente o fato de que a PSICOTERAPIA tenha surgido, historicamente, como a mais antiga das especializações médicas. Em certo modo, a medicina primitiva pode considerar-se principalmente como psicoterapia primitiva, tendo em vista não encontrarmos, naqueles tempos, nenhuma separação entre sofrimento mental e físico, como também não havia nenhuma distinção entre medicina, magia e religião. Hoje já sabemos como identificar muitos dos antigos demônios e espíritos malignos com os modernos complexos psíquicos da Psicanálise. A terapia religiosa e mágica de outrora era, pois, uma verdadeira Psicoterapia.

3) De fato, nas sociedades primitivas, os homens que ostentavam certos poderes misteriosos como adivinhar e prever a chuva ou a vitória numa guerra, tinham também a tarefa de curar os doentes. Temidos ou admirados e reverenciados, os médicos-feiticeiros e médicos-sacerdotes tornavam-se pessoas mais influentes e, freqüentemente até chefes da tribo, do clã ou da pequena sociedade, e nas culturas mais adiantadas chegavam a constituir uma classe de elite, tão mais seleta, quanto de cultura mais elevada.

Uma das mais antigas civilizações da história escrita foi a da Babilônia contemporânea do Egito pré-dinástico de 4.000 anos a.C. Numa cultura bastante avançada como essa, os médicos babilônios foram os sacerdotes Assipu, que ensinavam como mestres nas cidades de Babilônia e Nínive e tinham a seu cargo a cura dos doentes. Mas tais médicos-sacerdotes tratavam somente das doenças misteriosas internas e especialmente das doenças mentais, que já naquele tempo eram atribuídas à possessão demoníaca e curadas por métodos mágico-religiosos. Muito entretidos nesses mistérios do mundo patológico "sobrenatural", não tinham tempo e até se sentiam rebaixados se precisavam tratar das anormalidades patológicas externas, como as causadas por ferimentos, etc. Por isso, a seu lado, surgiram os médicos-leigos chamados Asu ou A-zu, que estavam encarregados de tratar das doenças externas (somáticas), empregando meios físicos e naturais, ainda que freqüentemente precisassem reforçar também seus tratamentos por meio de encantamentos mágicos, que consideravam mais eficientes que as drogas e processos cirúrgicos.

Deste ponto de vista, conclui o historiador psiquiatra, Dr. Sigerist: "A medicina mesopotâmica era uma medicina, sobretudo psíquica ou psicossomática em todos os seus aspectos", uma vez que o "encantamento" resultava em um poderoso instrumento de ação psicológica ou psicoterápica, e era tomado como o principal elemento da cura. Tratando-se de aspectos doentios de tipo misterioso, no mundo primitivo que ainda caracterizava estas civilizações, Caldéia e Babilônica, e onde abundava a magia e a visão espantosa de inúmeros espíritos malignos sempre em roda dos homens, colocados de emboscada e sempre dispostos a perturbar a seus inimigos, a mais leve indisposição era uma ameaça de morte, que era necessário prevenir ou curar mediante as práticas mágicas. Mas a coisa adquiria um volume extraordinário quando se tratava de sintomas dramáticos, como as vertigens, convulsões, ataques epiléticos, coma, transe sonambúlico, escurecimento da visão, dor de cabeça, visões e alucinações, fantasmas, delírios, etc., quando a idéia de possessão diabólica, destrutiva e perturbadora, se fazia obsessiva da mente infantil daqueles povos. Tais perturbações eram sempre tomadas como sinal inconfundível de que a pessoa estava possuída pelo espírito mau. E ser possuído por tais espíritos era uma condição tão temível e séria como que era considerada a causadora de dores intoleráveis, doenças mentais e até da própria morte. Nestas circunstâncias, não seria de estranhar que o homem tentasse as mais drásticas medidas de cura, inclusive a cirurgia. E como é do conhecimento dos antropólogos, esse tipo de cirurgia era comum no mundo inteiro e estava ligado à magia, como uma forma de exorcismo. A sangria e a trepanação eram praticadas, naquelas épocas, segundo provas bem conclusivas, sob a crença de que elas abriam canais e portas para a libertação dos espíritos malignos e intrusos. Aliados estes processos físicos (psiquiátricos) aos rituais de encantamento e condicionamento sugestivo (psicoterápico), produziam, com bastante freqüência, os efeitos de cura desejados. São essas as duas primeiras manifestações dos dois processos multiseculares da cura mental: o psiquiátrico e o psicoterápico.

4) Embora entre os médicos-sacerdotes do Egito predominasse o misticismo e a medicina mágica do encantamento, sua ligação com as culturas africanas de maior contato com a natureza fez com que a medicina física se desenvolvesse muito mais do que nas outras culturas antigas. Entre outras fontes, o célebre papiro de Ebers representa a medicina psicoterápica, abundando em fórmulas de encantamento religioso e ritual mágico próprias das doenças internas, cuja verdadeira etiologia lhes era desconhecida. No mesmo papiro, se faz menção, também, às práticas hipnóticas nos santuários egípcios, como poderoso recurso psicoterápico de enorme influência naquela época, como o tem sido nas épocas posteriores da história.

Mas ao mesmo tempo, o não menos famoso papiro médico de Smith descreve por primeira vez o cérebro como sendo a "sede das funções mentais" detendo-se na descrição de longas fórmulas farmacológicas bem como dos processos cirúrgicos. Embora ainda envoltos em certo misticismo mágico, alguns processos de psiquiatria física já começavam a ser empregados. Assim, a doença mental do endemoniado era aliviada, segundo acreditavam, mediante a trepanação, que vinha abrir "uma porta no cimo da cabeça para dar saída ao espírito perturbador" e da mesma maneira acreditavam que os sintomas da histeria eram devidos à má posição do útero (hysteron) em algumas mulheres, distúrbios que tratavam de corrigir, "fumigando a vagina com o fim de atrair o útero errante para a sua posição certa e natural". Eis por primeira vez na história da Medicina, frente a frente os dois processos, secularmente rivais: a Psicoterapia mágico-místico-religiosa (mas psíquica) e a Psiquiatria física e racional, claramente documentados.

5) Para sermos mais breves deixaremos de lado as práticas psicoterápicas dos médicos-sacerdotes, mágicos e feiticeiros, dos povos persa, hindu e chinês, de menor influência e significado no desenvolver da cultura ocidental, e que culminaram na psicoterapia religiosa dos médicos-budistas, cujas bases psicológicas vamos achar na fórmula budista do desejo incontrolado, como causa patológica de todas as doenças físicas e morais, e do desejo anulado ou suprimido, como tratamento psicoterápico, por meio de processos psicológicos conscientes livremente aceitos, prenunciando 500 anos a.C., a mais pura fórmula da psicoterapia analítica freudiana e pós-freudiana do nosso século XX.

No ocidente, durante a época chamada clássica, concretizou-se cada vez mais a dupla corrente da psicoterapia psíquica e da psiquiatria física ou orgânica, desenvolvendo-se claramente , desde a Grécia e Roma antigas até à Europa ocidental da Idade Média e Moderna.

6) Na Grécia do ano mil a.C., segundo nos narra Homero , usualmente se acreditava, como nos demais lugares do mundo antigo, que as pessoas sofriam de insanidade mental por terem ofendido os deuses (espíritos), que as castigavam fazendo com que se comportassem de maneira estranha e ilógica, como quando o desmiolado Ulisses arava a areia da praia em vez de seus campos, e Ajax (Quixote antigo) matava os carneiros, que tomava por seus inimigos. Em conseqüência, a terapia aplicada tinha que ser também uma psicoterapia mágico-místico-religiosa, de aquietação e contentamento das deidades responsáveis, mediante súplica, doação, sacrifício e fórmulas mágicas, que tanto aplacavam os deuses enfurecidos como condicionavam psicologicamente os próprios doentes.

Expoente máximo deste tipo de psicoterapia foi Escolápio, provavelmente um antigo médico influente e famoso, venerado mais tarde como um deus igual ao que foi o egípcio Imhotep. Seu mais célebre templo da Grécia (e teve muitos em outros lugares) foi o de Epidauro, onde, entre outras práticas, se ministrava o tratamento da hipnoterapia, tal como a aprenderam dos egípcios, onde freqüentemente eram iniciados os primeiros médicos e filósofos gregos. Praticaram também a sonoterapia pelo método de "incubação" ou sono induzido. Enquanto dormia no templo, o paciente selecionado para este tipo de tratamento, era psiquicamente influenciado pelos médicos-sacerdotes, que lhe davam instruções sobre os sonhos que iria receber. Solicitado a manifestá-los, mais tarde, eram interpretados como sendo a vontade do deus, que terminava propiciando a cura.

Paralelamente, desde os mais primitivos tempos, os filósofos-sacerdotes místicos do culto de Dionísio-Bacon, levavam seus adeptos a uma verdadeira psicoterapia de relaxamento através das célebres festas "bacanais" e as orgias, que culminavam no "transe místico", chamado transe-órfico, com os conhecidos saudáveis resultados dos melhores processos modernos de "relax-terapia .

7) Mas no século VI a.C., o antigo "Século das Luzes", enquanto que na Pérsia Zoroastro reafirmava todos os princípios da religião mágica, divino-diabólica e, na índia, o príncipe Gautama, o iluminado Buda, fundava a primeira religião humanista, religião laica sem deus, do mais puro sentido psicoterápico, na Grécia clássica surgia um movimento de pura filosofia iluminista, de orientação racional e naturalista. Essa filosofia induzia o pensador grego ao estudo atento da natureza humana e extra-humana, sem preconceitos sobrenaturalistas mágico-religiosos, desenvolvendo uma psicologia sem demônios e uma ciência naturalista, sem as influências fenomenológicas divinas e diabólicas. Filosofia que tudo pretendia explicar do ponto de vista racional e natural.

Na área da medicina, com base nos filósofos (melhor diríamos psicólogos) Sócrates, Pitágoras, Platão e Aristóteles, desenvolveu-se uma psicoterapia psicológica prenunciadora das técnicas modernas de psicoterapias analíticas e não-analíticas, e com apoio nos médicos naturalistas Hipócrates e Galeno, criou corpo uma psiquiatria física, que foi a base da psiquiatria científica moderna.

Com efeito, Platão, discípulo divulgador da doutrina de Sócrates considerava "os estados corporais como verdadeiros reflexos psicológicos". Afirmava, ainda, que o princípio vital do corpo era a alma vegetativa que é comum ao homem, aos animais e aos vegetais. Responsável pela vida sensitiva e emocional é a alma irracional, cujas partes superiores (coragem, ambição e energia) estão colocadas no coração, e suas partes inferiores (desejo, apetites e nutrição) residem abaixo do diafragma. Mas a alma racional, a principal de todas e base da razão, é a que governa o corpo inteiro e a que diferencia o homem de todos os animais. Falando dos fenômenos humanos, tão claramente como jamais se tinha falado, a idéia básica da psicologia platoniana era a de considerar os fenômenos psicológicos como respostas do organismo inteiro, refletindo seu estado interior, no mais puro sentido do conceito "gestáltico" moderno e da psicofisiologia reflexológica de Pavlov". Nas partes mais baixas, dizia ele, tem origem os processos psicofisiológicos, que recebem sua direção das funções mais altas da razão, e o conflito entre os apetites inferiores, caóticos e desorganizados (o "id" freudiano) e as funções organizadoras da razão (o "ego"), prenunciava as teses fundamentais da Psicanálise de nossos dias. Mais ainda, antecipando-se a Freud, lançou Platão as bases da interpretação freudiana dos sonhos, concebidos por ele "como a expressão dos estados conflituosos dos apetites baixos ou desejos inconscientes, que no estado de vigília não é permitido expressar..." E entre os médicos, Empedócles afirmava que os elementos materiais do organismo e suas funções eram atraídos e separados, ou perturbados e danificados, pelas forças instintivas do "ódio e do amor", antecipando-se em mais de dois mil e quinhentos anos aos conceitos freudianos sobre os instintos de "vida e de morte".

8) Mas foi Hipócrates, o pai da Medicina, quem mais contribuiu para a criação de uma psiquiatria física-científica, nos moldes da medicina moderna.

Rindo-se dos que consideravam a epilepsia como "divina" e a chamavam de "doença sagrada", dizia que faziam isto para esconder sua ignorância sobre a natureza dela. Seu conceito era de que, nessa doença, quem estava doente era o próprio cérebro, que "é o órgão mais importante, como fonte de todos os nossos prazeres, alegrias, gracejos e risos, assim de todas as nossas tristezas, dores, pesares e lágrimas..." E seguindo seus princípios, os médicos hipocráticos, seus discípulos, pela primeira vez na história, estudaram à luz da razão os delírios tóxico-orgânicos, bem como o sintoma da depressão, que acreditavam ser causada pela acumulação indevida de bílis preta. Apontaram também as características da insanidade puerperal ou "psicose pós-parto" em termos modernos; descreveram vários tipos de fobias e batizaram com o nome de "histeria" o comportamento tipicamente feminino que, seguindo os egípcios, consideravam causado por um útero errante, desprendido de seus pendentes na cavidade pélvica, tomando-a, portanto, como exclusiva das mulheres. Finalmente, iniciaram eles também a primeira classificação das doenças mentais, incluindo nesse esquema a epilepsia, a mania, a melancolia e a paranóia. E fizeram as primeiras tentativas de descrever a personalidade e o caráter, bem como a classificação dos caracteres com base em suas teorias humorais, que ainda hoje prevalece na descrição das pessoas como nervosas, coléricas, fleumáticas e sangüíneas ou melancólicas.

9) Em Roma, os médicos e filósofos gregos imigrantes, durante o Império Romano, continuaram a desenvolver essa mesma linha da Psiquiatria e da Psicoterapia com base nas idéias gregas já expostas anteriormente. Fazendo um resumo delas o eminente escritor romano Cícero emite opiniões que se anteciparam brilhantemente a muitos conceitos da psicoterapia moderna. Assim, preludiando a atual medicina psicossomática, Cícero afirmou ousadamente que "as doenças corporais freqüentemente eram o resultado de fatores emocionais..." E negando o conceito hipocrático, substituiu a causa orgânica da "bílis preta" pela causa psicológica do "medo e da aflição" como fatores geradores da melancolia. Para Cícero "todas as desordens e perturbações da mente procedem exclusivamente de um descuido da própria razão, motivo pelo qual os animais irracionais não estão sujeitos a tais perturbações".

Em conseqüência, "a cura da aflição (angústia-ansiedade) e outras desordens é uma só por serem todas elas voluntárias e fundadas em opinião errada. A filosofia (a psicologia dizemos hoje) empenha-se em erradicar este erro como raiz de todos os nossos males. Deixemo-nos, portanto, ser instruídos por ela (auto-esclarecimento, auto-análise) e deixemo-nos ser curados, do contrário não poderemos ser corretos em nossas mentes".