1) De volta a Viena, em 1890, Freud instalou-se definitivamente com clínica própria e deu início a suas próprias pesquisas, sem perder o contato com Breuer, seu iniciador e primeiro mestre, a quem fez partícipe dos conhecimentos que adquirira na França, mostrando-lhe os avanços que ali se realizavam quanto aos processos psíquicos da etiologia e natureza dos estados histérico-neuróticos.

Naqueles anos que se seguiram, Breuer tinha feito um resumo das conclusões a que chegara com suas experiências. Ei-las:

a)Os sintomas histéricos representam a expressão significativa de fatos traumáticos do passado aos quais permanecem estreitamente ligados. Constituem os resíduos mnêmicos de tais experiências traumáticas.

b)A emoção que acompanhou aqueles fatos traumáticos não pode manifestar-se livremente através de palavras e atos; isto é, o paciente vira-se obrigado a reprimir essa emoção.

c)Essas emoções "prisioneiras" ou reprimidas sofrem uma série de mudanças anormais: os sintomas histéricos; convertem-se em enervações ou inibições, que se traduzem nos sintomas patológicos, no fato da conversão histérica.

d)O alívio e a cura dos sintomas patológicos que acompanham a histeria pode realizar-se através da exteriorização ou manifestação libertadora daqueles fatos traumáticos; uma espécie de eclosão ou purga psíquica da carga emotiva perturbadora, que Breuer chamou de Katarsis.

e)Como tais acontecimentos traumáticos foram esquecidos ou desapareceram da vida consciente, era mister revivê-los novamente, trazendo-os ao consciente, o que somente através da hipnose parecia poder ser feito. Esta hipnose foi chamada de catártica.

f)Nenhum alívio dos sintomas é verificado, quando o fato traumático é manifestado sem nenhuma carga emotiva. Para consegui-lo é mister que seja lembrado ou revivido com a mesma emotividade com que foi vivido a primeira vez. Somente assim a eclosão ou descarga (catarse) da emoção perturbadora será eficiente e curadora.

2)Em 1893 Freud convenceu Breuer a fazer as experiências realizadas e as conclusões a que já tinham chegado, consideradas por eles como de caráter científico. Gentilmente Breuer concordou em fazer uma publicação conjunta entre ambos. Assim sendo, nesse mesmo ano apareceu a primeira publicação desse gênero, que eles designaram de provisória, sob o título de Mecanismos psíquicos dos fenômenos histéricos, ampliada logo em 1895 num trabalho mais sério e mais detalhado, também da autoria de ambos, sob o título de Estudos sobre a histeria. A síntese dessas publicações se resume nestas quatro proposições:

a)Qualquer histeria surge como o resultado de uma experiência perturbadora ou "trauma psíquico" emocionalmente insuportável.

b)Sendo essa experiência totalmente insuportável, não pode ser assimilada e aceita; em conseqüência disso foi repelida do consciente e confinada no inconsciente; tornou-se inconsciente.

c)Entrementes, o que foi repelido nem por isso deixou de existir. Continua ativo, agita-se porém, sem mencionar-se. E como não se pode mencionar abertamente, manifesta-se substituído, em forma de distúrbios fisiológicos ou sintomas patológicos. (Antes sofrer paralisia de braço e não poder beber do copo, do que ao beber lembrar-se do fato nojento já esquecido e morrer de emoção... (Caso de Ana O.).

d)Esses distúrbios ou sintomas podem desaparecer, uma vez que se consiga fazer conscientes aqueles fatos traumáticos inconscientes e exteriorizar a emoção reprimida.

4) Eis em essência a primitiva e básica doutrina sobre a histeria e as neuroses. Nessas poucas linhas estão traçados os elementos fundamentais de que poderia ter sido Psicanálise de Breuer. Qualquer histeria ou neurose é uma doença psíquica e traumática. Sua terapia consistiria em procurar o fato traumático esquecido e responsável e fazer que o paciente se lembre dele, descarregue a emoção reprimida, revivendo-o o mais emocionalmente possível, e deixe fluir livremente ao máximo a emoção nele contida, para assim alcançar a cura. Isto era feito naquele tempo através da hipnose catártica ou de um estado hipnoidal, seguidos de uma espécie de "explosão emocional" ou catarse.

Mas logo a seguir dessas publicações, no mesmo ano de 1896, aconteceram dois fatos que marcaram um rumo diferente para aquele método analítico incipiente. Estes dois fatos desgostaram enormemente a Breuer a ponto de provocar nele um afastamento total do campo analítico e da prática terápica com pacientes histéricos e neuróticos. O primeiro fato foi devido à paciente Ana O., e o segundo ao próprio Freud seu discípulo predileto.

Em seu estado neurótico e irresponsável a paciente Ana O., sob os efeitos do fenômeno que mais tarde seria identificado como "transferência", gabava-se até publicamente de ser amante e amada de seu médico Breuer, chegando a dizer ainda que se achava grávida dele... Isto colocou Breuer numa situação sumamente embaraçosa, tanto no aspecto social como no familiar. Não esqueçamos que estamos em pleno rigorismo moral do século XIX e na Viena da áustria ultracatólica.

De outro lado, Freud atreveu-se a publicar sozinho um outro trabalho em que se afastava frontalmente da linha traçada nas publicações conjuntas e cujas teses corroboravam, em certo modo, as afirmativas difamatórias de Ana O. A tese principal da publicação de Freud era esta:

"Em cada paciente, em cada sintoma de cada paciente, chega-se inevitavelmente ao terreno das experiências sexuais".

Isto marcava a ruptura final entre mestre e discípulo, e a de Breuer com os incipientes métodos da nova psicoterapia analítica.

5) Qual era o fator essencial (se existia) do por que um determinado fato, mais do que outro, originava o "trauma emocional perturbador?" Por que certos fatos resultavam tão desagradáveis e precisavam ser alijados da consciência?

Freud afirmava cada vez mais a sua opinião longamente acalentada de que a raiz do problema havia que procurá-la "sempre" no terreno sexual. No fenômeno da Transferência tinha notado com Breuer que as pacientes alimentavam para com seu terapeuta um tipo de sentimentos cuja natureza sexual parecia evidente. Disto já tinha falado longamente com Breuer sem estar plenamente de acordo.

De fato, Charcot, Chrobak e Breuer já tinham observado que a desordem manifestada na histeria estava habitualmente ligada a dificuldades sexuais presentes ou passadas, e sobre isto já tinham chamado a atenção de Freud. Seus pacientes eram unânimes em referir-se a cenas sexuais e atos praticados com adultos quando crianças, e inclusive com os próprios pais. Na infância, afirmavam os pacientes, tinham sido abordados sexualmente por adultos.

Mas Breuer e Charcot, muito mais práticos na hipnose que Freud, sabiam que estas declarações eram muito enganosas. Sabiam que os histéricos, especialmente quando hipnotizados, mentiam muito e pouco ou nada acreditavam neles. Aquela histérica, Ana O., não andava apaixonada por ele e afirmava estar grávida, sendo mentira? Não aconteceria o mesmo com a afirmativa dos outros pacientes? Que fé se poderia dar às afirmativas de uma histérica hipnotizada, nesse terreno perigoso?

Assim, enquanto que para Freud, o aspecto sexual achado na "transferência" constituía a prova inabalável de que as forças determinantes da histeria e neurose derivavam "sempre" de experiências sexuais do passado, para Breuer esse colorido sexual não passava de uma afeição mórbida do presente, da qual havia que desconfiar e fugir.

6) Afastado Breuer por própria vontade do campo da incipiente psicoterapia da histeria e das neuroses, Freud acreditou estar livre de maiores compromissos e passou a publicar francamente as suas opiniões pessoais sobre o assunto. Nelas começou a exprimir aquela idéia fixa (claramente neurótica segundo seus críticos) que lhe iria acompanhar durante toda a sua vida, que lhe causaria tantos dissabores e o rompimento com seus melhores discípulos e amigos. Sozinho agora no campo da psicoterapia em Viena, a incipiente Psicanálise iria seguir seus próprios rumos.

Mesmo utilizando os materiais arrecadados por outros, o novo prédio da Psicanálise iria apresentar o feitio próprio de seu arquiteto.