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Mãi mulíta

— O tatu, mais a mulita,

— É lei da sua criação:

— Sendo macho, não pode ter irmã;

— Sendo fêmea, não pode ter irmão.

(Cancioneiro Guasca.)


Este bicho foi mandado ficar assim desde que o rei dos judeus mandou matar duas mil crianças e a Virgem Maria fugiu para o Egito, para salvar o Menino Jesus, fugindo num carro pequeno, puxado por um burro petiço...

A certa altura do caminho a comitiva foi alcançada por uma comitiva do rei, com ordem de matar o Menino e algemar seus pais; porém Nossa Senhora, com os seus rogos e lágrimas conseguiu abrandar o centurião que comandava; e deu-lhe de presente, o burro.

Depois a Virgem Maria e S. José, com muito custo, lá foram empurrando o carro onde ia dormindo, muito sossegado, o Menino Jesus. E foram andando... andando... andando...

A escolta já ia seguir seu caminho, de volta, porém parou, porque o burro tinha-se empacado... Embalde o centurião chicoteou o animal; depois bateu-lhe com o pau da lança; depois com a bainha do espadão; nada!... o burro, sempre empacado!...

Os soldados todos, um por um, espancaram-no: o burro, sempre empacado!...

Todos os soldados juntos e ao mesmo tempo, espancaram-no; o burro sempre empacado!...

Então o centurião ficou furioso, dizendo-se enganado pela Virgem, que lhe dera tão ruim animal. E resolveu perseguir e prender os fugitivos, para seu castigo.

A Virgem e S. José não viram o que atrás deles se passava, somente ouviam o rumor das pancadas que os soldados davam no burro e as blasfêmias do centurião... E assustados, apuravam as forças, empurrando o carrinho.

Então o Menino Jesus acordou-se e teve fome; mas com muito cansaço e sofrimentos, o seio de Maria não apojou...

Ele chorava, de pesar... e o Menino pegou a chorar, de fome...

Nisto apareceu uma mulita e Nossa Senhora disse-lhe:

— Mulita, se tens filhos, dá-me uma gota do leite para o meu filho!...

E a mulita parou-se e deu a gota de leite; mas era muito pouco e o Menino continuou chorando, com fome...

Nossa Senhora chorou de pesar e tornou a dizer:

— Mulita, chama tuas filhas, para cada uma dar uma gota de leite para o meu filho!...

— Senhora Virgem, respondeu a mulita, minha ninhada é grande, porém nele as filhas são poucas...

E chamou as suas poucas filhas, e cada uma deu uma gota de leite para acalmar a fome do Menino, que calou-se, farto.

Depois cada mulitinha tomou seu rumo, no deserto; só ficou a mulita mãe, acompanhando.

Quando iam já muito longe, avistaram a escolta que vinha em sua perseguição; e à frente, ameaçador, o centurião!...

Então a Virgem, muito aflita, disse:

— Mulita, dá-me a tua força, para puxar o carro do meu filho!...

E a mulita puxou; mas era tão pouca sua força, que o carro quase nada adiantava.

E a escolta cada vez mais perto!...

E Nossa Senhora chorou, de medo, e tornou a dizer:

— Mulita, chama os teus filhos, para darem a sua força e correrem, puxando o carro do meu filho!...

— Senhora Virgem, respondeu a mulita, a minha ninhada é grande, porém nela os filhos são poucos...

E chamou os seus poucos filhos, que começaram a correr, puxando o carrinho, do Menino Jesus...

E a escolta cada vez mais perto!...

Mas o carro, agora puxado pelos filhos da mulita ia sempre andando depressa.

Mas os cavalos são maiores que as mulitas e por isso vencem mais terreno... e já a escolta estava perto... perto..., quando levantou- se um medonho temporal de areia, que obrigou e o centurião a dispersarem-se entre gritos de raiva...

Então, quando viram que o Menino estava salvo, cada mulitanho tomou seu rumo no deserto; só ficou a mulita mãe, acompanhando.

Então Nossa Senhora tornou a dizer:

— Mulita, em memória das gotas de leite das tuas filhas, em memória da força dos teus filhos, deste dia em diante, de cada vez que deres ninhada, será sempre ou só de fêmeas ou só de machos!...

E a mulita respondeu:

— Pois que assim seja a vossa vontade, Senhora Virgem! Porém eu peço que ordeneis que o mesmo seja para a minha boa comadre, a tatua...

— Pois será, também!

Então a mulita tomou seu rumo, no deserto, e foi levar a nova a sua comadre tatua, que ficou muito contente...

O argumento destas duas lendas — 5, 6 — está desenvolvido baseado na tradição longínqua, e é de notar a acomodação bizarra dos elementos do seu entrecho.