Lua (Cruz e Sousa)

(Redirecionado de Lua (1893))

Clamydes frescas, de brancuras frias,
Finissimas dalmáticas de neve
Véstem as longas arvores sombrias,
Surgindo a Lua nebulosa e leve...

Névoas e névoas frígidas ondulam...
Alagam lacteos e fulgentes rios
Que na enluarada refracção trémulam
D’entre phosphorescencias, calafrios...

E ondulam névoas, setinosas rêndas
De virginaes, de prónubas alvuras...
Vagam balladas e visões e lêndas
No flórido noivado das Alturas...

E fria, fluente, frouxa claridade
Fluctúa como as brumas de um lethargo...
E érra no espaço, em toda a immensidade,
Um sonho doente, cilicioso, amargo...

Da vastidão dos páramos serenos,
Das sideraes abobadas ceruleas
Cae a luz em antiphonas, em thrênos,
Em mysticismos, orações e dúlias...

E entre os marfins e as pratas diluidas
Dos languidos clarões tristes e enfêrmos,
Com grinaldas de rôxas margaridas
Vagam as Virgens de scysmares êrmos...

Cabellos torrenciaes e dolorosos
Bóiam nas ondas dos ethéreos gêlos.
E os corpos passam niveos, luminosos,
Nas ondas do luar e dos cabellos...

Vagam sombras gentis de mortas, vagam
Em grandes procissões, em grandes alas,
Dentre as auréolas, os clarões que alagam,
Opulencias de pérolas e opalas.

E a Lua vae chlorótica fulgindo
Nos seus alpérces ethereaes e brancos,
A luz gelada e pallida diluindo
Das serranias pelos largos flancos...

O’ Lua das magnolias e dos lyrios!
Geleira sideral entre as geleiras!
Tens a tristeza mórbida dos cyrios
E a lividez da chamma daa poncheiras!

Quando resúrges, quando brilhas e amas,
Quando de luzes a amplidão constéllas,
Com os fulgôres glaciaes que tu derramas
Dás febre e frio, dás nevrôse, gélas...

A tua dôr crystallisou-se ontr’ora
Na dôr profunda mais dilacerada
E das dôres estranhas, ó Astro, agora,
És a suprema Dôr crystalisada!...