Fiz promessa, dizendo-te que um dia
Eu iria pedir-te o meu perdão;
Era dever ir abraçar primeiro
A minha doce e ultima affeição.

E quando ia apagar tanta saudade
Encontrei já fechada a tua porta;
Soube que uma recente sepultura
Muda fechava a tua fronte morta.

Soube que, apoz um longo soffrimento,
Aggravára-se a tua enfermidade;
Viva esperança que eu nutria ainda
Despedaçou cruel fatalidade.

Vi, apertado de fataes lembranças,
A escada que eu subira tão contente;
E as paredes, herdeiras do passado,
Que vem fallar dos mortos ao vivente.

Subi e abri com lagrimas a porta
Que ambos abrimos a chorar um dia;
E evoquei o fantasma da ventura
Que outr'ora um céu de rosas nos abria.

Sentei-me á meza, onde comtigo outr'ora
Em noites bellas de verão ceiava;
Desses amores placidos e amenos
Tudo ao meu triste coração fallava.

Fui ao teu camarim, e vi-o ainda
Brilhar com o esplendor das mesmas cores;
E pousei meu olhar nas porcelanas
Onde morriam inda algumas flores...

Vi aberto o piano em que tocavas;
Tua morte o deixou mudo e vasio,
Como deixa o arbusto sem folhagem,
Passando pelo valle, o ardente estio.

Tornei a ver o teu sombrio quarto
Onde estava a saudade de outros dias...
Um raio illuminava o leito ao fundo
Onde, rosa de amor, já não dormias.

As cortinas abri que te amparavam
Da luz mortiça da manhã, querida,
Para que um raio depozesse um toque
De prazer em tua fronte adormecida.

Era alli que, depois da meia noite,
Tanto amor nós sonhavamos outr'ora;
E onde até o raiar da madrugada
Ouviamos bater — hora por hora!

Então olhavas tu a chamma activa
Correr alli no lar, como a serpente;
É que o somno fugia de teus olhos
Onde já te queimava a febre ardente.

Lembras-te agora, nesse mundo novo,
Dos gozos desta vida em que passaste?
Ouves passar, no tumulo em que dormes,
A turba dos festins que acompanhaste?

A insomnia, como um verme em flor que murcha,
De continuo essas faces desbotava;
E prompta para amores e banquetes
Conviva e cortezã te preparava.

Hoje, Maria, entre virentes flores,
Dormes em doce e placido abandono;
A tua alma acordou mais bella e pura,
E Deus pagou-te o retardado somno.

Pobre mulher! em tua ultima hora
Só um homem tiveste á cabeceira;
E apenas dous amigos dos de outr'ora
Foram levar-te á cama derradeira.


Nota de Machado de Assis

Em 1858, eu e o meu finado amigo F. Gonsalves Braga resolvemos fazer uma traducção livre ou paraphrase destes versos de Alexandre Dumas filho. No dia aprazado apresentamos e confrontamos o nosso trabalho. A traducção delle foi publicada, não me lembro em que jornal.