Sonetos (Antero de Quental, 1880)/No circo
NO CIRCO
(A João de Deus)
Muito longe daqui, nem eu sei quando,
Nem onde era esse mundo, em que eu vivia...
Mas tão longe... que até dizer podia
Que emquanto lá andei, andei sonhando...
Porque era tudo ali aério e brando,
E lucida a existencia amanhecia...
E eu... leve como a luz... até que um dia
Um vento me tomou, e vim rolando...
Cahi e achei-me, de repente, involto
Em luta bestial, na arena féra,
Onde um bruto furor bramia solto.
Senti um monstro em mim nascer nessa hora,
E achei-me de improviso feito féra...
— É assim que rujo entre leões agora!