Enquanto, fora, na noite, gralha, grasna e grulha o Carnaval em fúria, vai, Mergulhador, rindo para o espaço a tua aguda risada acerba.
Os luminosos lírios das estrelas desabrocharam já nos faustosos brocados do Firmamento, como que para ritmar em claras árias de luz a tua torva risada triste.
Apavora-te o Sol flamejante, eterno, na altura infinita. Não queres a aflitiva evidência do sol, que tudo põe num relevo brusco, que pinta as chagas de vermelho, faz sangrar as dores, perpetuar em bronze o remorso.
Amas a sombra, que esbate os aspectos claros, esfuminha os longes, turva e quebra a linha dos corpos.
Queres a noite, longas trevas amargas que confundam máscaras hediondas de Gwimplaines com faces loiras de deusas.
Noite igualmente deliciosa e dilacerante que te anule para os sentimentos humanos, que te disperse no vácuo, dissolva imortalmente o espírito num som, num aroma, num brilho.
Noite, enfim, que seja o vasto manto sem astros que tu arrastes pelo mundo a fora, perdido no movimento supremo da Natureza, como um misterioso braço de rio que, através de fundas selvas escuras, vai, por estranhas regiões, sombriamente morrer no Mar...
A noite tem, para a tua delicada sensibilidade, o majestoso poder de apagar-te dos olhos esses sinistros animais terríveis que babujam ao sol e desfilam, diante de ti, na truculenta marcha cerrada de pesadas massas formidandas.
Enquanto, pois, lá fora, o Carnaval em fúria gralha, grasna e grulha, num repique macabro de guizos jogralescos, uivando uma língua convulsiva e exótica de duendes e notâmbulas bruxas walpurgianas, prende-te, ó deus do Tédio, Mergulhador dos Mediterrâneos da Arte! Às imensas asas da fria águia negra das multidões - a noite - e ri, ri! Sob as claras árias da luz das Estrelas, a tua venenosa risada em fel e em sangue...