A trinta do mês de outubro
Do ano de trinta e um,
Ardi em chamas de fogo
Sem haver remédio algum.

Ai! de mim triste coitada,
Que truce tão cruel sina .
De passar pela desgraça
Neste mundo tão menina!

Bem conheço de certeza
Que foi por Deus esta morte,
Assim quis o criador,
Permitiu a minha sorte.

Cuando no mundo nasci
Foi para morrer queimada;
De Deus a sina no mundo
Não pode ser revogada.

Deus como de piedade
Tenha de mim compaixão:
Foi tal a minha desgraça .
Que morro sem confissão.

Eu conheço de certeza
Que só por Deus poderia
Eu acabar desta sorte,
Morrer com tanta agonia.

Fazendo eu umas papas
Para um menino comer,
Oh! que caso tão cruel!
A mim veio acontecer.

Gritei por todos de casa
No estado em que me pus,
Pedindo que me acudissem
Pelas chagas de Jesus.

Hoje por me ver assim
Desenganada da vida
Já desejo que a minha alma
De Deus seja recebida.

Já me dispus a morrer,
Para mim a morte é nada;
Tendo a glória, me não pesa
De ter morrido queimada.

Lágrimas por mim não botem
Que remédio me não dão,
Antes me recomendem
À virgem da Conceição.

Morrendo estou satisfeita,
Ninguém de mim tenha dó;
Tendo eu a salvação
Lá no céu estou melhor.

Não tenho mais que pedir,
Que já mais falar não posso;
Quem nesse ABC a pegar
Reze-me um Padre-Nosso.

Oh bom Deus de piedade,
Jesus Cristo Redentor,
Tende compaixão de mim
Por vosso divino amor!

Pelos meus grandes pecados
No mundo fui desgraçada,
Mas pelo amor de Maria
Serei nos céus perdoada.

Que dores! que agonias
Por me ver nesta figura!
Naquela matriz do Icó
Foi a minha sepultura.

Rolando na minha cama
Com ânsias e agonias
Sem poder ter um alívio
No espaço de oito dias.

Soberano rei da glória,
Filho da Virgem Maria.
No meu último suspiro
Queirais ser a minha guia.

Tenho a certeza, Senhor
Que me não hei de perder;
Vos peço que não deixeis
A minha alma padecer.

Vou dar fim ao A B C
Que não posso mais falar;
Me ajudem a morrer
Que me quero retirar.

Xorando ficarão todos,
Eu me vou bem consolada
Na esperança que a minha alma
Na glória terá entrada.

Zangada já estou do mundo,
Eu não quero mais viver,
No artigo em que me acho
Só com Deus me quero ver.

O til é letra do fim;
Findo em pedir também
A Deus que me dê a glória.
Para todo o sempre. Amém.