OS TREZ DIAS DA FRANÇA.

 

Quando os Borbões em 1814, entrararão na França a poz os Alliados, elles não puderão, qualquer fosse então o seu desejo, recuperar o throno sem transigir com a nação , poisque os mesmos Alliados estavão bem longe de os favorecer vigorosa, ou unanimamente, e a nação via entre si, e a familia de Luiz XVI, hum rio de sangue. O Xefe d՚esta familia, homem sagaz, e machiavelico, concedeo a Charta, e o povo, vendo n՚ella bastantes garantias dos seus direitos , não se mostrou exigente sobre certas incoherencias produzidas pela ficção dos 21 annos de reinado passados em terra estrangeira, que parecia dar por nullo ou illegitimo tudo quanto acontecéra durante estes 21 annos, bem como pela substituição da bandeira tricolor illustrada por tantos triumphos, pela branca, e ultimamente pela formula de promulgação que dava a titulo de gratificão devida á munificencia réal, aquillo que, como pacto obrigatorio para ambas as partes, deveria ser convencionado, instituido, e jurado de commun acordo. Estas incoherencias erão holocaustos aos partidistas do regimen antigo, unicos subditos da casa de Borbão durante o reynado fantastico dos 21 annos, e elles se apossarão com inaudita avidez d՚estas posicões, para atacar os privilegios da nacão no territorio da Charta, que servio de campo de batalha. Este partido antiquario fazia huma quasi invisivel minoridade na nação ; mas elle tinha a seu favor a proteccão da familia réal, o apoyo da Santa-Allianca, e das suas bayonettas, a majoridade na representacão nacional pelas condicõens constitucionaes para as eleições, a vantajem do attaque, e, sobre tudo, o cansaço da nação que farta, e enjoada de gloria militar, não aspirava senão a disfrutar as vantagens da paz, e da tranquillidade á sombra d՚hum poder conciliador, que promettia identificar as lembranças do passado, com as exigencias do tempo presente. Estas esperanças ficarão em grande parte baldadas, e as lutas principiarão immediatamente, suscitadas por aquelles que se intitularão logo realistas por excellencia, e se esforçarão para ganhar o terreno polegada por polegada, infringindo hum por hum certos artigos da Charta; interpretando outros ; desorganisando o exercito, e administração; impregando regimentos suissos; approveitando-se de qualquer opportunidade, V. G., os cem dias, e o assassinio do Duque de Berry , chamando em fim ao seu auxilio o fanatismo que cubrio o paiz de missionarios, e de jesuitas, cuja sociedade, semlhante á huma arvore indestructivel, que cortada a frol do chão brota com nova vigor, atirou-se perdidamente no campo das intrigas, e da desorganisação: aliás a liberdade da imprensa, guarda avançada que denunciava incansavalmente tantas machinações, os incommodava mais que tudo, e elles procurarão angarialla de mil modos. Entretanto a nação, fiada na sua força, na inamovibilidade de juizes incorruptiveis, e no patriotismo de huma minoridade de deputados tão corajosos, como eloquentes via com assaz socego tamanhas usurpações, se bem que, á modo de Lião envolto no sonho que rosna quando o incommodão, ella de quando em quando dava sinal de acordado, e então o prudente rey inclinava a seu favor o fio da balança, e ella adormecia outra vez, e o partido inimigo sempre em pé, sempre alerta, urdia novamente os seus planos, e activava os seus attaques. Aliás o systema de bascula nada decidia ; o tempo marchava; a Charta tomava novas raizes á proporção que a abalavão, e o inevitavel ostracismo da morte, como M. Dupin o proclamou, ia pouco a pouco resolvendo a questão, levando huns apoz outros, os velhos defensores das velhas instituções, os quaes já desesperavão de prender o Lião por arte, e não se atrevião, não por falta de vontade ou de raiva, mas de força, a combate-lo com o ferro, e o fogo, quando Villèle apparecco, promettendo-lhes de amansar a fera que se não podia domar , e de lhes entregar a revolução á sua discrição: seus meios forão a demoralisação da administração , a corrupção dos eleitores, e a complicação do systema financeiro; d՚este tempo data a existencia organisada de dois governos: hum occulto, para ressuscitar o regime do bello prazer, sobre as ruinas da Charta ; outro patente, para fingir que a executavão até que a Nação indignada se commoveo; as scenas de sangue da rua St. Denis derão cabo do ministerio deploravel. Já então Luiz XVIII tinha ido para a sepultura, e hum Rey frivolo, libertino quando moço, entregue na velhice aos Jesuitas, falto á qualquer epoca de sua vida de resolução, e de juizo, occupava o throno. Algumas medidas liberaes, taes como a suppressão da censura previa, tinhão o popularisado á epoca da sua sagração, mas a conservação de Villèle, e do seu systema , desmentirão brevemente estes inicios. A queda de Villèle assim mesmo o obrigou a retrogradar de Alguns passos durante o Ministerio de Martignac, que transigio com os liberaes; mas estes pouco satisfeitos com meias concessões exigirão mais, e aquelle já odioso à Corte pelo que tinha arrancado, ficou abandonado por todos os partidos, e largou o leme do Estado. O choque pois ia a ser inevita vel, se hum dos partidos se não reconhecesse vencido. A razão , e qualquer gráo de senso commum deveria obrigar os ultrá-realistas a se refugiarem na Charta, cuja litteral, e sincera execução erá a unica pertenção do partido liberal, mas a paixão, e o furor das facções não raciocinão. Antes combatter, e succumbir do que ceder, foi sempre sua divisa. Alias já não podia haver demora. A França cada vez mais se illuminava; as gerações novas, que tinhão mamado as doutrinas da liberdade, emporravão para a tomba os veteranos do despotismo. Com mais algumas revoluções do sol a população ficaria toda renovada. A hora pois tinha chegado para dar hum golpe decisivo, ou desapparecer do campo. O golpe foi resolvido. O Rey chama Polignac, homem decisivo , e de pouca esphera, ao Ministerio ; este se associa Labourdonnaye , coripheo do partido ultrà-realista, e ambos elegem para collaborador Bourmont, o desertor de Waterloo, insultando assim gratuitamente o pundonor publico , talvez mais exquisito na França do que em qualquer outro paiz, se bem que toda Nação, e todo partido arrenegue dos traidores. Assim mesmo o Triumvirato patricida recuou á vista da attitude da França, que se commoveo profundamente a punto de que muitos deputados, até então addidos a realeza, votassem á favor da resposta ao throno, que dava o Ministerio por suppeito á nação, e não se achando em posição de puxar para a espada, recorreo á medidas de dilação. A camara foi dissolvida. La Bourdonnaye, retirou-se apparentemente. Peyronnet, affamado collega de Villèle, e mestraço em sciencia de corrupção parlamentar, recebeo a pasta do interior para manejar as novas eleições em quanto huma expedição foi dirigida contra Argel, commandada por Bourmont, para se fortificar com successos que pudessem conciliar ao governo o exercito; no emtanto o Rey lançou huma proclamação, e a guarda réal, os Suissos, e as tropas com as quaes mais se contava, forão concentradas em Paris, e dispostas para acudir a qualquer ponto aonde os motims populares se manifestassem; não faltando demissões de Prefeitos, e Authoridades , escolha inquisitorial dos Presidentes de collegios , remoção das sés d՚eleições para novas parroquias, e finalmente manobra alguma para enganar, ou intimidar a nação.

Mas esta nação não se deixava illudir ou intimidar. Inabalavel no terreno legal da Charta, desprezando usurpações de que qualquer circunstancia opportuna , taes como huma mudança de Ministros, ou huma minoridade, a havião de indemnisar ricamente, ella com a convicção da sua força, e da sua energia, energia . de cujos excessos, se huma vez a obrigassem a desenvolvel-a talvez ella mesma se espantasse, preparava-se socegadamente a mandar para deputados , os votantes da resposta , com novas recrutas liberaes.

Todavia , huma campanha tão brillante como rapida , fez cahir Argel , e os Francezes , allegres de ver que a gloria militar era ainda a seu uso , congratularão sinceramente o Monarca ; ainda não erá tarde para se reconciliar. Mas a hora fatal á dinastia dos Borbões ia a tocar , e a fatalidade os arrastava.

O resultado das eleições já era conhecido , o partido liberal tinha decidida maioridade. O Ministerio Polignac não se atreveo a lhe fazer frente no campo da legalidade , e ufano da victoria d՚Argel , persuadido que a liberdade não crá mais difficil a debellar do o tyranno d՚Argel , lembrado que Napoleão , com hum punhado de soldados , mudára duas vezes as constituições da França, como se as circunstancias fossem as mesmas, e que houvesse parallelo possivel entre os pygmeos do ultra-realismo , e o portentoso vencedor da Europa , atreveo-se a rasgar violentamente o Pacto nacional, e a sustentar seu attentado com balas , e bayonnettas.

Carlos X, enganado pelos Jesuitas, e o Ministerio, assignou, no dia 25 d՚Agosto , dia inesquecivel nos annaes do despotismo , trez ordenanças.

A primeira , para estabelecer a censura previa.

A segunda, para dissolver a Camara ainda não reunida.

A terceira, para organisar huma nova ley d՚eleição, considerando sómente as contribuições directas de bens moveis, e immoveis, e as pessoaes como dando a capacidade para ser eleitor ( todos sabem que a quantidade paga devia ser de 300 francos por anno , ou 48,000 reis do cambio ao par de 160 rs. por franco ) ; o que excluia os industriaes , e negociantes que pagão o direito de patente, ao mesmo tempo que novas subdivisões dos collegios, e novas formas d՚eleição permittião ao governo dictar os votos, ou violar o seu segredo.

Com a firma do Rey cada ordenança vinha assignada pelos sete Ministros, cujos nomes, em eterno castigo, não se devem omittir. — Presidente do Conselho, Principe Polignac. — Justiça, Chantelauze. — Marinha, Barão d՚Haussez. — Interior, Conde Peyronnet. — Finanças, Montbel. — Negocios Ecclesiasticos, e Instrucção Publica , Conde Guernon-Ranville. — Trabalhos publicos, Barão Capelle.

Hum relatorio dos Ministros ao Rey, igualmente assignado por todos elles , sollicita , e motiva as trez ordenanças. Elles fulminão contrá o espirito revolucionario da França, e denuncião por extenso a liberdade da imprensa, attribuindo-lhe huma força dissolvente de toda ordem social; razão terião elles tido se tivessem dito da ordem social, tal como os Borbões a querem, sobre as ruinas do regime constitucional, que sómente serve de capa a hum poder occulto que marcha para a contra revolução, havendo desta forma hum estado dentro do governo, e huma potencia inimiga no seio da Patria, á moda d՚aquelles insectos que se sustentão silenciosamente no corpo d՚outro, até que tendo o devorado, elles surgem á luz gordos, e ovantes, do cadaver exangue que os recelava. De certo para hum governo com taes vistas a liberdade d՚imprensa he inimigo de morte. Aliás de qualquer modo que os Ministros encarassem esta liberdade, ella erá garantida pela Charta, e regulada por Leis especiaes, destruil-as por huma ordenança, erá acto de despotismo.

Não o erá menos a segunda, cuja redacção de mais a mais pára no absurdo, pois que quando a Charta não concede ao monarcha o poder de annullar as eleições, sim de dissolver as Camaras, o bom senso não conprehende que se possa dissolver aquillo que não está reunido.

Finalmente a terceira passava toda medida, e mudaria a representação nacional, já tão coacta, e encurralada nas summidades da sociedade por leys regulamentares extorquidas pela astucia dos Ministerios anteriores, e partido anti-liberal, em huma mera assembléa de fautores, e de satellitas do poder.

Aliás os ministros ousavão justificar tão enormes attentados contra a liberdade pelo Artigo XIV da Charta, assim redigido: O Rey he Xefe supremo do Estado...... e faz os regulamentos necessarios á execução das leys, e segurança do Estado. Mas quem não vê que este paragrapho ultimo se não applica, senão aos casos d՚invasão, fome, conspiração, ou qualquer outro acontecimento imprevisto, que ameaça de subverter á ordem social, e pede medidas repentinas, não sendo concedido mesmo ao poder réal em tal extremo, senão suspender a execução de algumas leys, et tomar as resoluções transitorias d՚urgencia, até que a reunião legal da legislatura regularise suas medidas extra-constitucionaes. A França, rica e quieta no interior, triumphante e respeitada ao estrangeiro, com hum exercito obediente, huma população industriosa, que pagava em dia, e sem murmurações, mil milhões de francos por anno; a França em fim, que, gloriosa da victoria recente d՚Argel, proseguia com vivas inaccostumados o Rey ancião, não se achava em caso algum d՚estes; e a derisão era tanto mais cruel, que as Camaras, convocadas para o dia 3 de Agosto, ião se reunir d՚alli a oito dias. O attaque ao pacto fundamental erá pois gratuito, o patricidio sem disculpa: promulgar n՚esta occaisão ordenanças, que rasgavão as mais caras garantias da Charta, erá proclamar que ella sómente ligava os 16 subditos, e não o soberano, que por excesso de indulgencia, ou por necessidade, a outorgára a huma nação turbulenta, mas a podia supprimir ao seu bello prazer. A segurança do Estado pede hoje as ordenanças que mutilão a Charta. A manhãa esta mesma segurança requerera a total reassumicão da mesma Charta. Eis a França debaixo d՚hum poder discrecionario, mais absoluto do que huma autocratia asiatica.

Portanto os anti-liberaes tinhão puxado pela espada, e ferido o primeiro golpe. As ordenanças estavão promulgadas, e a força armada em pé para apoiar sua execução. A Guarda Réal, os Suissos, a Infanteria, a Cavallaria, a Artilleria, municiados e em campanha debaixo das ordens de Marmont, duas vezes traidor; a Policia, a Administração, o Clero, a Congregação, estavão em posição de prestar os seus auxilios.

Vejamos como o Povo Francez recebeo o attane.

Quando as ordenanças apparecerão inopinadamente em Paris, ainda ufano da tomada d՚Argel, este enthusiasmo mudou-se subitamente em huma profunda indignação. « Assim he que nos lograrão ! — Por isto fizerão a expedição d՚Argel? — Elles ião combater hum pequeno despota d՚Africa para importar na França o despotismo!—e cuidarão elles que haviamos de dar nossa liberdade em troca d՚alguma fumaça de gloria ? — Oh quanto se inganarão ! — Perdicão áquelle, que assome tão inexpiavel responsabilidade! » —A resistencia legal á arbitraridade esteve decidida em todo coração francez.

Huma ordenança do Prefeito da Policia, Mangin, véió corroborar as trez reaes impondo aos Redactores dos jornaes a obrigação de se sujeitar á censura sob as penas de apprehensão, e destruição dos materiaes. Estes, como primeiros attacados derão o exemplo. Os editores responsaveis do National, Globe, Courier des Electeurs, Courier, Tribune des Départemens, Constitutionnel, Temps, Courrier Français, Révolution, Journal des Débats, Figaro, Journal de Paris, Sylphe, fizerão hum nos abaixo assignado para publicar seus jornaes sem obedecer á ordenança, com huma Petição competente ao tribunal de primeira instancia, que teve despacho a favor assignado pelo Presidente Debelleyme: entretanto fechavão-se caffés, e cabinetes de Leitura. No dia 26 ás oito horas da manhãa le Palais Royal, centro do Commercio e concurrencia em Paris, foi fechado. A Tropa occupava com peças todos os largos, que podião dar lugar ás reuniões de Povo. Da mesma forma os lojistas conservavão as lojas meio-cerradas. Os Gendarmas e policia cercavão as imprensas dos jornaes refractarios.

O Povo corre as ruas espantado, e carrancudo como em dias de calamidade publica. Os poucos jornaes que escaparão da vigilancia da Policia, distribuidos gratis, são devorados. Grupos ameaçadores vagão atoa, e lutão contra aquelles que os querião dissipar. Muitos Cidadoes, e entre elles mulheres, são mortos, e pisados aos pés dos Cavalos. Do outro lado trez Gendarmas perecem : entretanto os Deputados, actualmente em Paris se reunem, primeiro em casa de Mr. Dupim, que se nega á tamanha honra, e depois em casa de Mr. A. Delaborde que improvisa na sua casa huma salla de Deputados, deitando abaixo todas as Repartições. Elles declarão se deve resistir a força com a força, e despachão ordenanças para chamar ao posto da honra, e do perigo os que faltão. O Hôtel de Polignac insultado pela plebe he guardado; bem como o Hotel do Ministro das Finanças, cujas vidraças são apedrejadas. O Rei está nas Tulherias. Huma representação de Pares, e outra de Deputados, pedindo 40 das ordenanças he lhe appresentada, e elle a regeita. A Praça do Carousel he occupada na tarde por lanceiros, cavallaria pesada, artilheria, e tropa. O trovão do exercicio da artilheria em Vincennes annuncia que centenas de peças estão prontas a fulminar contra a Capital; nem isto, nem o aspecto da formidavel posição de Montmartre, nem a presença de hum exercito nas entranhas da Cidade valerão para intimidar hum povo digno de ser livre, e resolvido no seu desespero à antepor a morte á escravidão. O Rei no dia 27 retirou-se para Saint-Cloud os Ministros ficarão nas Tulherias. Alias no meio de tanta agitação, o verdadeiro combate não principiou se não as 4 horasda tar de. A tropa atacou o povo na Rua St.-honoré; este resistio; mas à pesar dos seus mais extremosos esforços; foi rechaçado sobre todos os pontos, se ben que não deixou de continuar a acção durante toda a noute por tiroteios, e escaramuchas, obrigando por fim as tropas à evacuar as Ruas, e à se concentrar na Praça Vendome, e Tulherias : he verdade que Paris tinha sómente 4 ou 5,000 homens armados d՚espingardas, e bayonettas. A guarnição contava 12,000 homens de guarda real, e Suisos, e 4 Regimentos, hoje reunidos a causa da Patria; e estes 18,000 homens erão apoiados por huma artilheria formidavel.

Na quinta feira 18 Paris foi declarado em estado de cerco, á saber que não havia de reconhecer outra anthoridade senão a do Commandante militar Duque de Ragusa: este tomou a offensiva desembocando pessoalmente com huma columna de seis mil homens na rua Montmartre; outros choques tiverão lugar ao Hotel de Ville, Porta Saint-Denis rua Saint Mederic e Boulevards. As duas horas da tarde o Dnque levou soccorros frescos ao 5 Regimento de linha que occupava a praça des victoires, e com esta força marchou para a rua Montmartre, que varreo com assáz facilidade, porém chegando á rua Jodelet, a espingardaria de todos os andares das casas o obrigarão á retirada: no decurso do dia muitas posições, e edificios publicos forão tomados, e retomados, até que finalmente ficarão em poder do povo. Na tarde do mesmo dia as barricadas das ruas forão levantadas com incrivel actividade, as ruas descalçadas, as arvores do Boule vards serradas, e entrelaçadas na passagem; as pedras das ruas erão carregadas nos andares das casas para projectilos, ou amontaodas como intrincheiramentos, para os quaes servirão igualmente tudo quanto se achou á mão de seges, carrossas, carros, carruagens publicas ou de luxo, andaimes, taboados, moveis os mais custosos que as mesmas mulheres, e crianças atiravão a rua para este fim: por accrescimo de precanção quebrarão-se todos os lampiões da illuminação das ruas, e os Telegraphos; arrombarão-se as portas dos armeiros, e espingardeiros, para se apossar das armas que alli existião, o mesmo se fez nos Theatros, não havendo outro qualquer insulto, ou desordem de qualidade alguma.

Durante este dia os Tribunaes, Casa de commercio, Banco, e outros estabelecimentos publicos ficarão fechados. Grande numero d՚editaes, e proclamações patrioticos forão pregados ou distribuidos; a bandeira preta foi levantada encima da Porta Saint-Denis, e noutros lugares, porém logo depois foi rendida pela bandeira tricolor, a da liberdade, da victoria, da Franca; esta primeiro tremulou no tope da Igreja de Saint-Sulpice e successivamente no rume das torres da Sé, e de quantos edificios estavão na mão dos nacionaes.

A meia noute o combate parou, retirando-se o povo exhausto por horas de Inta, contra hum exercito disciplinado, valente, completamente municiado, quando todas estas vantagens lhe faltavão. Entretanto os sinos que tocavão a rebate, e o incessante grito às armas, conservavão ambos os partidos alerta. As tres, e meia da madrugada o povo pegou outra vez em armas. A tropa real já se achava encostada ao Louvre, e Tulharias, e o attaque foi dirigido contrà a posição central do enemigo. Os Suissos postados no Louvre, onvindo a bulha que fazia o povo para levantar huma trincheira na esquina da rua das Poulies com o entuito de fechar as sahilas do Louvre, abrem hum fogo vivissimo que não ressou até a final tomada da posição. A pesar d՚este fogo a obra continua. Os que cahem animão os companheiros, e as ultimas exclamações dos que expirarão são: Vive la nation !— vive la Charte! — em avant!!! —

Com effeito por toda parle a acção fervia. As dez horas da manhãa, os cidadões dos suburbios, St.-Jacques, St.-Germain, Odéon, marchão para o combate formando huma masse de 5 ou 6,000 homems. Coube-lhes combater dois regimentos da gnarda postados no patio do Louvre, e jardim dos Infantes, e tres destacamentos de Lançeiros, Coraceiros, e Granadeiros a pé, com huma reserva d՚artilleria.

Naquelle momento á força dos Parisienses achava-se muito superior do que fora nos dias antecedentes, se bem que nunca passou de 18,000 homems realmente aviados para combater, numero a penas igoal ao do inimigo, que tinha a vantagem de ser composto das trez armas. Mas a resolução suppria para tudo. Aliás estas massas já tinhão xefes experimentados, que surgião d՚entre os antigos guerreiros de Napoleão, ou mesmo que o amor da patria improvisára. O general Dubourg commandava por huma parte. O general Gerard fazendo as vezes de Deputado, e de General corria aonde havia maior perigo. Casimir Perrier não se poupava e ficou ferido. Lanjuinais com a farda de Par de França, via-se dando tiros. Guardas-Nacionaes com o uniforme antigo apparecião cá, e lá. Mulheres, crianças, donzellas erão vistas á frente das fileiras. Os alumnos des cursos juridicos e de medecina combattião em chusmas, e ultimamente os discipulos da escola Polytechtnica, tendo arrombado as portas do collegio em que os conservavão presos, voão para a batalha, tomão por ascendencia de saber, e energia a direcção, e estes jovems, a penás sabidos da infancia, dão exemplos d՚habilidade, valor, sangue frio, e humanidade, acima de todo premio, e de todo louvor.

Entretanto os Deputados que já passavão de cincoenta, reunidos no Hôtel-de-Ville, assumião a suprema authoridade; nomeiavão huma Camara central, davão providencias para que se preparassem rações para os bravos que se dedicavão a Patria, elegião Lafayette por commandante da guarda nacional, e tratavão de declarar o throno vago, e de arvorar o Duque d՚Orléans em lugar-tenente do Reino.

Devemos observar a qui que por excesso de moderação, fez se hum ultimo esforço de conciliação. Casimir Perrier, Gerard, Lobau, Lafitte, et Mauguin, forão como parlamentarios, a travez a espingardaria, ter às Tulharias com o Duque de Ragusa, offerecendo pacificar ainda a Nação, se o Rey quizesse revogar as ordenanças, e demittir o Ministerio. Marmont foi no interior consultar Polignac, e voltou logo com resposta negativa, « portanto temos a guerra civil » exclamou Lafitte: O Marechal os despedio com hum cortejo d՚assentimento.

Com effeito a guerra civil ardia. O furor dos dois partidos ia cada vez à mais. Mas a energia dos cidadões decidió rapidamente a questão. Já ao meio dia o quartel do Louvre, attacado da banda da Rua St-Honoré cahe, depois de milagres de valor, em poder do Povo. Já a guarda réal se retira para o Carousel. No meio do fogo, e por hum attaque à bayounetta ultimo esforço da ousadia, a grade de ferro do Carousel ficou arrombada: o Povo se precipita sobre a Tropa que se concentra no mesmo Palacio das Tulherias. por toda parte a Bandeira tricolor emporre tudo quanto lhe faz frente. Os cidadões entrão misturadamente com a guarda no Paço, e obrigados a o evacuar huma primeira vez, o levão por hum ultimo arranco; e finalmente os Suissos intrincheirados nas ruas St-Honoré e Richelieu, e no Palais Royal, depois de renhida resistencia, expulsos desapparecem. As duas horas da tarde o resto do exercito réal effeituava a retirada sobre Saint-Cloud pela estrada de Neuilly.

A Victoria estava ganha, e Paris salvo. Então a scena muda como por encanto. Tudo, havia hum momento, erá convulsão social, horror, exterminio; indo agorá virou em exultações de gloria, patriotismo, satisfação. No momento em que cessou a resistencia, a mortandade parou. Os Prisioneiros de guerra, os soldados extenuados por fome, e cançaço, que desertão em chusmas para seus patricios, são recebidos como irmãos. Os feridos d՚ambos os partidos são curados com Carinho, e Melindre. Não houve senal de saque. As magnificencias da morada dos Reys, os thesouros, as joyas, que andão aos ponta-pès, não tentão hum instante homems da plebe em trapos, cujas familias soffrem todo genero de privações. Tal foi a força do enthusiasmo que enleva tantas almas, que nenhum excesso maculará o acto sublimo, que salva a patria.

Alias não nos foi possivel neste rapida quadro, narrar tantos actos particulares de valor, devoção, e mesmo de jocosidade Franceza, que realzão a gloria dos trez dias. Guardamolos para o nosso seguinte numero. Devemos somente dizer que a sabedoria tomou por sua conta, formar aquillo que o heroismo crecutára.

« A Charta! A Charta! tinha sido a o grito durante o combate. Sua completa restauração, e execução tornou se o objecto dos primeiros cuidados. O Povo tinha debellado o poder. A ordem social erá sua conquista. Elle podia obrar é sua vontade mas por bom senso, não quiz usar da victoria: senão para consolidar o systema existente de monarquia constitucional. As vãas theorias forão postas de parte. Considerou se como existente, e obrigatorio tudo aquillo que na Charta não tinha sido hostil contrá a nação. Os Deputados eleitos em conformidade da Ley, e que merecerão bem da Patria, forão pois considerados como revestidos de toda a Authoridade necessaria para reger provisoriamente a nação, e determinar as alterações indispensaveis ao pacto nacional. O cunho da legitimidade foi dado ás medidas desta Camara pelo consentimento tacito do Povo, cuja docilidade não erá então menos admiravel, do que o seu heroïsmo duranto os trez dias de milagre.

Paris triumphante na lutta tinha salvado a Nação; mas se tivesse succumbido, a Nação em massa o teria resgatado, pois que o movimento Nacional se tinha propagado até as extremidades do reino com a rapidez de huma commoção electrica. Por toda parte apenas as ordenanças chegavão, a resolução de resistir surgia d՚entre as ejulações de indignação, e vivas á Charta. Por toda a parta o povo pegava em armas, improvisava as guardas Nacionaes, afugentava as authoridades fautoras da tyrannia, desarmava os corpos de linha, e se preparava a marchar ao soccorro da Capital: a bandeira tricolor ia apparecendo progressivamente no tope dos campanarios com a celeridade de hum sinal Telegraphico.

Esta unanimidade baldou as ultimas esperanças de Carlos X que evacuara Sant-Cloud obrigada pelas populações vezinhas, auxiliadas por hum soccorro sahido de Paris, sob o commando de trez Polytechnicos, e se tinha retirado à Rambouillet, com algumas commixões de Guerra civil, e de ressucitar a Vendea em nome do néto, Duque de Bordeaus, á favor do qual tanto elle, como o Duque d՚Angoulême seu filho, tinhão abdicado. Mas a noticia que 60,000 homens, organisados em Paris, ião marchar contra Rambouillet, que a Vendea não se mexia, e a dispersão do seu exercito forçaram no a se sujeitar ao seu destino, e a pedir á Camara lhe desse huma resalva com commissarios para proteger sua ida ao mais proximo Porto de embarque.

A Camara, á datar do dia 30 não tinha perdido hum minuto, para organisar a revolução. Tudo marchava como em plena paz. Desde o dia 31 o Duque D՚orleans nomeado lugar tenente, dirigira a Nação huma proclamação cheia de sentimentos liberaes, e convocára as Camaras em conformidade da charta, para o dia 3 de Agosto. Elle abrio a Sessão por huma falla em harmonia com todos os sentimentos Nacionaes. Immediatamente, as sessões tanto da Camara dos Deputados, como da dos Pares, que adherião á nova ordem de cousas, tratarão das reformas que o pacto social necessitava, com a mesma moderação, e sabedoria que presidirão á toda esta pasmosa regeneração. Não se mudou na charta se não aquillo que proporcionava ao governo os meios de a violar, sem alterar as prerogativas necessarias á sua dignidade, authoridade, e mantença.

Entretanto, o throno, tropheo da Nação, ficava vago; tudo estava ainda duvidoso. O enthusiasmo podia passar as metas; já se tinhão ouvido vivas a Republica: e o partido vencido, Protheo, politico, usava da moderação dos vencedores, e da liberdade illimitada das Imprensa, para espalhar receios, e alimentar os desejos de huma liberdade ampla de mais para que a anarquia não viesse rapidamente a pôz ella. Era pois urgente cortar pela raiz estas esperanças exageradas, ou malvadas. « Mas o throno, penhor de segurança, e unidade, não será jámais considerado como herança divina que põe seu possuidor acima de quanto contracto pode outorgar ao povo. — Somos nós que havemos de outorgar a charta dos nossos direitos, ao Rei que escolheremos para nos governar em virtude d՚ella! »

Isto convencionado, restava eleger para Rei o mais digno. O Duque d՚Orleans, por sua Dignidade, e conducta immaculada, em todas as, fortunas, que combattéra com valor sob a bandeira tricolor, e jamais entrou nos conloios da tyrannia, reunió os votos, e tendo aceito as condições resolvidas, e jurado a Charta dada pelo Povo, foi acclamado Rei dos Francezes, e sua instalação no seio da Representação nacional, em o dia 10 de Agosto, findou a obra da regeneração, e completou dignamente o facto maravilhoso que no espaço de 15 dias, restituio á França sua liberdade, á raca humana sua dignidade, deu aos Povos hum exemplo que surtirá seus effeitos, confirmou á Nação que o perpetrou o titulo de grande, com que Napoleão a saudára, e será havido pela mais remota posteridade como hum acto , que não homens, sim entes de essencia superior , sómente podião executar.

 

 

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