FRONTISPICIO


Qui peut dire les rêves du poète avant qu'il se soit refroidi à nous les raconter?

G. Sand.

There is something wich I dread
It is a dark, a fearful thing
……………
……………
That thought comes o'er me in the hour
Of grief, of sikness, of sadness
'Tis not the dread of deathl 'tis more.
— It is the dread of madness.
Lucretia Davidson



Foi poeta: cantou, e o estro em fogo
Crestou-lhe o peito, devorou seus dias
E a febre ardente desbotou-lhe a fronte
Em dores sós, em delirar insano.

Foi poeta : cantou, sonhou : a vida
Canto e sonhos lhe foi. Amor e gloria
Com azas brancas viu sorrindo em vôos.
Foi-lhe vida sonhar: e ardentes sonhos
A fronte lhe accenderão, lhe estrellarão
Mágico da existencia o firmamento.

Cantou, sonhou — amou : cantos e sonhos
Em amor converteu-os. De joelhos
Em fundo enlevo elle esperou baixasse
Alguma luz do céo, que amor dicesse —

Anjo ou mulher! embora que elle a amara
Co'fogo queimador que o consumia
Com o amor de poeta que o matava!
Anjo ou mulher — embora! e em longas preces
Noite e dia o esperou — Misero! embalde.

Sonhou — amou — cantou: em loucos versos
Evaporou a vida absorta em sonhos —
E debalde! ninguém chorou-lhe os prantos
Que sobre as mortas illusões já findas
Pallido derramára —
          Amou ! E um peito

Junto ao seu não ouviu bater consoante
C'os amores do seu ! Ninguém amou-o
E nem as magoas lhe affogou num beijo ! —

E morreu sem amor ! Bateu-lhe embalde
O pobre coração em loucas ancias.
Passou ignoto, solitario e triste
Entre os anjos do amor, só viu-lhes rizos
Em braços d'outros — e invejosa magoa
Essa alheia ventura só lhe trouxe.
Nunca a mão delle de uma fronte branca


A alva coroa fez cahir da virgem —
Jovem, solteiro, sem consórcio d'alma
Entre as rozas da vida — mas nenhuma
Nem deu-lhe um rizo — nem do moço pallido
No imo d'alma guardou uma saudade!

Mas se á terra saudades não deixara
Não levou-as também — do peito o orgulho
Que ninguém quiz amar, ninguém amou.
— Foi-lhe chimera o amor, não mais lembrou-o,
Tentou-o ao menos. — E que importa um morto ? —
Doido é quem geme em lagrimar estéril —
Quando o luto findou e alegre o baile
Corre entre flores no valsar, quem lembra
O defunto que é podre no jazigo ?...
— Morrera-lhe o sonhar — porque choral-o ?

E morreu sem amor ! E elle comtudo
Tinha no peito tanto amor e vida !
Alma de sonhos, tão ardentes, cheia !
E anhellante do amor do peito — em outro
Em horas ternas effundir em beijos !

E ás vezes quando a fronte pela febre
Pezada e quente sobre as mãos firmava,
Quando esse delirar febril da insomnia
Em vertigens travava de sua alma,
Um negro pensamento lhe passava

Como um fuzil no cérebro fervente.
E pensava dos loucos no delírio,
Na escura treva da vertigem tonta;
Temia — a morte não — mais — a loucura.

Oh ! livra-se o Senhor que apoz das magoas
Que o seio lhe hão crestado em agonias
D a doudice viesse a nevoa escura
Mergulhar-lhe o espirito ! —

          Antes, antes
D a agonia mortal o torpor gélido !
Antes a morte fria — o cemitério
E r m o e isolado, com seu chão de lousas,
Antes o somno do humido jazigo...
……………
Meu Deus ! e apoz de tanto sofifrimento,
De tantas baldas lagrimas vertidas,
D e tanto fel bebido em taça amarga,
D e plebe estulta no hospital ser inda
Triste ludibrio de insolente escarneo !

Foi poeta — cantou — sonhou. — Mas hoje
Era-lhe morta a inspiração no peito,
Fugira a poesia, a insomnia sua
Secca das lagrimas a esponja nelle. —

II

O poeta enlouqueceu — A alma sublime
Perdera o sizo — Como uma águia em trevas

— Tropeçava e cahia — Pobre moço !
Foi-lhe palácio o hospital, a esse
Cuja fronte era um throno á poesia !

III

Eil-o nas palhas do seu duro leito,
Livido e frio co'um sorrjzo idiota
A arregaçar-lhe o resequido lábio,
Desvairado o olhar — de olheiras roxas —
Com empanada luz no fundo escuro,
E entre o sorrir dos lábios lhe parava
Nas seccas faces derradeira lagrima.

Hirsutas as melenas, negras, ásperas
Cahião-lhe na fronte. — O movimento
Abrira-lhe a camisa. Ao magro peito
Os ossos se contavão a mostrarem
Dos cáusticos ainda as queimaduras.

Velava um guarda junto delle como
De brava fera na gaiola aos pulos
A rugir, movimentos se vigiam.

IV

Extenuado das lutas arquejava
Esse fantasma de homem sobre o leito.
Súbito estremeceu, ficou mais alvo
Inteiriçado se estendeu convulso.

Mas breve foi-lhe a convulsão; quebrado
Um afnicto soluço na garganta
Lhe rouquejou — o derradeiro — e o frio
Da noite extrema endureceu-lhe os membros.

V

Veio depois da caridosa casa
Algum homem talvez — Pol'o nos hombros
E em mal cavada cova donde os ossos,
Desenterrados do primeiro dono
Desse leito de lodo o chão juncavão,
Atirarão-lhe o corpo brutalmente,
Das cavernas do peito lhe estallando
Os calcinados ossos — uns punhados
D e terra apodrecida — obra mui pia,
Lar de misericórdia certo é esse
Onde tal se pratica. — A eterna benção
D e inteiras gerações no andar dos séculos
Desça sobre esses bemfazejos tectos!...

VI

Por sobre as palhas do colchão do louco
Achou-se um livro. — Mal escriptas lettras,
Ninguém soube entender — Então eu vi-o,
Levado apenas de curioso instincto
Livrei-o á destruição. — Chegando á casa
Abri-o e puz-me a decifrar-lhe o escripto.

———————

Era um grosso caderno. As toscas linhas
Erão versos. — Nem titulo escrevera
Na frente ao livro seu cantor ignoto. —
Nem seu nome sequer ! — Muita leitura
Mostravão nodoas que imprimirão nelle
As mãos sujas do louco. — A lettra ás vezes
Embranquecida descorarão gottas
De copiosas lagrimas. O morto
Talvez gravasse ahi idéas caras
Do passado da vida ! Fosse embora
Qual a razão — as lagrimas cahidas
Nas folhas do papel vi-as no livro.

VII

Foi-me insana tarefa o decifral-as
As mal escriptas linhas. — Parecia
Que se esmerara por fazer difficil
Sua leitura o author. — Algumas vezes
Substitui versos meus a linhas delle
Que eu não soubera traduzir. — Comtudo,
Por querel-o não fiz — e a muitas outras
Embora achasse mal torneado o verso
E solto o estylo em liberdade extrema,
Não quiz levar-lhes minha mão profana
Dos sonhos delle ás expressões selvagens
De inspiração febril. Puz-lhe igual titulo —
Do Conde Lopo o nome : o heróe do canto
O confessava o trovador anonymo.

VIII

Não maldigão o fel dos cantos delle !
Foi um Tasso sem risos de Leonora !
E pois descreu — e pois maldisse tudo
No catre do hospital, na luz escassa —
A vida e os sonhos e esperanças bellas !

Co'a negra dôr sympathisei do louco,
Com seu cantar de coração dorido,
E amei-lhe essa altivez d'alma quebrada
Que lhe resumbra no poetar amargo.

PRIMEIRA PAGINA

Mes vers sont le tombeau tout brodé de sculptures,
Ils cachent un cadavre sons leurs fioritures,
Ils pleurent bien souvent en paraissant chanter.
Theoph. Gauthier.

I

Do campo santo onde o lethargo dormem
Fundo e sem fim os que viventes forão,
No silencio das sombras — estendida
Jaz muita lousa ennegrecida e humida,
Por cujas, fisgas escorrega o musgo
          E a cicuta das ruinas.

II

O peregrino vagador dos ermos,
Entre essas todas nunca viste, mudo,
Sem lettra em cima, sem sequer madeiro

De simples cruz que te dissesse o dia
Em que a morte levou esse que hi dorme,
Coberta do hervaçal tosco lagedo ?

III

Repousa aqui muita illusão desfeita,
Muita áurea nuvem arrarada em chuva
E muita flor pulverisada em cinza.
Como outros d'homens são — de sonhos d'alma
De lembranças da vida, é este um túmulo.

IV

E como a lage que a indiscretas vistas
Guarda o segredo seu em tréva espessa,
Que não ha vel-o — Como as pedras negras
Onde calou seu erguedor um nome
P'ra que o mysterio seu não venhão lel-o
Na pagina de pedra do sepulcro,
Quando na solidão das horas mortas
Virem-n'o erguer-se desse chão hervoso
Com olhos cegos do inundar das lagrimas;
Assim meu livro deixal-o-hei sem firma.
Leião-n'o embora curiosas vistas
Que estudão o sofirer com almas frias !
Vejão a autópsia d'agonia funda
Que o peito me lavrou. — Emquanto ao nome
Do padecente, para que sabel-o ?

V

E só eu poderei nas ermas horas
Molhar-lhe em pranto as paginas — bem como
Ao cadáver que róe a cal no fosso
O único sabedor da historia delle.

A

……………

D.

O A.