Índice: A B C D E F G H I J K L M N O P Q R S T U V W X Y Z

VOCABULARIO


No presente Vocabulario collijo apenas vocabulos das seguintes especies:

1) aquelles que estão hoje completamente fóra de uso, por ex.: guarnimento;

2) aquelles que, com quanto não estejam totalmente fóra de uso, tem porém uso restricto, por ex.: talante;

3) aquelles que são fórmas archaicas de vocabulos ainda vivos, por ex.: coobra;

4) aquelles que tem alguma significação ou emprêgo syntactico, diversos dos da actualidade, por ex.: curar;

5) aquelles que apresentam particularidades orthographicas que possam induzir em êrro de pronúncia, por ex.: reignar.

Pois que o meu intuito não e só tornar intelligivel de todos os leitores o texto das fabulas, mas tambem contribuir para o vocabulario geral da lingoa portuguesa com alguns elementos, não hesitei em juntar frequentemente aos vocabulos notas lexicaes e etymologicas.

Os algarismos romanos referem-se aos numeros que tem as fabulas; os algarismos arabicos ás linhas de cada fabula, posto que estas não estejam numeradas no texto[1] (não os faço referir ás linhas de cada pagina, para facilitar a separata que tiro d’este artigo, pois que ella ha de levar paginação nova).

Como, por um lado, a orthographia do texto é bastante variavel, pois ahi se lê, por ex. hestoria e estoria, se e sse, llobo e lobo, comta e conta, ssiluado e syluado; e, por outro lado, não havia vantagem em conservar na ordem alphabetica estes archaismos orthographicos, que não revelam differença de pronúncias, e são só para os olhos: uniformizo a orthographia dos vocabulos segundo as regras usuaes, e indico entre parenthesis, adeante dos respectivos numeros, a orthographia originaria.

 

A

 

aa, asa: XXIII, 30. Alterna com ala. Os aa são etymologicos: lat. ala.

aar, ar: III, 15; XIV, 2 (haar), 5. — 0s aa poderão ser etymologicos: lat. aere.

aaz, Vid. az.

aazo, occasião, causa: XLVIII, 4. Os aa podem ser etymologicos. A respeito do etymo vid. Körting, Lat.-rom. Wb., 2.ª ed., § 164.

abanador, abano para enxotar as moscas: XXIII, 31.

abastar, bastar, ser sufficiente: LXIII, 9.

abolver, revolver a agoa para a turvar: II, 8.

abúter, f., abutre: VI, 8. — A abúter corresponde abútere (pl. abúteres) nas Decadas de Barros: vid. Dicc. da Ling. Port., publicado pela Academia das Sciencias. Comquanto abutre, nas suas differentes fórmas (abútere, abuitre, etc.), seja masculino nos AA. classicos, aqui é feminino: cfr. abestruz ou avestruz, que é tambem masculino e feminino (por influencia de ave). O facto nada tem estranho, se nos lembrarmos que em latim ha varios nomes de animaes que estão nas mesmas circunstancias, como, para só citar nomes de aves: accipiter, anser, perdix , phoenix, turtur: vid. Neue, Formenlehre der Lateinischen Sprache, I (1877), 612, 613, 615, 617. Para a adopção do genero feminino podia concorrer o cuidarem muitos autores antigos «que estas aves todas são femeas, e que sem commercio masculino concebem unicamente do vento», como diz o P.e Manoel Consciencia, Academia Universal, Lisboa 1732, p. 133. — A par de abuitre, com as suas variantes, havia tambem em port. arc. avuitor, no Canc. da Vatic., n.º 321 (avuytor).

aceiro, aço: XXXVII, 3 (aceyro).

acerca, perto (adverbio): LIV, 2 (açerqua). Esta accepção adverbial está hoje antiquada.

achegar, aproximar: XL, 10; L, 8; LXI, 40.

acó, cá: LV, 5 (aquo).

acostar, encostar, chegar: XXVIII, 13.

adormentar, adormecer: XXXIV, 19.

adubar, arranjar, tratar: XI, 9 (em sentido ironico).

afaago, afago: XLV, 21 (afaaguo). Os aa são etymologicos: cfr. hesp. ant. afalagar, mod. halagar. Origem germanica.[2]

aficadamente, com afinco, encarecidamente: VIII 5.

afremosentar, aformosear: XX, 7, 14.

aginha, de pressa: XLIII, 3 (agynha). Alterna com asinha.

al: III, 20 (all), na phrase: «all dizem com as lingoas e all teem nos seus corações» = uma cousa .. outra cousa.

ala, asa: XXIII, 17 (alla). Alterna com aa. Latinismo.

alá, lá: XXXVIII, 14 (alla).

alcaide: XXXIV, 11 (alcayde). Nas instituições medievaes era o governador de um castello ou provincia. A definição ajuda a expressão que se lê na l. 36: «nem percades por ende a terra». Cfr. A. Herculano, Hist. de Portugal, IV (I.ª ed.), 134-135.

aldea, aldeia: XII, 2, 3.

alegaçom, allegação: LX, 9.

alevantar, levantar: XXI, 9 («nos nom aleuantemos»). Alterna na mesma fabula, 12, com levantar («nom sse podem leuamtar).

algo, bem: VIII, 7. Propriamente algo é o lat. aliquod, mas no nosso texto tem a significação que indíco, i. é: o lobo faria muito bem á grua, dar-lhe-hia muito dinheiro, ou outra cousa de valor. Algo «equivale a alguma cousa, fazenda, bens»: Dicc. da Ling. Port. de Moraes; receber algo, ib. Em gallego ant. «et que gannaua grand’ algo»: Cantigas de Affonso o Sabio, II, 296. Hesp. ant.: «partir sus algos» = sua fazenda: Dicc. da Acad. Hesp. — Cfr. fidalgo = filho d’algo.[3]

algũa, alguma: passim.

algũu, algum: XI, 3. Os uu são etymologicos: vid. s. v. ũu.

alheo, alheio: V, 11: XL, 29.

alimalia, animalia: XVI, 9; XLVI, 12. No primeiro passo alterna com animalia. A fórma antiga mais usual é esta ultima e alimaria, por ex.: no Leal Couselheiro[4] e noutos textos.

alimpar, limpar: XXIII, 10.

amaestramento, ensino, doutrinamento: XLI, 25. Cfr. o voc. seguinte. Alterna com ameestramento.

amaestrar, ensinar, doutrinar: XXXII, 30; XL, 27. Alterna com ameestrar, amoestar e amostrar.

amar, desejar: LV, 10, na phrase «eu amo mays». Cfr. fr. j’aime mieuz.

ameaçar (intransitivamente), fazer ameaça: XI, 5.

ameestramento, ensino, educação: LX, 18. Alterna com amaestramento. Cfr. amostramento.

ameestrar, ensinar, educar, doutrinar: XIV, 10; LV, 18. Cfr. amaestrar, amoestrar’ e amostrar.

amoestar, admoestar, avisar, ensinar, exhortar: prol., 15; XIX, 19; XXII, 9. Cfr. amaestrar, ameestrar, amostrar.

amorío, cordialidade: LXIII, 5.

amostramento, ensino, exhortação: XLII, 17. Cfr. ameestramento e amaestramento. Tambem em hesp.: amostramiento.

amostrar, ensinar, avisar, mostrar: XXXIII, 12; XXXVIII, 1; XXXIX, 1; XXXV, 12; XXXVI, 12. Cfr. amoestar, ameestrar e amaestrar. Em hesp. arc. amostrar no sentido de «instruir ó enseñar»; vid. Dicc. da Acad. Hesp. No Poema de Fernan Gonzalez, ed. de Marden, Baltimore 1904, vem demonstrar na mesma accepção, estr. 2. — Nas fabulas de Marie de France encontra-se tambem o correspondente vocabulo mustrer, em correlação com essample «exemplo», como nas nossas, mas significa «mostrar», «contar»: «e por essample li mustra», prol.; «cest essample vus vueil mustrer», IV, 15[5].

andar, ir: XII, 2 (amdar); XXVI, 1 (id.); XXVII, 1 (id.), 11 (id.); XXIX, 2, 3. O quarto passo é: «amdava a caçar das alimarias aa ssilua = ia ao bosque caçar; cfr. no Leal Conselheiro, cap. VI, p. 47: «se me vem hũa voomtade de hir a monte ou caça», onde hir a monte, que significa «ir á caça grossa», representa a fórma primitiva da expressão. Em ital. andare significa «ir»; o Dicc. da Acad. Hesp. traz tambem andar = «ir», em accepção familiar.

anojar, enfadar, molestar: XXIII, 19.

ante. Emprega-se: 1) como preposição, e significa — perante, deante de: XLV, 16 (amte); 2) como adverbio, e significa — anteriormente: LI, 10 «comcorda com as outra duas amte dictas»[6], e — pelo contrário: LXII, 7 (mas amte); 3) fazendo parte de uma locução conjunccional, ante que — antes que: XLVIII, 13 (amte que).

antre, entre: IV, 1 (amtre); XVI, 4 (id.); XXX, 2.

apostar, concertar, compôr, dispôr: XLVI, 18. — Em hesp. arc. apostar «componer», «ataviar» etc.: vid. Dicc da Acad. Hesp. — Deriv. do lat. positus[7].

aquel, aquelle: XXXI, 9 (aquell); XXXII, 25 (id.); XXXIV, 11 (id.).

aquello, aquillo: IV, 5 (aquelo); XVI, 17.

aqueentar, aquentar, aquecer: X, 8. Os ee são etymologicos: arc. acaentar. Deriv. do lat. ca(l)ere.

, aquesteaquesta, aqueste, esta, este: passim. Alternam com esta e este, sem differença de significação, como se vê d’estes exemplos: «Aqueste Esopo», prol. 6; «Este Exopo em aqueste sseu liuro», prol. 9; «E assemelha este sseu ljuro, prol 13. Na moralidade das fabulas lê-se a cada passo: «Per aquesta hestoria», «Per esta estoria», «Em aquesta hestoria», «Em esta hestoria». O emprêgo de uma ou de outra d’estas fórmas dependia provavelmente do gôsto do escriptor, que assim variava o estilo.

aquesto, isto: XLIX, 8.

ardimento, atrevimento, ousadia, audacia: XXIX, 15. Cfr. ardir.

ardir, atrevimento, ousadia, audacia: XXIX, 9. Cfr. ardimento. A palavra ardir creio que não foi ainda registada nos nossos diccionarios; pelo menos não vem no Elucidario, nem nos Diccionarios da Academia, de Moraes, do Caturra, de Cortesão. Propriamente ardir é verbo, mas está aqui em accepção de substantivo (verbo substantivado). — Cfr. fr. ant. hardir e mod. enhardir; ital. ardire. De origem germanica: cfr. got. hardus «rude», «aspero»; all. hart «duro», «forte».

Arguo, Argo: XLIV, 15 (Arguu), 17 (id.), 29 (id.). — Vid. a annotação que adeante farei a esta fabula.

armuzello, armadilha de apanhar peixes, ou mais provavelmente «anzol»: XXXIV, 47, 48. O segundo passo diz: «o pescador pesca os peixes com o armuzello»[8].[9]

arrefẽes, refens: XXXVIII, 10, 11.

arrepeender, arrepender: XLVII, 12, 13, 14. Alterna, ib., 15, com rrepemder («e rrepemdermo-nos»). — Os dois ee são etymologicos: lat repenitere = *re-peneter(e). (Em rrepemdermo-nos escreveu-se só um e, talvez porque rrepem || está em fim de linha no ms.).

arriba de, (= a riba de), acêrca de: III, 2; X, 2. — Tambem podia transcrever-se a rriba de.

arroido, ruído, sussurro: LVII, 3 (arroydo); briga: XIV, 13 (id.); XXIII, 40.

arteficioso, artificioso, feito com arte, distincto: I, 7.

arvor, arvore: XIII, 4, 9; XV, 1.

asconder, esconder: prol. 18 (ascomdido); XLIV, 6 (ascomder); LII, 6 (id.). Alterna com esconder no prol. 19, e em XLIV, 9.

asinha, de pressa: XV, 10. — Vid. aginha.

asseentar, sentar: XIX, 3, 12. — Os ee são etymologicos: lat. *as-se(d)entar(e).

assembrado, reunido: XXX, 12 (assenbradas).

assi, assim: prol. 18 (assy); III, 3 (id.); tão: XV, 6 (assy); XXXVII, 8 (id.).

assolver, absolver: LX, 9.

astroso, de mau agouro, mofino: XV, 11 (id.); XXII, 3.

atá que, até que: IX, 4 (ataa), 8 (id.); X, 11 (id.). — Os dois aa de ataa são orthographicos (para indicarem a aberto) e não etymologicos: arab hatta[10]; cf. hesp. arc. ata.

atanto (d’), tanto: XLI, 28. Cfr. d’atanto e atanto em D. Denis, Liederbuch, ed. de Lang, vv. 817 e 905.

atrevessar (se não ha êrro no ms.), atravessar: VIII, 3 (atreuessar). Alterna com trauessado, VIII, 12[11].

auga, agoa: X, 2; II, 6 (augua); XXIII, 6 (id.); LVII, 4 (id.). — Embora se escreva por vezes augua, soava auga, como o prova X, 2 (e é ainda hoje fórma popular); -gua é mera representação de -ga. Vid. adeante a secção da Orthographia, e o vocabulo seguinte.

augacento, aguacento, aguado: XIX, 4 (augaçemto). Vid. auga.

avangelho, evangelho: XLV, 37. Ainda hoje é fórma popular.

avantagem, vantagem: XLIII, 13.

avante (d’), perante: XXIV, 2 (dauamte); XXVIII, 5 (dauante).

aventura (per), por acaso: XXIII, 32 (auentura).

avemturança (bem), bem-estar, prosperidade: VII, 12 (auemturamça): XVI, 13 (auemturanças).

aver. Vid. haver.

aversidade, adversidade: LXI, 69 (auerssidades).

avir, advir, acontecer: XXXIV, 4 (aueo).

avondar, bastar; II, 10 (auonda). — No mesmo sentido se diz ainda hoje na Beira-Alta bondar.

az, ala, fileira: XXX, 4 (aazes), 5 (id.). — Em aazes os dois aa são meramente orthographicos, pois o etymo está no lat. acie-.

 

B

 

bibera, vibera: XXXVII, 1, 3, 4.

bogio, bugio: XXIV, 2, 3. Tambem ib., 7, se lê bugio, com u, como hoje se escreve.

boo, bõo, bom. Não ha duvida de que estas duas fórmas da mesma palavra alternam entre si. Os exs. de boo são muito numerosos

II, 28; XI, 2, 12; XIX, 23; XXIII, 30, 39; XXV, 16; XXVII, 27, 30; XXX, 18; XL, 3; XLVI, 5; L, 18; LVI, 11, 14; LXII, 20; e no plural (boos): XXVI, 20; XXVII, 27; XXXVI, 14; LXII, 20. Tal abundancia de exemplos mostra que em boo não falta til, e que pelo contrário essa fórma era viva, como hoje o é ainda no povo, simplificada em (Beira-Alta); em gallego mod. . Exemplos de bõo, escrito por vezes boom e bom: XXV, 2; IV, 20; VII, 21, 22; XIV, 4; XXVII, 26. Ha uma fabula, XXVII, em que, como se vê, concorrem boo (duas vezes), boos e bom; ha outra, XXV, em que concorrem bõo e boo. Os oo são etymologicos: lat. bo(n)u-. lat. *bono- = bonu-. O feminino é sempre boa, que corresponde a boo: II, 13; III, 18; XXVII, 30; no pl. (boas): XXVII, 29[12].

braadar, bradar: II, 9; XIII, 12; XVII, 11. Mas bradar: XVI, 8 (bradaua), sem ser em fim de linha; provavelmente escapou um a. — Exemplos de braadar empregado transitivamente: XLVI, 9 - 10 («braadar altas vozes»); LII, 8 («eu b[raa]darey[13] altas vozes»). — Em braadar os aa são etymologicos: cfr. hesp. baladrar, onde se mantem o -l- etymologico que desappareceu em português.

branchete, certo cãozinho: XVII, 1 (bramchete), 2 (id.), 8 (id.). — Esta palavra, que não encontro archivada ainda nos nossos lexicos, é sem duvida a mesma que a hespanhola blanchete, a que os diccionarios dão a significação de «perrillo ó gato blanquecinos»[14], «perro faldero»[15][16]. O ch mostra que ella veio do francês (blanchet) para as lingoas da Peninsula.

brasfamar, blasphemar: XXXIII, 10.

burgês, burgues: XXXVI, 1, 6, 7. — Como a palavra se repete tres vezes, é mais que provavel que não haja erro de g por gu, embora na fab. III, 8, esteja legemos = leguemos[17]; de facto o uso geral do ms. é representar por gu o g guttural. Com burgês cfr. burges em Viterbo, Elucidario, s. v., comquanto elle a par cite burgues[18]; e cfr. principalmente hesp. arc. burgés[19] e fr. burgeois. Deve entender-se que o burgés do Fabulario, a ser exacta a explicação que dou, vem directamemte de burgense-, como o hesp. e o fr., ao passo que a moderna fórma burguês deriva de burgo; tambem em hesp. mod. ha burgués, que, do mesmo modo, vem de burgo.

buscar: emprega-se intransitivamente em XXI, 3.

C

1. ca, porque: XX, 11; XLI, 9; etc. — Do lat. quia ou quā.

2. ca, do que: XVII, 17. — Do lat. qua(m).

cabrom, cabrão, bode: XXXII, 17. Na mesma fab., 2, emprega-se bode como synonymo. Alterna com cabram em LX, 2, 5, 10, a não haver, como parece que não ha (pois cabram repete-se tres vezes), erro de a por o.

cajom, occasião, causa: XXXIX, 11, 15. Em II, 24, buscar cajom (comtra rrazom) = buscar pretexto.

cam, cão: V, 11; XXXVI, 9. A pronúncia era certamente (no pl. cãaes: XXXIII, 6); cfr. gall. can (=cã), hesp. ant. can.

carniça, carne morta, em grande quantidade: VIII, 2.

çarrar, fechar[20]: LVIII, 2.

cárrega, carga: XLIII, 2 (carregua).

carretar, acarretar: XIII, 8; XXIX, 10. Comquanto nas phrases onde entra esta palavra as palavras antecedentes a ella terminem em a, não parece que carretar seja êrro por acarretar, pois Moraes cita tambem carretar. Cfr. o subst. vb. carrêto, que faz presuppor esse verbo.

caso (per), por acaso: XXXIV, 4.

castigamento, acto de castigar, correcção: XXXVI, 13. — Vid. castigar.

castigar, emendar, corrigir. — Vid. outros exs. classicos d’esta accepção em Moraes, Dicc. da Ling. Port. É a do lat. castigare, em phrases taes como castigare vitia.

celestrial, celestial: XL, 34 (celestriall).

cento, cem: «çento olhos» (bis), XLIV, 23; mas esta expressão alterna com «çem olhos», ib., 15. — a lingoa moderna cento emprega-se como substantivo, mas nos textos arcaicos, como aqui, cento póde empregar-se adjectivamente, como em latim, no sentido de «cem». Outros exs. dos seculos XIV e XV são: «cento annos» na Vida de Santa Maria Egipcia[21]; «Nosso Senhor outorga .. cento por hũu», no Leal Conselheiro[22].

certo, certamente: I, 7 (çerto). Adjectivo adverbial.

cervo, veado: XLIV, 1 (çeruo). — Que a palavra foi muito usada em port. arc. mostra-o ainda o onomastico moderno, que mantem como que estereotypadas muitas palavras antigas, neste caso Cerva, Cervo, Cervos, Cerveira.

chanto, pranto: XXXIV, 7.

cheo, cheio: LV, 6.

cobiiça, cobiça: V, 11 (cobijça). Os dois ii são etymologicos: *cupi(d)itia; cfr. prov. cobezeza. A nossa palavra tem aspecto semi-popular. Vid. infra cobiiçar.

cobiiçar, cobiçar: XV, 8 (cobijçar). — Vid. supra cobiiça.

collo, pescoço: VIII, 15. — A palavra hoje é pouco empregada neste sentido.

color, côr: X, 5. — A palavra apparece noutros textos antigos, por ex.: nos Ined. de Alcob., I, 234; no Leal Conselheiro, p. 264 (traducção de um Tratado de S. Thomás). A par de color encontra-se tambem na litteratura antiga frequentemente coor. Na Cronica Troiana (gallego do sec. XIV) ha igualmente color e coor. A fórma color é mero latinismo. Só coor é legitimamente popular (mod. côr), pois -L- latino syncopa-se.

como: quando, logo que: XXVII, 12.

companha, companhia: XL, 5.

comparaçom, comparação: XI, 15.

compeçar, começar: IX, 12; XX, 2; XXXIV, 44. — Alterna com começar (XVII, 9).

comprido, cheio, provido: XXXIV, 51; completo: XLIX, 5.

compridoiro, necessario, respeitante: I, 8—9; LXIII, 18.

comprir, convir, competir, importar: XI, 3; LV, 10; XXI, 10; XXIII, 34.

condiçom, condição: VI, 2 (comdiçom); XIII, 17 (id.), etc.

confêsso, confissão: LX, 6. Alterna com confissom na mesma fabula.

confissom, confissão: LX, 13 (comfissom). Vid. confêsso.

conhocente, conhecedor: VIII, 21 (conhoçemtes).

conhocer, conhecer: I, 6 (conhoçesse); IV, 18 (conhoçer). Alterna com conhecer, XXVIII, 9 (conheçeo). — A fórma conhocer, muito frequente na lingoa antiga, é mais arcaica do que conhecer, porque assenta no lat. cognoscere (cfr. hesp conocer), ao passo que conhecer me parece ser mera dissimilação de conhocer, facilitada talvez pela presença da palatal nh; em gallego mod. ha conhecer, como em português mod., e conecer, por influencia do hesp. conocer; em gallego ant. ha coñoscer, como no nosso texto.

conselhar, aconselhar: XXXVII, 9 («eu te conselho»).

contestar, XXVI, 18, na phrase: «a pequena força nem se deve contestar com a grande», i. é: não deve disputar, bater-se. — Todavia o Sr. Epiphanio Dias nota-me que talvez deva emendar-se em contrastar, de acôrdo com XXXVII, 14.

contra, na direcção de: II, 7.

contrastar, contender, medir-se: XXXVII, 14. Vid. supra contestar.

contrairo, contrario: XXXII, 34; LVIII, 15. Fazer contrairo: vid. a annotação á fab. XXV, 9.

coobra, cobra: LIX, 1, 3 (vid. Erratas). Alterna com cobra em LIX, 9, com um só o, porque no ms. esta palavra está em fim de linha. A duplicação do o em coobra é etymologica: lat. *co(l)obra = colubra.

coraçom, coração: IX, 22; XXII, 11.

cordeiro. Apesar de a palavra cordeiro ser masculina, e em port. arc. existir cordeira, que lhe corresponde como fórma feminina[23], nota-se na fab. LV, 9, que o cordeiro, fallando de si, diz filha, e mais abaixo ssegura (embora o lobo, ib., 5, lhe chame filho, porque filho estará aqui em sentido geral). E de facto na fab. LVIII, que concorda com esta, a cordeiro corresponde cabrita. Por isso, na mente do autor, cordeiro parece se nome epiceno; e dar-se-ha aqui a especie de concordancia que os grammaticos chamam syllepse de genero[24].

couce, calcanhar: XXIX, 14. O cavallo diz ao asno: «nom quero em ty luxar os meus couçes», i. é. «patas traseiras». Do lat. calce-, «calcanhar»[25]. Ainda hoje dizemos metaphoricamente «no couce da procissão», por «na retaguarda».

cousa, nada: IV, 6, na phrase «que lhe nom prestára cousa». Cfr. Leal Conselheiro, cap. X, p. 62-63: «sem o Padre, cousa nom poderia fazer». Os exemplos d’este uso em port. arc. são numerosos. Cfr., quanto á evolução do sentido, o fr. rien < lat. rem «cousa».

cras, amanhã: XX, 12.

creer, crer: IX, 18; XV, 15.

cruevees, crueis: XIII, 16 (crueuees). O singular é cruevel ou cruevil, por isso que no ms. alternam entre si adjectivos em -vel e -vil (e -bile): vid. nota 4 á fab. LVI; o sing, de cruevees não se encontra por extenso. A fórma crueuees alterna com cruees em XXXI, cruevel e o pl. crueviis[26]. Deve admittir-se que no lat. vulg. da Lusitania houve o adjectivo *crudébilis, correspondente a crudelis, por analogia com outros, como flebilis, delebilis[27].

cruevelmente ou cruevilmente, cruelmente: LVI, 7 (crūēūlmente); e vid. a respective nota. Cfr. cruevees.

cuitelada, cutelada ou cutilada: LIV, 2. Na mesma fab., linha 6, vem ferida como synonimo. Propriamente cuitelada significará aqui «pancada com um cutelo», e não «ferida com derramamento de sangue», como hoje; cfr. espadeirada na lingoa usual, e firir neste Vocabulario.

cujo, de quem: IX, 10 «cuja era a casa»; XLIV, 31 «cuja ha (=a) cousa era».

curar, ter cuidado de (empregado transitivamente): LXI, 4 («avia curado sseus caualeiros»). Cfr. o lat. curare.

 

D

 

dapno = damno: II, 10. O p não tem valor phonetico, é meramente orthographico.

dar. Vid. a annotação á fab. XXIII, 27.

débile, debil: XXXVII, 14 (debille).

demostrar, mostrar: III, 21.

dereito, -a, justo, -a: VI, 4 (derejta); LXI, 40 (derejto), 65 (id.). Substantivado: «segundo derejto da ley», LX, 8; «segumdo derejto canonico e ciuel», LX, 14.

desapossado, sem fôrças, fraco: LXI, 3. — Ao exemplo que traz o Elucidario de Viterbo (sec. XIV) junte-se mais este, e o que vem no Leal Conselheiro, cap. I, p. 16: desaposados (sec. XV).

descontamento, desconto: VIII, 17 «sseja descomtamento do seruiço» = seja em desconto. Deriv. de descontar.

desembargar, desembaraçar: IX, 11.

desemparar, desamparar: XXX, 21 (desamparar).

desperar, perder a esperança: LVII, 15. O proprio texto dá a definição: «aquelle que perde a esperança, ligeyramente sse despera». O verbo não vem nem no Dicc. de Moraes, nem no do Caturra; apenas este e o de Cortesão citam desperança. Etymo: lat. desperare.

despreçar, não dar apreço, desprezar, depreciar: I, 13; XI, 14-15; XXXIII, 13; LVI, 12.

destroir, destruir: XLVIII, 5 (destroyr).

1. Deus. Na fab. LX, 13-14, lê-se: «a confissom fecta por medo e temor nom vall segumdo derejto canonico e çiuell, nem ssegumdo Deus». Vê-se pela enumeração dereito civel, dereito canonico, que segundo Deus quer dizer — direito que provém de Deus, i. é, direito divino[28]. Tambem no testamento de D. Affonso II (sec. XIII) se lê: «e elles as depártiã segũdo deus»[29]. No Leal Conselheiro (sec. XV) encontro: «aquella tristeza, que he segundo Deos, obra peendença stavel para a saude; a tristeza do segle obra morte», onde segundo Deos se oppõe a do segle, i. é, «mundana», e significa como o proprio D. Duarte explica mais adeante: «aquella [tristeza] que descende de Deos»[30]. Outro ex. da mesma obra: «ao sprito da tristeza, que nom he segundo Deos, devemos a fugir»[31].

2. deus = plural? Vid. a annotação á fab. XLVII.

Diaboo, Diabo: XLV, 42.

dinheiros. No plural, em circunstancias em que nós hoje poriamos collectivameme o singular: «hũa ssoma de dinheiros», XXXV, 5; «ho auaro he seruo dos jdolos .s. dos dinheiros», XLII, 20-21; «quem serue aos dinheiros serue aos jdoles», XLII, 21; «cobijça de dinheiros), XLV, 32. Cfr. no Leal Conselheiro (sec. XV): «nom pensem que a justiça de Deos he cousa que se possa vender como se dessem pellos pecados dynheiros[32]. Em hesp. do sec. XIV:

.. aora que estas lleno
.. de pan e de djneros ..[33]

discreçom, discrição: LVI, 17. Alterna com discriçom: vid. este vocabulo.

discriçom, discrição: XXXVI, 13. Vid. discreçom. — A fórma discreçom está mais proxima do lat. discretione- do que discriçom; todavia esta alterna, como vemos, com aquella. Tambem no Leal Conselheiro (sec. XV) se lê descliçom p. 25, discliçom p. 28. discreçom p. 46. — Em hesp. ant. ha discriçion, tambem com i[34].

doctor. O c não tem valor phonetico, é meramente etymologico: lat. doctor. A fórma genuina no nosso texto é doutor.

donezinha, doninha: XXV, 13. Esta fórma não estava ainda archivada nos nossos diccionarios.

doo, dó: X, 5; LXI, 27. — A duplicação do o é etymologica: lat. dolus, que vem no Corp. Inscr. Lat., XIII, 905; a esta fórma corresponde hesp. duelo, prov. dol, fr. ant. duel. Cfr. Literaturblatt für Germ. u. Rom. Philol., XXVI, 206.

douctor, doutor: VII, 11. Vid. supra doctor.

durar, supportar: XXIX, 20; XLI, 5. — A palavra, neste sentido, não foi ainda archivada nos nossos lexicos. Cfr. em hesp. arc. endurar «soffrer»[35], e fr. endurer, por ex. na phrase «endurer le froid». Tambem no Cancioneiro de D. Denis se acha endurar no mesmo sentido[36].

duravill. Póde ser assim, ou duravel. Vid. XX, 12, 13 e respectivas notas.

 

E

 

el, elle: prol. 11 (ell) e passim.

elamento, elemento: XX, 8. — Esta fórma encontra-se tambem num ms. do sec. XV, da Bibliotheca Nacional[37]. Não foi ainda archivada nos nossos lexicos. O a por e póde explicar-se por influencia do l seguinte.

ello, isso: XXIII, 29; XXXIV, 20.

emiigo, inimigo: XVI, 15 (emijgo); XXXIX, 13 (emijgos). Alterna com imiigo: vid. este vocabulo. No Leal Conselheiro (sec. XV) tambem: emiigo, p. 15, a par de inmiigo, p. 256. — O duplo i póde ser orthographico. Para ser etymologico, era preciso admittir a serie: inimicu- > *imi(n)icu > *imĩigo.

empeeçer, empecer: XIII, 17; XXXVII, 4. — O duplo e é etymologico: lat. *impe(d)escere. Cfr. Leal Conselheiro, p. 30 e 240.

empero, porém, comtudo, todavia: XII, 18. Cfr. pero, que tem porém outro sentido.

encalçar, ir no encalço: VI, 8 (emcalçou).

encommendar, recommendar, deixar ao cuidado de: LV, 2 (emcomendou).

encontrar. Este verbo apresenta no Fabulario tres construcções: 1.ª) transitivamente: «aquell asno o encontrou», XXIX, 21; 2.ª) reflexamente: «encontrou-sse com hũu pastor», XXVII, 3; 3.ª) intransitivamente, no sentido de ter encontro: «hũu asno encontrou com hũu porco montês», XI, 1; «hũu leom .. emcomtrou com hũu asno», XVI, 2. A ultima construcção é completamente arcaica. Cfr. em hesp.: «un asno que encontró con un león»[38].

ende. Em XXVII, 16, «e d’emde a poucos dias», significa ahi. Em XXXIII, 3, «e tomava por ende grande prazer», e XXXIV, 36, «nem percades por emde a terra», significa isso. Na origem ende < lat. inde significava «d’ahi»; mas assim como onde < lat. unde, que significava d’onde, passou a significar onde, por causa da juncção pleonastica da preposição de, assim ende passou a significar ahi. O mesmo parallelismo se encontra na significação translata isso, pois onde tambem póde significar o que: por emde «por isso», como por onde «pelo que».

enderençar, dirigir, encaminhar, dispôr, tratar de: III, 1. — Póde juntar-se mais este exemplo aos que traz Moraes, Dicc. da Ling. Port., noutra accepção. — A par de endereçar, que se encontra já tambem nas Cantigas gallegas de Affonso o Sabio (por ex.: II, 282), no Leal Conselheiro e na Cronica Troiana, temos em port. mod. endereçar, e em port. e gall. antigos aderençar. — No Minho existe ainda o verbo enderençar e o subst. verbal enderença, usados na linguagem das tecedeiras; em Trás-os-Montes enderença designa certa peça do carro.

engratidõe, ingratidão: VIII, 23 (emgratidõoe). — A terminação -õe < lat. -tudine (neste exemplo ingratitudine) é ainda corrente nos sec. XIV e XV: vid. Cornu, Études de Phonol. Esp. et Port., p. 27.

enjuria, injuria: II, 6 (emjuria), XVIII, 12 (idem). Alterna com injuria em II, 15.

enjurioso, injurioso: XXIII, 36, 37.

entençom, intenção: XXV, 17 (emtençom).

entender, tencionar: XII, 8 (emtemdya). Cfr. Leal Conselheiro, p. 44: «entendo screver».

entom, então: XIV, 6 (entom).

entrementes, entretanto: XXVIII, 15 (entrementes que: «emquanto»).

entrevir, acontecer: XXXVIII, 21 (entreueo). Cfr. hesp. intervenir, entrevenir, «acontecer». no Dicc. da Acad. Hesp.

enveja, inveja: prol., 8 (emveja).

enxemplo, exemplo, fabula: XVIII, 12 (emxemplo), e passim. — O nasalamento inicial é frequente em palavras que começam pela syllaba ex-. Cfr. num texto do sec. XIV a seguinte phrase, onde enxemplo apparece no mesmo sentido que no Fabulario: «asy como diz hũu enxenplo de hũu sabedor que tinha hũu filho que muito amava»[39]. D. Duarte, sec. XV, emprega a palavra no sentido de «proverbio» no Leal Conselheiro, cap. XXXIX, p. 223, e no sentido usual em muito outros logares, p. 194, etc. Em hesp. arc. ha tambem enxyenplo, com en- inicial[40]. — A respeito de exemplo (port.) e enjiemplo (hesp.), no sentido de «proverbio», cfr. D. Carolina Michaëlis de Vasconcellos, Tausend Portugiesische Sprichwörter, p. 20, n.º 2.

er. Encontra-se na fab. XXXIII, 4, como particula reforçativa, junto de um verbo: «er esguardou, espelhamdo-sse na fonte». Do uso de er, quer nesta fórma, quer na fórma ar, se encontram muitos exemplos até o sec. XIV[41]. O Sr. Julio Cornu explicou er pelo prefixo re- tornado independente[42]. Em apoio de tal explicação está o facto de em francês arcaico se encontrar re tambem como adverbio[43]. Da vitalidade do prefixo re- em português e hespanhol falla a Sr.ª D. Carolina Michaëlis na Rev. Lusit., III, 183. Esta vitalidade favorecia o emprego adverbial do prefixo.

errar, aggravar, offender, causar damno: XIX, 25. — Junte-se mais este exemplo aos que trazem Moraes e Cortesão nos seus Diccionarios. Tambem na Demanda do Santo Graal, sec. XIV: «por Deus, se vos errey en algũa ren»[44]. Em hesp. arc.: errar «ofender», «agraviar»[45].

ervanço, grão de bico: XII, 5 (ervanços), 23 (heruamço). Cfr. tambem Moraes, Dicc., s. v. «ervanço».

escarnecer. Empregado transitivamente: «ho rico .. escarneçe ao proue», XI, 16. Cf. Moraes, Dicc., s. v.

escarnho, escarnio: XV, 13.

escarnido, escarnecido: XXVIII, 16. Participio do verbo ant. escarnir.

escatimoso, offensivo, malicioso: XXIII, 14. — Este adjectivo não estava ainda archivado nos nossos lexicos. Cfr. hesp. escatimoso no mesmo sentido.

escuitar, escutar: XXIII, 13 (escuytou).

escusar, justificar: LXI, 11.

esguardar, olhar, attender, observar: XXV, 16; XXXIII, 4; XL, 17; XLIV, 17, 18. (Talvez deva pronunciar-se esgardar). — Vid. guardar.

espaancar, espancar: XXXVI, 5. — Os aa são etymologicos, pois o etymo remoto está no lat. p(h)a(l)anga.

espcrever, escrever. O p não tem valor phonetico.

especia, apparencia: LIII, 8. Numa phrase: so espeçia, como em lat. sub specie.

esplandor, esplendor: I, 6 (esplamdor).

esqueecer, esquecer: XXVII, 25 (esqueeçer). Os ee são etymologicos: esquecer < escaecer < lat. *ex-ca(d)escere.

estávil, estavel: XXXIV, 42 (estauyll).

esto, isto: III, 21; IX, 20: XXVI, 2, etc.

estoria, historia: prol. 9; I, 10 (hestoria).

estórva, estôrvo: XXXIII, 11. Cfr. torva no Leal Conselheiro, cap. XLII, p. 237. Tanto estórva como estórvo são substantiYos verbaes de estorvar; torva é subst. verbal de torvar[46].

estrever, atrever: XXX, 21 (estrevendo-sse em ell); LXI, 12 (estreuesse). Com a expressão estreuendo-sse em ell cfr. em port. classico atrever-se em alguem[47].

estroso, mofino, mezquinho, desditoso: XXIII, 11. Alterna com astroso: vid. esta palavra. No passo citado a mosca dirige-se á formiga: «como já te disse, tu és estrosa cousa»; ella diz como já te disse, porque na l. 3 chamára-lhe formiga mizquinha, d'onde se vê que mizquinho é synonismo de estroso.

 

F

 
(Procurem-se com f- as palavras que no texto vierem com ff-)

fallar. Usado intransitivamente na expressão fallou e disse, passim; cfr. num texto do sec. XIV «e o ydollo falou-lhe e disse»[48]. Usado transitivamente: «fallar .. cousas», XXXII, 6. Nós ainda hoje dizemos: fallar uma lingoa.

fame, fome: VIII, 1; XLI, 7, 10.

fazenda, cousa, bens: XLIV, 24, 25. Na phrase «nom as faça fazer por outrem», onde as, segundo a minha interpretação, se refere a fazendas, revela-se-nos uma alliteração thematica (figura etymologica): fazer fazendas. Synonimo de fazendas é fectos = feitos, — na l. 28: «o senhor .. melhor vee sseus fectos». Cfr. em Moraes «fez fazenda de bom cavalleiro», i. é, fez feitos, Dicc., s. v. «fazenda».

fecto = feito. O c não tem valor phonetico, é mero latinismo (factu-). Ortographia corrente neste e noutros textos antigos.

fedente, «que fede», «que cheira mal»: XXIII, 33. Adjectivo uniforme, não ainda archivado nos nossos lexicos. Do lat. foetente- , partic. pres. de foetere; cfr. hesp. hediente, e na lingoagem pop. port., fedentinha, fedentinhoso, -a e fedença[49].

feito, fazenda, facto. O primeiro significado, — no plural —, está em XLIV, 28 (fectos); vid. s. v. fazenda. O segundo está em VII, 2 (de fecto).

fendedura, fenda: LVIII, 10. — Não vem nos Diccionarios de Moraes, Caturra e Cortesão. Cfr. hesp. hendedura.

feo, feio: XXXIII, 5, 14 (ffeos).

ferida, pancada: XXXVI, 10 (fferidas). Vid. firir.

ferir, Vid. firir.

filhar, tomar, apanhar: XV, 10; XVI, 5; XLVI, 9.

fim. Do genero feminino: XXXI, 16, «maa fim»; LI, 8 «esguardar a fim» (= attender ao intuito). Ha ainda hoje na lingoagem da Beira uma phrase estereotypada onde fim mantem o seu antigo genero (finis em lat. é masc. e fem.): «a fim do mundo».

firir, bater, espancar: XXXVI, 4. Alterna com ferir em XXXVI, 6; XLIII, 6. Ha outros exs. de firir em português e gallego antigos. — Aqui firir está no sentido do lat. ferire. Vid. ferida.

fiuza, confiança: LIX, 8. No Leal Conselheiro, p. 237, vem feuza, com e. Fórma ainda hoje popular (Extremadura). Tambem é usada como appellido.

fogir, fugir: LVII, 11. Alterna com fugir noutros logares da mesma fabula.

fôrça, violencia: VI, 18, na expressão allitterada fazer força. Cfr. a definição dada em Moraes, Dicc.: «a violencia que se faz, usando do que não é proprio o forçador, entrando a outrem por suas terras e herdades, tolhendo a outrem o uso do seu: fazer força», — definição que evoca os tempos do feudalismo. Cfr. tambem em gallego do sec. XIII, com fórma alatinada: fórtja[50].

fremoso, -a, formoso, -a: prol. 9 (ffremosas); I, 3; XI, 8. Cfr. fremosura.

fremosura, formosura: XXI, 2. Cfr. fremoso.

freo, freio: XIV, 11.

frol, flor: XX, l7 (froll). Alterna com flores no prol., 13, e com flor. Vid. fror.

fror, flôr: prol., 14. Vid. frol.

fruito, fruto: prol., 14.

fundo, baixo (subst.): II, 3, «da parte de fundo»; III, 13, «tirava pera fundo». Na fab. L, 7 «[as rãs] meterom as cabeças do fundo da auga», a ultima expressão significa de baixo; talvez do fundo da agoa esteja mesmo por de fundo, com do por de, ou por influencia da labial, como na expressão popular do baixo por de baixo, ou por êrro de copia. — Na Visão de Tundalo, publicada na Rev. Lus., III, texto do sec. XIV, lê-se cayr en fundo, p. 104. Em textos gallegos do sec. XIV encontra-se tambem en ffondo «pelo lado de baixo»[51]. Moraes cita rua a fundo como antiquado[52]. Ainda no sec. XVI se dizia Mondim de Fundo a povoação que hoje se chama Mondim de Baixo[53].

 

G

 

gaado, gado: XXVII, 4; XXXII, 13, 15. Os aa são etymologicos; cfr. hesp. ganado.

galardom, galardão, pago, agradecimento: X, 16 (gualardom). Á expressão dar maao galardom corresponde a expressâo moderna dar mau pago. Vid. grado.

gançar, ganhar, adquirir: XXIII, 21 (guançoso). É frequente em textos do sec. XIV e XV guançar, gançar, gaançar. Do radical de que veio ganhar (origem germanica) deve ter provindo para as lingoas da Peninsula um verbo *ganar, d’onde viesse o hesp. ganar, e o port. prehist. *gãar, com que se relaciona gaança (gança) e gaançar (gançar); á mesma familia pertence hesp. ganancia (d’onde o port. mod. ganáncia), hesp. ganado, port. ant. gaado = *gãado (mod. gado), gall. e port. do Alto-Minho gando.

gardar. Vid, guardar.

garnimento. Vid, guarnimento.

gargantoice, gula: LII, 18 (guargamtoiçe). — Deriva de gargantom, que vem no Leal Conselheiro, p. 187, na fórma pl. gargantões, «comilões», «gulosos», e na Visão de Tundalo (vid. Rev. Lus., III, 106: gargantooens). O Leal Cons. contém varias vezes gargantoice: pp. 192, 193, 194; gulla e gargantuyce, p, 286, expressões synonimas e allitteradas.

gaviam, XXXI, 2, 5, etc. A pronúncia era de certo gaviã; cfr. hesp. gavilan, mir. gabilã.

gema, pedra preciosa: I. 4. Lat. gemma. Na moralidade, I, 15, em vez de se repetir a palavra gema, emprega-se a definição: pedra preçiosa.

gesto, semblante: LIII, 3.

grado, agradecimento: VIII, 22, «dar maao grado», que corresponde a dar maao galardom em X, 16. Vid. galardom. — Do lat. gratum (adj. neutro substantivado). Cfr. en grat em provençal[54]; savoir bon gré em francês. No Leal Conselheiro, p. 83, e em varios outros textos: de grado «de vontade».

gram, grande: X, 12, em próclise. — Cfr. Rev. Lusit., VIII, 11-12.

grua, femea do grou: VIII, 5. — O vocabulo ainda não foi, neste sentido, archivado nos nossos lexicos; pelo menos não o encontro nem em Moraes, nem no Caturra, nem cm Cortesão. Cfr. hesp. ant. grua, fr. grue. Do lat. *grua-, por grue-[55].

gualardom. Vid. galardom.

guançar. Vid. gançar.

guardar, olhar: V, 3 «guardou na auga» = olhou para a agoa. (Talvez deva pronunciar-se gardar). Cfr. fr. regarder. E vid. neste vocabulario esguardar.

'guargantoice. Vid. gargantoice.

guarnimento, apparelho do cavallo: XXIX, 24. (Talvez deva pronunciar-se garnimento). Moraes, Dicc., cita o vocabulo apenas no plural.

guisa, maneira: VI, 4 («em tall guysa»), 14 («per esta guisa»), XXXII, l9 {«per esta guysa»).

 

H

(As palavras que não se encontrarem com h- procurem-se sem elle)
 

haver, ter: II, 18 («nom ey tanto tempo»); IV, 12 («nom avia per hu paguar»); etc. No prol., 18, alterna aver e ter no mesmo sentido. Assim se justifica o sse ha de LV, 15 (e vid. nota respectiva). Em XL, 33, haver está substantivado e significa riqueza, palavra que mesmo lhe corresponde ib., 35.

hi, ahi: IX, 9, « d’hi»; XV, 3, «per hi» = ahi perto.

homem. Ao seu emprego como pronome indefinido, como o fr. on, me refiro no capitulo da Syntaxe.

homildosamente, humildemente: II, 5. — Vid. homildoso.

homildoso, -a, humilde: II, 23.

honra, acolhimento respeitoso, estimação: XXI, 2, «as aues fezerom grande homrra aos pãaos por a fremosura d’elles». Cfr. a ideia opposta em «desonrrar de maas palauras», XXIII, 2.

humecidio, homicidio: XLV, 31—32 (humeçidio). Alterna com omiçidio em XLV, 39.

 

I

(As palavras que no texto estiverem com j- procurem-se com i-)
 

ignocente. Mera variante orthographica de inocente ou innocente (II, 27 ignoçentes). O g resulta de confusão do lat. ignoscens, de gnoscere, com innocens, de nocere, e de haver varias palavras que se escrevem ora com gn ora com simples n.

imiigo, inimigo: XVI, 14 (jmijgos); XXXVIII, 18 (id.), 21 (id.), 22 (id.). Alterna com emiigo; vid. este vocabulo.

infiindo, infindo: XIV, 14 (jmfijmdos). Os dois ii são etymologicos: lat. infinitu-.

inico, iniquo: XXXI, 15 (jnicos). — Com quanto de origem litteraria, inico é a fórma corrente na litteratura antiga: cfr. Camões, Lus., IX, 59, «passaros inicos» em rima com bicos. A fórma actual iniquo é restaurada pela latina iniquus.

 

J

 

ja nunca, jamais, nunca mais: XXXIV, 26; LIX, 8. Cfr. jamais nunca no Leal Conselheiro, p. 115.

jajũu, (adj.), que está sem comer: XII, 22 (jajuum). É o sentido do lat. ieiunus. Cfr. na Demanda do Santo Graal (texto do sec. XIV): «os caães .. seiam ieiuus de VII dias»[56]. — Vid. outros exs. em Moraes, Dicc. da Ling. Port., s. v.

Jovis, Jove, Juppiter: VII, 6 (Jouis); L, 4 (id.), 5, 11, etc. — É o ant. nominat. lat. Iouis (por Iuppiter). — A titulo de curiosidade acrescentarei que em linguagem de giria, em certos pontos do país, se diz Jobes por «Deus».

 

L

As palavras que no texto estiverem com ll- procurem-se aqui com l-
 

lãa, lã: IV, 13 (llãa), 14. Os aa são etymologicos: lat. lana.

ladram. Vid. ladrom.

ladrom, ladrão: II, 18; VII, 1; LVIII, 8. Alterna com ladram em LXI, 9.

latino, latim: prol., 6. Vid. a annotação respectiva.

leam. Vid. leom.

legar, ligar: XL, 19 (leguado), 21 (legauam). Cfr. legamento no Leal Conselheiro, p. 41.

leixar, deixar: V, 10 (bis); XXIII, 31.

leão, VI, 14. Na fabula XXVII alternam leom, liom e leam.

lhe, lhes: VIII, 21. Vid. o que digo nas Observações Grammaticaes.

ligeiramente, facilmente: XXXVIII, 20 (ligeyramente); LVII, 15 (id.). No mesmo sentido se encontra essa palavra no Leal Conselheiro, pp. 22, 75, e em hesp. arc. ligeramente.

ligeirice, ligeireza: XXX, 10 (ligeyriçes).

ligeiro, facil: XXI, 12 (ligeyro). Cfr. ligeiramente.

liom, leão: VI, 5. Vid. leom.

livrar, deliberar: XLIX, 3 (liuraram). D’esta accepção se aproximam alguns dos exemplos que traz Moraes no Diccionario.

lixosamente, immundamente, çujamente: XXIII, 24. Vid lixoso.

lixoso, immundo, çujo: XXIII, 26 (lixosso); XXIX, 11. Alterna com luxar em XXIX, 14; vid. este vocabulo.

luxar, manchar, çujar: XI, 8; XXIX, 14; XLII, 5. Alterna com lixoso, XXIX, 11; vid. este vocabulo. Ha outros exs. de luxar em português ant. Em gallego tambem alterna lujar (= luxar) com lijar (= lixar): vid. Valladares, Dicc. Gall. Cast., s. v.; e já na Crónica Troiana. texto gallego do sec. XIV, temos luxar por «manchar». — Parodi, na Romania, XVII, 69, explica o gallego lujar, lijar por *lutulare, explicação admittida por Körting, Lat.-Rom. Wb., 2.ª ed., n.º 5761; mas ha difficuldade phonetica.

 

M

 

maa, má: prol., 7; XXV, 7. Os aa são etymologicos: lat. ma(l)a.

madre, mãe: IX, 15; XXVI, 6; XXXIV, 8. Não se usa mãe no nosso texto.

maginar, imaginar: LXI, 37. — Por se ler em Camões maginar ensina-se ás vezes nas aulas que temos aqui uma licença poetica; mas o nosso texto prova que maginar é da prosa, e existem outros exemplos: maginar em Azurara e no Cancioneiro de Resende[57], etc. Deu-se a apherese (lat. imaginari, imaginare) por confusão de i + m- com o prefixo in-.

mais, mas: I, 5; XXI, 13 (mays). Alterna com mas em: LIX, 5 (no ms. mas está em fim de linha); XII, 30; XXXIV, 32; XXXV, 9, etc.

malandante, malaventurado, infeliz: XLIV, 26, onde saiu, por êrro typographico, maladante em vez de malãdante.

malecioso, -a, malicioso, -a: XIII, 8 (maleçiosa).

mancebo, criado, serviçal: XLIV, 11 (mançebo). Ibid., 29 e 30, o auctor emprega seruo e seruidor como synonimos d’este termo. — Cfr. Gama Barros, Sobre a significação da palavra «mancipium», na Rev. Lusit., IV, 247, onde mostra que mancipium e servus, nos mais antigos textos da idade-media, eram synonimos entre si, e que já no sec. XIII «a significação de mancipium correspondia á de mancebo, quer no sentido de individuo que servia por soldada, quer no sentido de adolescente»[58] — . Na fab. XLVII, 14, mancebo (mançebos) tem a significação actual de «joven»; e nesse sentido emprega D. Duarte tambem a palavra no Leal Conselheiro, p. 184, com o substantivo correspondente mancebia «juventude», ahi contraposto á palavra velhice[59].

maneira, moderação: XXXVI, 13. O passo é: «deuemos auer maneira com discriçom», i. é: moderação discreta.

mango, cabo: XXXIX, 2, 3 (manguo). Trata-se do mango de um machado.

manhãa, manhã: XLVII, 17. A expressão de manhãa nesse passo significa «amanhã», pois que está contraposta a oje.

mantiimento, mantimento, sustento, comida: XXVII, 12 (mantijmento). — Os ii são etymologicos, pois esta fórma está por *manteimento, de manteer; cfr. hesp. mantenimiento. Tambem em Azurara se encontra mantiimento[60].

marteiro, martyrio: XLIII, 17 (marteyro).

matar. Na expressão matar-se com ell, XXVI, 4, matar-se significa «bater-se»; cfr. hesp. matarse con uno «reñir», «pelear con él»[61].

medês, mesmo: II, 2 (aquell medes); XXXIX, 15 (ell medes); XLI, 33 (assy medes). Em todos esses exs. medês reforça o pronome ou adverbio a que vem junto. Cfr. no Leal Conselheiro, p. 27, esso medes, e p. 46, aquel medes. Na Rev. Lusit., VIII, 9, me referi a este pronome.

meesmo, mesmo: XL, 30. — Os ee são etymologicos; cfr. ital. medesimo.

meestre, mestre: XVII, 16. — Os ee são etymologicos: arc. maestre < lat. ma(g)istru-. Todavia maestre não provém directamente do latim, como o mostra o -e[62].

meezinha, remedio: XXVIII, 4. Cfr. tambem Leal Conselheiro, p. 234: «por as esmollas recebem meezynha as nossas chagas». Ainda hoje se usa mèzinha no sentido de remedio caseiro («fazer uma mèzinha», — Beira). Em Trás-os-Montes (Norte) essa palavra significa virtude medicinal («tal herva tem mèzinha»). Tambem em provençal achamos mecina no sentido de remedio: «Al vostre mal queretz mecina»[63]. Na Estremadura mêzinha passou a ter a significação restricta de «clister». — Os ee de meezinha são etymologicos: *me(d)ecina < lat. medicina-.

mente. Nos adverbios: vid. o que digo na Morphologia.

mentres que e em mentres que, emquanto: V, 2; XXXIV, 18.

meo, meio: III, 10.

meolo, miolo: prol., 18.

mercadaria, mercadoria: XLIII, 2. Este vocabulo creio que não estava ainda archivado nos nossos lexicos. Elle encontra-se em varios textos dos secc. XV e XVI, pelo menos, — por ex.: «per maneira de mercadaria»[64]; «de falsas mercadarias»[65]; «nam resguatando porém na dicta terra nenhũas mercadarias»[66]; «que os compradores nã paguẽ das dictas mercadarias»[67]. Conheço ainda mais exemplos. — Cfr. hesp. mercaderia.

merçee, mercê: XXI, 14.

mester. 1) Locução — faz mester «é preciso»: XL, 12; XLI, 29, 2) Plural — mesteres «necessidades», no seguinte passo, LXI, 20: muytos ajudey ao tempo de sseus mesteres, isto é, por occasião das suas necessidades, quando tinham necessidades.

[mi. Comquanto em XXIII, 12, em XLII, 11 e 13 (vid. nota respectiva) e LVI, 13 se leia my, e a fórma nasalada fosse precedida de outra sem nasal no uso geral da lingoa, é provavel que nestes passos haja mera falta de til, pois mim (mym), é muito frequente no ms., e em XLII concorre mym com my. Todavia cfr. o que se disse s. v. «bõo»].

milhor, melhor: IV, 6; XII, 31. No Leal Conselheiro, por ex. a p. 175, tambem se lê mylhor.

mintira, mentira: IV, 17.

missegeiro, mensageiro: XXXVIII, 7 (missegeyros). Alterna com missig-; vid. este vocabulo.

missigeiro, mensageiro: LXI, 49 (missigeyro). Alterna com misseg-; vid. este vocabulo.

misurado, comedido: XXXVII, 13. Mas mesura, LIII, 3.

mizquinho, -a, mezquinho, -a: XXIII, 3; XXXIX, 8 (mizquynha); XLII, 22 (mizquynho); XLVIII, 18 (myzquynhas).

molher, mulher: VII, 1.

moor, maior: XLIX, 15.

mua, mula: XXII, 2.

 

N

 

nehũu, -a: l, 21. Em xxxiv, 25 nhehũa. Noutros casos nhũu e nhũa, que podem ler-se respectivamente nehũu ou nẽhũu, e nehũa ou nẽhũa. A graphia nhũu ou nhuũ não é caso unico: vid. Archivo Hist. Port., I, 419 «nhuũ trabuto>. Se se encontra nẽhũu em muitos textos, por ex. nos Anciens Textes Port. (sec. xiv) de Cornu, p. 33, e no Leal Conselheiro (sec. xv), p. 25, tambem se encontra nehũu, por ex. em um doc. do sec. xv no Archivo Hist. Port., I, 319, nehũa nas Cantigas de Affonso o Sabio, p. 395, niú (por niũ) em Viterbo, Elucidario, e neún em Cortesão, Subsidios. Comquanto entre nec unu- e nẽ hũu seja legitimo admittir nehũu (neũ), nada mais facil tambem do que ter-se ás vezes omittido por esquecimento o til.

neiciamente, nesciamente: liii, 16 (neyçiamente).

neicio, nescio: liii, 15 (neyçio).

nembrar, lembrar: lvi, 12.

nembro, membro: xii, 24.

nhũu. Vid. nehũu[68].

nojo, damno: xxii, 4 (faço nojo); xxiii, 24 (id.); enfado: lvi, 6.

nojoso, desgostoso: xv, 13.

nom, não: passim.

nunca. Vid. .

 

O

 

obidiente, obediente: lviii, 13.

official, empregado de justiça em geral: lii, 15 (ofiçiaaes). D. Duarte dá a definição no Leal Conselheiro, p. 32: «dos officiaes, em que se entendem os mais principaes, conselleiros, juizes, regedores, veedores, scrivães e semelhantes».

omem. Vid. homem.

ora. 1) Em VII, 9, corresponde a «agora», como na lingoa moderna. 2) Com relação a pouca d’ora vid. pouco. 3) tall ora «então», XLVll, 17; cf. ital. talora «algumas vezes».

orto, pomar: prol. 13. É corrente na orthographia antiga: cfr. Orto do Sposo (titulo de um ms. do sec. XIV) e Garcia d’Orta (autor do sec. XVI).

outrossi, outrosim: XXXVIII, 11 (outrossy).

 

P

 

paancada, pancada: XVII, 12 (paamcada); XLIII, 9 (id.). — Os aa são etymologicos: cf. espaancar (supra), e hesp. palancada.

paão, pavão: XXI, 2, 4, 5. — Os aa são etymologicos: cf. pavão < lat. pavone-.

padre, pai: II, 16; XXXIV, 8; XXXVI, 14. — No nosso texto não se usa pai.

pam, pão: XLI, 21, onde por erro typographico saiu pom.

parecer, apparecer: XXXIV, 18 (pareçia).

parte, noticia: XXXIV: na ling. corrente dar parte, dar noticia. Em X, 3, não sabia de si parte, não dava conta de si. Em XLV, 19, chamou-o a de parte, i. é, de parte, á parte.

passar, ultrapassar, exceder: XL, 34. Cf. no Leal Conselheiro, p. 175: «a despesa .. passa sobre a recepta». Em XXXIV, 49, lê-se: passa de sabedor; vid. a annotação respectiva.

passareiro, passarinheiro, caçador de passaros: XXXI, 12.

passos. Na phrase a poucos passos, VI, 5, d’ahi a pouco.

pee, pé, garra: XIV, 2.

peendença, castigo: XLV, 34 (peemdença); XLVII (peemdemça).

peiorar, piorar: XLIII, 13 (pejora), 15 (id.). Mas vid. peor.

peor, pior: XV, 12; XXV, 10. — Comquanto hoje se escreva muitas vezes peor, a pronuncia é sempre pior; porém no tempo da redacção do Fabulario pronunciava-se de certo peor, com e.

pequeno, pouco (substantivado), pedaço: XLII, 7, (me dees hũu pequeno d’elle). Nesta accepção creio que o vocabulo não se acha nos nossos lexicos. Todavia no Leal Conselheiro, p. 331, lê-se: «hũa pequena d’afeiçom» (= uma pouca de, um pouco de); e ainda do sec. XVII posso citar este passo: «hũas velinhas .. com o pavio tão cortado que .. era necessario, para as accenderem, cortarem hũa pequena de cera com os dentes» (= uma pouca de, ou um pouco de[69]); e Pão partido em pequeninos (= pedacinhos), é o titulo de uma obra de Manoel Bernardes, Lisboa 1694.

per, por: prol. 8; XV, 3; XVII, 7. Corresponde a «para» em XIII, 27 (onde alterna com por: per comer, per viver), e XLI, 25 (per nosso amaestramento).

pera, para: passim.

percatar, precatar: XXIX, 31.

perdom, perdão: LIX, 4.

perfia, porfia: XLI. 15, 23.

pero, por isso: II, 7; XXV, 11. Do lat. per ho(c). — Em XX, 6, e XXIII, 10, pero que, por isso que.

persoa, pessoa: I, 6 (perssoa); XI, 9; XXIII, 27. Esta fórma encontra-se tambem no Leal Conselheiro, vid. o respectivo glossario. Na Cronica Troiana, texto gallego do sec. XIV, ha persona (vid. vocabulario), que deve talvez entender-se por persõa. Em gallego moderno ha persoa e persoíña. Latinismo; cfr. verso.

pesar. Em XXXVIII, 23: faziam d’elas maao pesar, i. é, causavam-lhe damno. Cfr. no Dicc. de Moraes fazer mao pesar de alguem.

physico, medico; VIII, 4 (phisico); XXVIII, 7 (id.). — Cfr. em fr. ant. fisicien[70], medico, ingl. physician, hesp. ant. fisico[71]. D. Duarte no Leal Conselheiro distingue entre fisicos e solorgiãaes[72]; igualmente na Hist. do imperador Vespasiano (impressa nos fins do sec. XV) se lê: «e nom se podem achar fisicos nem celorgiãos, p. 44 da 2.ª ed. (feita por Esteves Pereira). Gil Vicente escreveu o Auto dos Fisicos. Na actual linguagem da Estremadura (Porto de Mós) physico ou fisico decaiu da sua antiga accepção nobre, e passou a signiticar curão, isto é, «curandeiro»: assim se diz « o fisico d’aquella terra», «o fisico d’aquel’outra», conforme as localidades em que elles habitam. Parallelamente a fisico, tinhamos em port. ant.: fisica «medicina»[73]·. No fr. da idade-media physique tinha tambem essa significação[74].

piadoso, piedoso: xlvii, 7. Mas piedade no mesmo logar. Do lat. pietosu-. — Tambem no Canc. de Rèsende, I, 356, piadade, fórma ainda hoje corrente no povo.

pidir, pedir: l, 15; lx, 5. — É corrente em textos do sec. xv e anteriores e posteriores: vid. Arch. Hist. Port., i, 56, 299 e 420; Sousa Viterbo, Tapeçarias, p. 15; Doc. para a hist. da typographia, i, 24. Hoje ainda popular (Sul). — Cfr. siguir.

poboo, povo: xlix, 8. — Os oo são etymologicos: lat. popu(l)u-. — Fórma corrente em português arcaico; alterna com povoo.

poborar, povoar: xlix, 1. — Cfr. Viterbo, Elucidario, s. v. pobrar, pobramento, etc. No Arch. Hist. Port., i, 420, povorar (sec. xv, i, 302, (sec. xvi).

poderio, poder, faculdade: vii, 14. A expressão poderio .. de mal obrar póde traduzir-se em latim por facultas laedendi, o que mostra bem o sentido de poderio. Cfr. poderoso.

poderoso, que tem poder, potente, capaz: vii, 15, poderoso de filhos = que ficava potente com a ajuda dos filhos; lxiii, 8, era poderoso de lhe guardar sseu gado = podia guardar, tinha poder, capacidade, para guardar. — Cfr. nos Doc. Gallegos de los sigl. xiii al xvi: «non seian poderosos dea dar nen arrendar» (i. é, senhores, livres de a dar, etc.), p. 118, l. 6-7; poderoso de em Moraes, Dicc., s. v.; em prov., C. Appel, Provenzalische Chrestom., 1895, n.º 7, l. 35: «li retenc pueih sa terra e’n devenc poderos».

poer, pôr: xl, 14.

pollo, -a, pelo, -a: ii, 25; xiv, 11. Alterna pollo com pello.

poo, pó: xxxvii, 7. — Os oo são etymologicos: *polo, cfr. Rev. Lusit., ii, 364, e iii, 297, nota.

poomba, pomba: li, 1. — Os oo são etymologicos: *paomba < lat. pa(l)umba.

porém, por isso: xli, 72; xlii, 6; liii, 15.

porque, visto que: xlv, 19; para que, xxxvi, 11. Na expressão ssem porquê «sem motivo», xxxvi, 4, 5, e lvii, 7, a palavra, por ser independente, e não proclitica, recebe accento na ultima syllaba.

pos (em), atrás de: xvii, 17 (amdando em pos ell = indo atrás d’elle).

pouco. Locução adverbial: loguo a pouca d’ora, ou sómente a pouca d’ora, xliv, 8, 11; liv, 3; o que significa «d’ahi a pouco». Corresponde-lhe: depois, a pouco tempo, xlviii, 10; i. é: «depois, passado pouco tempo». Cfr. ainda: pouco estando, lv, 3; hũu pouco estando, lviii, 5. — Temos outros exs. em textos port. antigos: «e em pouca d’ora alongou-se», na Demanda o Santo Graall, p. 83; a pouca d’oora na Visão de Tundalo (vid. Rev. Lus., viii, 252). Ambos são do sec. xiv. — Á expressão a pouca d’ora corresponde a poca de ora ou a poca d’ora, e en poca d’ora em hespanhol antigo: vid. Poema de Fernan Gonzalez, ed. de Marden, est. 518-c, 689-d (vid. tambem p. 132; e confere no mesmo poema: a poca de sazon, est. 34-a); e Arcipreste de Fita, Libro de buen amor, ed. de Ducamin, est. 134-d. Cfr. o synonimo provençal, do mesmo typo syntactico, en breu d’ora, em Bartsch & Koschwitz, Chestomat. prov. (6.ª ed.), 286-12[75].

preçado, -a, de preço: xxix, 13; de aprêço: lvi, 2.

preçar, apreciar, prezar: lvi, 11.

preguntar, perguntar: xxxiv, 21 (pregumtou); lxii, 5 (id.).

preposito, proposito: iii, 22.

presentar, apresentar: xlv, 15 (pressemtarom).

pressa, apuro, apêrto, urgencia: xvi, 15; xxv, 3. — A evolução sematologica foi a mesma que em apêrto.

prestar, emprestar: iv, 6.

prestes (adj.), pronto: xi, 4; xxiii, 31.

priigo, perigo: x, 14 (prijgos); xii, 24 (prijguo); xxx, 19 (prijgo); xliv, 13 (prijguoo).

primeira (da), primeiramente: .. Cfr. hesp. de primero.

probe, pobre: xii, 23.

proberbio, proverbio: xiv, 14.

probeza, pobreza: xii, 30. — Alterna com prov-; vid este vocabulo.

prol, proveito: iii, 18 (proll). Em xviii, 10, é feminino (tua proll). Em xxxiv, 29, tam de proll, i. é: «tão fidalgo», «tão nobre». Cfr. Dicc. de Moraes, homem de prol; fr. ant. preu d’homme, mod. prud’homme, prov. prodom, ital. produomo.

prove, pobre: xi, 14. — Cfr. proveza.

proveitar, aproveitar, dar proveito: xxxiii, 17.

proveza, pobreza: xii, 29; lv, 16. — Alterna com prob-; vid. este vocabulo.

provencia, provincia: xlix, 4 (prouemçias). — Este vocabulo creio que não foi ainda archivado nos nossos lexicos; apenas Viterbo , Elucidario, traz provença como do sec. xiv. Nos Dialigos de S. Gregorio, ms. do mesmo seculo, existente na Bibliotheca Nacional[76], fls. 19-v., lê-se tambem provencia. Numa cantiga que ouvi em 1904 em Castro Laboreiro (Alto-Minho) entra probencia; aqui a cito:

Adeus ó billa d-Acrasto,
Probencia de Trás-os-Montes

No dia que te num bêjo
Meus olhos som (ou sõu?) duas fontes[77].

Cfr. Proença, nome de terra e appellido.

pulso. Vid. tocar.

pungir, picar, ferrar (em sentido physico): xxii, 3. — Flexão: punguo, 1.ª pessoa do pres. do indicativo.

 

Q

 

quebrantar, quebrar (em sentido material), despedaçar: xiv, 6 (quebramtar-sse-ha); quebrar (em sentido moral), interromper: xxxviii, 16 (quebrantauan as tregoas).

quedar, ficar: xv, 16 (os homẽes quedam em vergomça).

queente, quente: x, 9. — Os ee são etymologicos: por caente < lat. ca(l)ente-.

queentura, quentura: vii, 7-8. — Os ee são etymologicos; vid. queente.

querelar-se, queixar-se: lxi, 19.

 

R

(Vid. com r- as palavras que no texto começarem com rr-)
 

rãa, rã: iii, 3 (rrãa) — Os aa são etymologicos: lat. rana-.

rabaz, adj., que arrebata: lxi, 72, na expressão «lobos rrabazes». Analogas expressões se encontram em Sá de Miranda, Obras, ed. de D. Carolina Michaëlis, lobo roaz, lobo rapaz, lobo robaz; vid. p. 930. O adjectivo é pois especialmente applicado a lobo.

racionavil, racionavel: xx, 16 (rracionauyl).

razoar, discorrer, conversar: xxxii, 6 (rrazoar). Cfr. Archivo Hist. Port., i, 418, num texto do sec. xv, no sentido de «apresentar razões», «discorrer», «allegar».

razom, razão: viii, 4; xxiv, 4 (rrazom).

regelado, gêlo: x, 3 (rregelado). — Participio de regelar, tornado substantivo concreto; cfr. na lingoa commum gelado, certo doce muito frio. Este vocabulo creio que é agora archivado a primeira vez.

reignar (rreignar) = reinar. O g é meramente orthographico: lat. regnare.

reinha, rainha: xxiii, 9 (rreynhas).

rem, cousa: xxxiv, 25 (rrem), na phrase estereotypada «por nhenhũa rrem do mundo». Na poesia dos nossos trovadores é muito frequente nulha ren, por ex. no Cancion. da Ajuda, ed. de D. Carolina Micaëlis, vol. i, pp. 119, 141, 147, etc., por imitação, supponho eu, do provençal nulla ren (nulha, nuilla, etc.)[78].

repender-se, arrepender-se: i, 14 (sse reepemdem), xlvii, 15 (rrepemdermo-nos). — Alterna com arrepeender (com dois ee).

rezom, razão: lxi, 63 (rrezom). — Alterna na mesma fabula em rrazom: 66 (bis).

riba. Vid. arriba.

ribaldo, mau, velhaco: ix, 14 (rribalda).

riir, rir: xlv, 17, 18 (rrijr). No texto saiu, por erro typographico, ryr em vez de rijr. Os ii são etymologicos: lat. ridere (com mudança de conjugação; propriamente *ridire).

rogar. Empregado transitivamente: «este roussinoll ho rrogaua .. que», xxxi, 4; «andaua rrogando paremte[s e a]mygos» = andava implorando, lxi, 16. — Na ling. pop. mod. usa-se rogar, transitivamente, no sentido de «convidar homens para o trabalho agrario»; d’ahi se fez o substantivo concreto roga «conjunto de gente que vai rogada para a vindima» (Douro).

rostro, rosto: xxiii, 8 (rrostro).

roussinol, rouxinol: xxxi, 2 (rroussinoll).

rovelver, revolver: xx, 3 (rroueluer). — Esta fórma, se não ha êrro, está em vez de *rovolver (dissimilação vocalica); e *rovolver resultaria de revolver por influencia da labial v no e surdo.

 

S

(Vid. com s- as palavras que no texto estiverem com ss-)
 

sabedor, sabio: prol., 6 (ssabedor); vii, 3 (id.). Empregado ora como substantivo, ora como adjectivo, e muito usado nos seculos xiv e xv: por ex. Anciens textes port., de Cornu, pp. 28 e 29; no cod. illuminado n.º 47 da Bibliotheca Nacional, fl. 31; no Leal Conselheiro, p. 411; na Hist. do imperador Vespasiano, 2.ª ed., p. 62, etc.

sabor, gôsto, prazer: xxxii, 2 (ssabor), na phrase: «o comia a sseu gram ssabor». — Ainda hoje a sabor se emprega em alguns casos: «ao sabor do vento», «ao sabor da fantasia», etc.

saborido, saboroso, em sentido physico: prol., 18 (ssaborido); xxxii, 10 (id.).

saborosamente: xxi, 5, na phrase muy ssaborosamente, i. é, com muito contentamento, muito contente.

Salamam, Salomão: xxxiv, 43 (Ssalamam).

sapiencia, sabedoria: i, 15. — Latinismo (de origem ecclesiastica) tambem usado noutras lingoas romanicas.

scapar, escapar: xxiii, 32. — Alterna com escapar.

scarnecer, escarnecer: xix, 8 (scarneçiam); xxi, 8 (id.).

scudeiro, escudeiro: xlv, 5 (scudeyro). — Alterna com esc-: 13, 17.

seer: 1) ser: vi, 9 (sser); 2) estar: lxi, 52 (ssee); 3) sentar-se: lxi, 42 (sseer). Este verbo, no sentido de «sentar-se», alterna mesmo com asseemtar: «o caualeyro .. posse-sse a sseer, e o uaqueyro outrossy sse assemtou», lxi, 42.

segurar-se, ficar seguro, sossegar, tranquilizar-se; liv, 4 (ssegurarom-sse). Cfr. seguro.

seguro, tranquilo: lv, 15 (sseguro). — Cfr. em hesp. ant. seguro «tranquillo» em Berceo: vid. Lanchetas, Gram. y vocab., s. v.

sembrante, semblante: xl, 3 (ssenbramte).

semelhar, parecer: v, 7 (ssemelhaua). Alterna na mesma fabula com pareçer.

semelhavil, semelhante: ii, 15 (ssemelhauil).

sempre e nunca, nunca (emphaticamente), em tempo algum: xii, 35. Cfr., quanto á fórma, o hesp. siempre jamas, «siempre com sentido esforzado» (Dicc. de la Acad.).

senhor: xxxiv, 14. Nas instituições medievaes senhor era o individuo que tinha, por concessão do soberano, a jurisdição de uma terra.

senom, senão: xxxiv, 8 (ssenom).

seo, seio x, 6 (sseo).

sermom, discurso: xxiii, 14 (ssermom). Cfr. fazer longuo sermom em Duarte Pacheco Pereira, Esmeraldo (sec. xvi), ed. de Epiphanio Dias, Lisboa 1905, pp. 78, 82, 96, etc.

siguir, seguir: xxxiv, 41 (ssiguyr). Cfr., quanto ao primeiro i, pidir.

silva, selva, bosque: xxvii, 11 (ssilua). — Ainda no onomastico temos Silva Escura, etc.

similidom, proporção, conformidade, semelhança: xv, 6 (a phrase é: «sse tu ouuesses assy fremosa voz com tu has as ssimilidõoes do teu corpo», i. é, se tivesses voz conforme ao teu corpo); xx, 14.

so, sob: iii, 13; xlvi, 1. — Alterna com sob em lxii, 18.

soberboso, soberbo: ii, 22 (ssoberboso).

sodairo, sudario, pano de enxugar o suor: lxi, 39 (ssodairo).

soer, costumar: xxxv, 7 (ssoya).

solamente, sómente: xx, 12 (ssolamente); xxv, 15 (id.); xxxiv, 50 (id.). — Tambem se lê solamente no Leal Conselheiro (por ex. a p. 25, a par porém de soomente, por ex. a p. 53), e noutros textos.

soombra, sombra: v, 3, 4 (ssoombra). Os oo são etymologicos: cfr. Estudos de Philol. Mir., ii, 217.

sospeiçom, suspeição: lv, 17 (ssospeyçom).

sosteer, soffrer, aguentar: xli, 4 (ssosteemos).

soterrar, enterrar: xxxiv, 4 (ssoterrado).

sperança, esperança: xx, 11 (speramça).

suso, acima, supra: suso dicto, xxxii, 20; xxxiii, 12; xxxiv, 40. Tambem no Leal Conselheiro se lê suso dictas, p. 89, etc., a par de suso scriptas, p. 14.

 

T

 

tal, na expressão «por tall que nom ladre» = para que não ladre: lii, 4.

talante. Vid. talente.

talente, vontade: l, 2 (talemte); lxiii, 3 (id.). — Alterna com talante em xii, 14 (talamte); xxiii, 10; xxvii, 11 (talamte). Noutros textos portugueses antigos oscillam tambem talente e talante: vid. as observações de Roquete no Leal Conselheiro, p. 267, nota 1. Em hespanhol antigo dá-se o mesmo: «desit me vuestro talante», Arcip. de Hita, Libro de buen amor, ed. de Ducamin, est. 664-c, «sabre vuestro talente», id., est. 676-c. Hoje usa-se ainda em português talante em algumas expressões estereotypadas («a seu talante»), mas não talente.

talhar, cortar: viii, 15, «talhar o collo» = degolar. — Na lingoa moderna usa-se ainda talhar nesse sentido, mas só em certos casos: talhar um fato, talhar o bicho (em ling. pop.), etc.

taxo, teixo, no sentido de fruto do teixo: xxxv, 18 «hũu fruyto que ha nome taxo». Tambem nos fabularios latinos da idade-media se encontra taxum neste sentido[79]. — Para os antigos, a arvore chamada em latim taxus, era de caracter infernal, por ter fruto venenoso. O nosso Fr. Isidoro de Barreira insiste no caracter peçonhento do teixo, e cita as auctoridades da antiguidade romana que o abonam, Ovidio, Plinio, etc.[80]. — No Fabulario taxo é mero latinismo por teixo. Esta palavra hoje usa-se pouco; não foi assim porém outr’ora, pois no onomastico moderno resta ainda do passado Teixedo, Teixeira, Teixello, Teixoso.

teer, ter: 1) em sentido commum, xiv, 11; 2) na expressão «partio-sse das aues, e nom quis teer da hũa parte nem da outra», xxx, 7, i. é: ficar, ser partidario; cfr. fr. tenir pour quelqu’un «ne point abandonner son parti»[81].

terra: 1) synonymo de «alcaidaria», territorio que está sob a alçada do alcaide (vid. esta palavra), xxxiv, 36; 2) synonymo de «reino», xlv, 7, pois alterna com esta palavra, ib., 4.

tiçom, tição: xiii, 10.

tirar, puxar, iii, 13; xlv, 8-9 («tirou fora de ssua espada»). — Cfr. o fr. tirer.

tocar, na expressão «leixa-me tocar teu pulso», xxviii, 8; hoje diriamos «tomar-te o pulso». Cfr. lat. tangere venam, venarum pulsum attingere.

todalas, todas as: xvi, 9. Alterna com todas as. — Propriamente todalas está por toda’las = *todas las, com assimilação do s ao l do artigo arcaico, e absorpção consecutiva.

todo, tudo: xvi, 16.

tolher, impedir, vedar: vi, 13.

trabalhar de, esforçar-se por: xvii, 15, 16; xix, 21.

tras (em), atrás de: xliv («os cãaes corriam em tras ell»). Esta expressão não foi ainda, como creio, archivada nos nossos lexicos.

[travessado, atravessado: viii, 12 (trauessado). Alterna com atrauessar na mesma fabula, l. 3. Vid. o que se disse s. v. «atravessar»].

trautado, tractado: xxi, 8.

trebelhar, brincar saltando: xvii, 4, 7, 8; xviii, 15. Vid. trebelho.

trebelho, brinco: xviii, 16. — Temos em português dois vocabulos nesta fórma, os quaes não devem confundir-se: 1) trebelho, substantivo abstracto e verbal derivado de trebelhar, — é o que se emprega no Fabulario; 2) trebelho, substantivo concreto, — no sentido de peça do jogo do xadrez, etc. De modo que trebelhar vem do subst. concreto trebelho; e o subst. abstracto trebelho, vem, como digo, de trebelhar. O Caturra, no Novo Dicc. da ling. port., confundiu em um só estes dois vocabulos, originariamente distinctos. — Aos textos citados por Viterbo e Moraes, em que se lê trebelho nos dois sentidos, junte-se mais: Vida de Maria Egipcia, sec. xiv, publicada por Cornu[82], p. 16; Demanda do Santo Graall, ed. de Reinhardstoettner[83], p. 14 (trebelho, trabelho, e certamente por êrro trabalho).

treedor, traidor: xvi, 5; xxx, 21. — A fórma treedor presuppõe outras anteriores: *traedor, *traìdor, esta ultima com o dissyllabo (não ditongo), por assentar directamente no verbo trair, de que foi considerada substantivo verbal (agente). A moderna fórma tràidor (duas syllabas) assenta em traditore-.

trelladado, trasladado (partic. de trelladar): prol., 5.

tremeter de, cuidar de, occupar de: xxi, 14.

treiçom, traição: xxx, 13 (treyçom).

tribulaçom, tribulação: xliii, 12; lvii, 14-15.

tribulado, attribulado, dorido: xxvii, 3.

triigo, trigo: xii, 5 (trijguo, 23 (id.); xxiii, 5 (id.), 17 (trijgo), 23 (trijguo). — A fórma triigo encontra-se noutro texto ant., citado por Cortesão, Subsidios para um Dicc., s. v. Se ii tem valor phonetico, poderá admittir-se que a evolução da palavra foi: trītĭcu- > tridigo[84] > *triidgo >triigo.

 

U

(U consoante: vid. v-)
 

u, onde: iv, 12 (hu); xiii, 3 (id.), em que alterna com onde (omde) na l. 4. — Provavelmente u era já arcaismo, pois é raro nestas fabulas.

ũa, uma: passim.

ũu, um: passim. — Os uu são etymologicos: lat. unu-.

usar: 1) teimar, porfiar, permanecer, ser useiro e vezeiro, xxiv, 11; 2) usar com, ter uso com, ter trato com, xxxv, 4, 7 (cfr. hesp. arc. usar con).

 

V

 

vãa, vã: na expressão uãa gloria, xxxiii, 3; e uãas glorias, xxix, 29. O segundo exemplo mostra que estas expressões valem por duas palavras, e não por uma, como hoje.

vaxelo, certa vasilha: xix, 4. Era prato ou outra semelhante, pois o texto diz: hũu vaxelo muy larguo. Esta palavra creio que não está ainda archivada nos nossos lexicos. — Do lat. vascellum, deminutivo de vas «vaso». A mesma palavra existe noutras lingoas romanicas com sentido variado: fr. vaisseau, ital. vascello.

veer, ver: iv, 12; xvi, 3. — Os ee são etymologicos: lat videre > *ve(d)er(e).

vergonça: 1) vergonha, xv, 16 (vergomça); xvii, 17 (id.); 2) = pudenda: xlii, 3. — Do lat. verecŭndia, i. é *ver’gondia, onde -dia, por estar depois de consoante, deu normalmente -ça, como em verça < vir’dia (de vir’dis); cfr. hesp. verguenza.

vérmẽes, vermes: xliii, 14. Presuppõe o sing. vérmẽ, que Viterbo, Elucid., cita como do sec. xiv. — O etymo está no lat. vulg. *vermine-, deduzido de verminosus; cfr. hesp. arc. bierven, ital. vérmine.

vertude, virtude, no sentido de «capacidade», «valor», como virtus em latim: xxx, 10. — A fórma vertude é corrente no sec. xv: em D. Duarte e Azurara; no cod. illuminado n.º 94 da Biblioteca Nacional, tambem do mesmo sec., fl. 90-r, lê-se igualmente vertude; e ella existe ainda hoje na lingoagem do Alemtejo: Vid. Rev. Lusit., ii, 24.

vesso, verso, no sentido de «sentença»: xl, 25. — A mesma palavra, no sentido porém de «verso» ou «versiculo», se encontra nos Ined. de Alcobaça, iii, 12, em um texto já citado por Cortesão, Subsidios, s. v. Esta é a legitima fórma portuguesa, — do lat. versu-, com ss por rs, como em avêsso < adversu-; talvez mesmo vesso se pronunciasse vésso. A fórma vérso é mero latinismo; cfr. persoa. — No sentido de «sentença» ou «adagio» temos em Gil Vicente, iii, 371, verso. Cfr. tambem hesp. arc. viesso[85].

vezinho, vizinho, vii, 2. — É a fórma legitima portuguesa, do lat. vulg. *vecinu-, e toda a gente, que não falla com affectação, assim pronuncia hoje, embora, por influencia do lat. classico, vicinus se escreva vizinho.

vianda, comida: xix, 3. — Gallicismo já antigo.

vĩir, vir: xxix, 32; xl, 14; xliv, 14. — Os dois ii são etymologicos: lat. venire.

vilania, palavra propria de vilão, injuria: «conpeçou a dizer muyta vilania», xxix, 7; «e disse muyta vilania», lxi, 56. — Neste sentido não vem nos lexicos.

villão, camponês, rustico (por opposição a fidalgo): x, 3 (vilãao; liv, 2 (vilãaos). — Cfr. hesp. villano. Ainda hoje na ilha da Madeira villão corresponde a aldeão, çaloio, etc.: Cupertino de Faria, O Archipel. da Madeira, Setubal 1901, p. 152.

vistir, vestir: xxi, 4.

võotade, vontade: xxii, 4. — Os oo são etymologicos: lat. vo(l)untate-.

vurmo: xxvii, 8, na expressão «o pastor .. tirou-lhe a espinha e muyto uurmo que já trazia», á qual corresponde no P.e Manoel Bernardes, Nova Floresta, ii (1708), 159-160, quando se occupa da mesma fabula: «tirey-lhe o abrolho, espremi-lhe o sangue pôdre e materias que já tinha criado», — d’onde se vê qual é a definição de vurmo. Ainda hoje dizemos esvurmar. — Fórma antiga, paralela a vurmo, é brumo. G. Baist, na Zs. für Rom. Philol., xxviii, iii, diz, sem probabilidade nenhuma, que tanto vurmo como brumo podem ter vindo do francês gourme.



Notas editar

  1. Os leitores que quiserem seguir com attenção o que digo no Vocabulario devem numerar as linhas das fabulas (de 5 em 5, por exemplo)
  2. O autor ainda acrescenta: «cfr. na lingoa moderna fàgueiro, onde à (por ser atono, mas aberto) testemunha a antiga duplicidade do a; está por faagueiro.» Vid. Erratas do vocabulario
  3. O autor ainda acrescenta: «cfr. muito algo nos Anciens Textes de Cornu, p. i.» Vid. Erratas do vocabulario
  4. Quando eu citar o Leal Conselheiro, entenda-se que sigo a edição de J.-I. Roquete, Paris 1854 (comquanto não seja isenta de defeitos).
  5. Vid. Die Fabeln der Marie de France, ed. de Karl Warnke, Halle 1898. Cfr. tambem L. Foucet na Zeitsch. f. rom. Philil., XXIX, 316.
  6. No ms. está tambem em duas palavras. Hoje escrevemos antedicto, considerando ante- como prefixo, por isso que ante já não se usa como palavra avulsa.
  7. Digo que a palavra vem de positus, e não de posto, por causa do hespanhol. Em port. arc. ha aposto no sentido de «adequado», por ex. na Lenda de Barlaão e Josaphate (sic), sec. XIV, ed. de Vasconcellos Abreu, p. 6: «deo-lhe . . mancebos autos e apostos»; mas aqui a palavra tem como etymo o lat. appositus «apropriado».
  8. Esta palavra é sem duvida a mesma que armazello, citada por Viterbo, Elucidario, s. v. «santello», como vinda nas actas das côrtes de Lisboa de 1434. Resta porém saber se é effectivamente armazello, ou se estará a por u. Consultando eu sobre o assunto o Sr. Pedro de Azevedo, Conservador da Torre do Tombo, respondeu-me o seguinte: «Não encontro as actas das côrtes de Lisboa de 1434. Mesmo ellas não forma em Lisboa, mas sim em Leiria e depois em Santarem (J. P. Ribeiro, Memoria sobre as Fontes do Codigo Philippino nas Memorias de Litterat. Port., II, 80). D’estas côrtes ha uma certidão de bastantes capitulos no cartorio da Camara do Porto». Na Bibliotheca Nacional de Lisboa, secção dos Manuscritos, existe uma cópia das actas das mencionadas côrtes de Santarem, segundo a citada certidão da Camara do Porto, mas, num rapido exame que nella fiz, não encontrei lá infelizmente nenhuma das fórmas da palavra de que se trata. — Esta é possivel que desapparecesse do uso geral; pelo menos não a encontro no glossario do Estado Actual das Pescas em Portugal, de Baldaque da Silva, Lisboa 1891. No Dicc. da Ling. Port. de Fonseca & Roquete vem, como palavra arcaica, armasello (com s), a que se dá a seguinte definição: «armadilha ou rede de pesca»; mas provavelmente isto baseia-se no Elucidario. O Caturra, no Novo Diccionario, s. v. «armasêlo», repete, resumindo-o, o que diz o Dicc. precitado; só não appõe á palavra nota de arcaismo. — Já depois de composto na imprensa o que fica dito, se publicou outro texto em que se lê armuzello, no sentido de «anzol»: vid. Rev. Lusit., VIII, 247 (texto do sec. XIV). Em vista de esta repetição da fórma armuzello, com u, é possível que o armazello do Elucidario seja inexacto, e portanto os armasellos dos diccionarios que o copiaram. — Talvez armuzello derive do lat. hamus «anzol» por cruzamento com a palavra armar (e armadilha). Incidentemente notare que ancinho (variante popular encinho) me parece resultar do cruzamento de hamus ou *hamicinus com uncinus (que vive no it. uncino), d’onde viria *(h)ancinus, que explica juntamente o it. ancino. A mesma familia pertence anzol, e pertencerá tambem engaço (gall.angaço, hesp. angazo).
  9. O autor ainda acrescenta: «O vocabulo armuzello talvez signifique no nosso texto «anzol».» Vid. Erratas do vocabulario
  10. Dozy & Engelmann, Glossaire des Mots Esp. et Port. deriv. de l’Arabe, Leiden 1869, p. 286.
  11. Como em VIII, 12, a phrase é na guargamta trauessado, poderia puppôr-se que trauessado estaria por atrauessado, tendo havido na escrit fusão do primeiro a com o a final de guargamta; todavia Moraes cita travessar, e ha em gallego ant. travessar, em hesp. ant. travesar em fr. traverser, etc.
  12. Se na lingua actual existe (pop.) e boa, que correspondem a boo, a par de bom e bõa (pop.), que correspondem a bõo, não admira que no ms. se encontre boo conjuntamente com bõo. Hoje é ainda frequente em Lisboa ouvir á mesma pessoa (nas proprias classes que tem certa educação) bõa a par de boa. E quantas incertezas não temos na orthographia, correspondentes ás incertezas da pronúncia? Por ex.: noite e noute; Doiro e Douro. Nas nasaes citarei lage (fórma usual) a par de lagem (que tambem tem algum uso,e que é mesmo dada pelo Dicc. de Rimas de E. de Castilho e por outros). Igualmente é frequente em Lisboa, até na gente culta, menza (que porém não se escreve) concomitantemente com mesa.
  13. Restitui b[raa]darey, com dois aa, e não com um, porque o espaço os exige.
  14. Tradução do castelhano: cãozinho ou gato esbranquiçados
  15. Tradução do castelhano: cão fraldiqueiro
  16. Dicc. de la Leng. Cast. da Acad. Hesp., s. v.; Nuevo diccion. de R. Barcia, s. v.
  17. A fórma legemos = leguemos é de origem litteraria (a fórma popular que lhe corresponde é liemos), e por isso nunca ahi g podia ser palatal; o conjunctivo baseia-se em legar, por analogia com os outros conjunctivos da 1.ª conjugação.
  18. Neste caso e em burges, Viterbo escreve por êrro z em vez de s.
  19. Vid.: Dicc. da Acad. Hesp., s. v.; M. Pidal, Gram. Hist. Esp., Madrid 1904, p. 126; Meyer-Lübke, Gram. der Rom. Spr., II, § 473.
  20. Em português moderno (pelo menos na Beira), cerrar, fallando de porta ou janella, significa «fechar incompletamente», «encostar»; mas na fabula de que se trata, çarrar significa «fechar completamente», como o hesp. cerrar.
  21. Anciens Textes Portugais, publicados por J. Cornu, Paris 1882 (extr. da Romania, XI), p. 25.
  22. Cap. XXXII, p. 190.
  23. Por ex., na Vida de Eufrosina (sec. XIV): «quem foy aquel que espadaçou a minha cordeyra?» em Cornu, Anciens Textes Portugais, p. 6.
  24. Convem a este proposito observar o seguinte: Em algumas terras da Beira-Baixa (Fozcôa) e do Baixo-Minho (Braga, Guimarães) não se usa a palavra cordeira, e sómente cordeiro (ou cordeirinho), que tanto se applica ao macho, como á femea: os cordeiros; todavia no Minho o mais vulgar é anho, anha (anhinho, -a); e em Fozcôa ha borrêgo e borrêga, com quanto estes nomes se dêem a animaes um pouco mais velhos que o cordeiro. — Em hesp. ha cordero, -a; em mirandês cordeiro, -a. Quanto ao gallego, os diccionarios só citam cordeiro (Javier, Piñol, Valladares); não encontro nelles cordeira.
  25. Cfr. o seguinte exemplo em Phedro, Fabul., I, XXI, 8-9:
    … Asinus, ut vidit ferum
    Impune laedi, calcibus frontem extudit.
  26. Vid. Ined. de Alcobaça, II, 268 e 109, fórmas já colligidas por Cortesão, Subsidios para um Dicc. da Ling. Port., s. v.
  27. A formação é comtudo irregular, porque os adj. em -bilis são formados de verbos, e o e de flebilis e delebilis pertence ao thema: fle-bilis, dele-bili-s (thema ampliado); ao passo que crudelis é formado do adjectivo crudus, com o suffixo -eli-s. Neste caso o povo regulou-se apenas pela terminação, e substituiu élis por ébilis.
  28. Num documento do sec. XVI encontro expressamente dereito deuino: «do arroz dous dizimos, hũ que he dereito deuino, que eu tenho por bulla do santo padre, e outro dizimo de direito (sic) a [prepos., ou por á] minha fazenda». Vid. Archivo Hist. Port., I, 380.
  29. Este testamento foi publicado pelo Sr. Pedro de Azevedo na Rev. Lusit., VIII, 80 ss. O trecho que cito vem a p. 82. Repete-se a phrase a p. 83.
  30. Cap. XVIII, p. 110.
  31. Cap. XVIII p. 111.
  32. Cap. LXXXVIII, 426. — No cap. LXII, p. 236, dinheiros póde porém tambem estar no sentido geral de «moedas». — O dinheiro era uma moeda antiga.
  33. Arcipreste de Hita, Libro de Buen Amor, ed. de Ducamin, Tolosa 1901, est. 255.
  34. O i por e, tanto em port. como em hesp., é provavel que resulte de influencia do de discrimen, discriminare; o cl das fórmas usadas por D. Duarte resulta da oscillação que na lingoa antiga havia entre esse grupo de sons e cr, oscillação motivada originariamente pela phonetica (cfr. craro, claro; cramol, cramor, clamor), embora depois influisse nella a analogia falsa, como aqui. Escusado seria notar que todas as fórmas que cito nesta nota e no texto são de origem litteraria.
  35. Poema de Fernan Gonzalez, ed. de Marden, Baltimore, 1904, p. 49, est. 339 a:
    No se omne en el mundo que (lo) podies[s]e endurar.

    Incidentemente notarei que este verso me parece dever corrigir-se assim:

    No se omne en el mundo que-l' podies[s]e endurar.
  36. Vid. Das Liederbuch, ed. de Lang, Vocabulario, s. v. endurar.
  37. Cod. illuminado, nº 94.
  38. Libro del Sabio Ysopo, Sevilha 1533, fab. XI, fls. XVIII-r.
  39. Cornu, Anciens Textes Portugais, p. 29.
  40. Poema de Fernan Gonçalez, est. 349-d:
    Dellos toman enxyenplo los que han de venir.
  41. Vid. Viterbo, Elucidario, s. v. er e her. Viterbo (como J. Pedro Ribeiro já notou) interpretou inexactamente er por pronome pessoal ou demonstrativo.
  42. Romania, IX, 580. Cfr. o mesmo periodico, XI, 87, onde junta exs. de er na linguagem dos personagens populares dos Autos de Gil Vícente.
  43. Meyer-Lübke, Gram. der Rom. Spr., II, § 613, III, § 492.
  44. Fl. 181-v.,b: apud Cornu, Romania, XI, 93. — Outro exs., no texto impresso, pp. 63 e 98. Este ultimo é: «porque sentya que lhe errára do que auja feito».
  45. Dicc. da Academia Hespanhola.
  46. Cf. sobre os substantivos verbaes em geral, os meus Respigos Camonianos, I, Lisboa 1904, pp. 41—43.
  47. Dicc. da Acad. e Dicc. de Moraes, s. v. — Em hesp. ant.: «atreuiendo-me en la uuestra mesura», — Crónica general, cap. XXXVI, ms., apud Marden, Poema de Fernan Gonçalez, Baltimore 1904, p. 156.
  48. Cornu, Anciens Textes Portugais, p. 32.
  49. Fedentinha significa «mau cheiro» (subst. fem.); e applica-se tambem a uma pessoa ruim de aturar («é um fedentinha»): Beira-Alta, Baixo-Douro. Nas mesmas duas accepções se emprega fedença («está aqui uma fedença», B.-Alta e B.-Douro: «F. é um fedença», B.-Douro»). Quanto a fedentinho, -a, significa no Baixo-Douro «desageitado», «mal feito», «mal arranjado» (por ex. «cousa fedentinhosa»). — Á mesma familia de palavras pertencem estas: fedanho (= fedenho) «importuno», e fedanhar (= fedenhar) «importunar», ambas usadas em Moncorvo, e a phrase á fedoca «desajeitadamente» dada pelo Caturra no seu Dicc. (o Caturra diz que fedoca vem de foedus, mas contra isto protesta o -D- intervocaiico). Cfr. tambem o gall. fedento.
  50. Docum. Gallegos de los sigl. XIII al XVI, n.º 2, linha 23 (p. 2).
  51. Docum. Gallegos de los sigl. XIII al XVI, p. 121, etc.
  52. Dicc. da Ling. Port., s. v. «fundo».
  53. Documentos mss., que publicarei noutro logar. — Cfr. Moita Fundeira, como quem dissesse «Moita de Fundo», isto é «Moita de Baixo», nome de um logar no concelho da Sertã.
  54. Bartsch, Chrestomathie Provençale, 5.ª ed., I 10-42.
  55. Entre grou (por *gruus, *gruu-) e grua ha o mesmo parallelismo phonetico que entre dous e duas.
  56. Otto Klob na Rev. Lusit., VI, 336. Provavelmente deve ler-se ieiũus.
  57. Vid. Cortesão, Subsidios para um Diccionario, s. v.
  58. Loc. cit., p. 264. Este artigo foi reproduzido na Hist. da Adm. Publ. em Portugal, II. — Cfr. tambem Pedro de Azevedo, no Archivo Hist. Port., I, 290.
  59. Entre mancipium «servo» e moço «joven» ha a mesma relação sematologica que entre moço «serviçal» e moço «joven».
  60. Cortesão, Subsidios para um Dicc., s. v.
  61. Dicc. de la Leng. Cast. (da Acad. Hesp.), s. v.
  62. A fórma normal em port. devia ser maestro, como em hesp. e ital. A par de maestro, ha maestre em hesp., mas noutro sentido. Provavelmente o nosso obsoleto maestre, d’onde saiu meestre, e por fim mestre, vem do hesp. maestre ou do fr. arc. maiestre. De facto, nos exemplos que conheço do uso antigo de mestre em português, como mestre-sala, mestre no sentido de «médico», mestre do Templo, etc., a palavra relaciona-se com instituições sociaes, e podia pois vir de fóra com ellas. No sentido moderno de «mecanico», dizia-se antigamente mesteiral.
  63. Flamenca, 2.ª ed. (P. Meyer), v. 3023.
  64. Leal Conselheiro, p. 192.
  65. Cancioneiro de Resende, 1.ª ed., fol. XXV-r, col. 1.ª, verso 10. Sirvo-me do magnifico fac-simile feito pelo Sr. Archer M. Huntington.
  66. Foral da ilha de S. Thomé dado por D. João III em 1524, fl. 4: ms. da Torre do Tombo, gav. 7, maço 16, n.º 4. Este texto foi-me indicado pelo Sr. Pedro de Azevedo.
  67. Do mesmo Foral citado na nota antecedente, fl. 5-v.
  68. Hoje na Extremadura diz-se em próclise nhuma (vid. os meus Dialectos Extremenhos, I, 35); mas esta fórma, que resulta de n’nhuma < nenhuma, nada tem com a do Fabulario
  69. Centinella contra os Judeus, trad. por Pedro Lobo Correia, Lisboa 1710, p. 152; mas a 1.ª ed. é de 1688.
  70. Sobre o sentido pejorativo que esta palavra póde ter tido, cfr. Jaberg, na Zeitsch. f. rom. Philol., XXVII, 54.
  71. Livro de buen amor do Arcipreste de Hita (ed. de Ducamin), est. 252-d.
  72. P. 59.
  73. D. Duarte, Leal Conselheiro, p. 135.
  74. Vid. Dict. génér. de la langue fr., s. v.
  75. O texto diz:
    s’en breu d’ora no m’autreyatz
    que, s’el vos ama, vos l’amatz.


    A locução de que trato não vem assignalada no glossario da Chrestomathie.

  76. Marcação bibliotecal:
    ant.73

    mod. 182
  77. A cantiga contém um êrro geographico, pois Crasto (que ahi soa Acrasto) não fica em Trás-os-Montes; ella porém é mera adaptação local de outra que começa:
    O Villa Real alegre,
    Provincia de Trás-os-Montes.

    O povo attendeu só á rima, e não ao sentido.

  78. Tambem no Canc. de D. Denis, ed. de Lang: nulha cousa, v. 153; nulha sazom, v. 568; nulha rem, v. 1042; nulha rem «nada», vv. 677, 1179, etc.; per nulha rem, vv. 683, 689. Cfr. expressões analogas em provençal (Bartsch & Koschwitz, Chrestomat., Marburgo 1904): si m’escomet de nulla ren, col. 272-1; per nuilla ren, col. 75-18; no i pot nulla ren parlar, col. 273-21; qu’en nulla sasom non pejura, col. 271-18. Assim como hoje na nossa lingoa literaria ha muitos francesismos, tambem na dos trovadores havia certos provençalismos. Digo que nulha rem (ou ren) será um d’elles, por isso que o lat. nulla não podia dar nulha em port. (a geminação -ll- deu -l-); discordo pois de J. Cornu, Gram. der port. Spr., 2.ª ed., § 129. Sobre o lh prov., cfr. Romania, xxxiv, 334.
  79. Vid. Fabulas do Anonymys Neveleti (= Walter Anglicus) no Lyoner Yzopet, ed. de W. Förster, Heilbronn 1882, p. 126, fab. xlix, v. 13; «vitat auis taxum». Alguns mss. tem toxum e tantum (vid. loc. cit., nota; e Hervieux, Les Fabulistes latins, i, 2.ª ed., 342).
  80. Tratado da significação das plantas, Lisboa 1698, pp. 329-330 (a 1.ª ed. é de 1622).
  81. Dict. génér. de la lang. fr., t. ii, p. 2136, col. 2, in fine.
  82. Anciens textes portugais, Paris 1882, extr. da Romania, vol. ix.
  83. Vienna de Austria 1887.
  84. Representado pelo hesp. ant.: vid. Pidal, Gram. Hist., 2.ª ed., § 96-1.
  85. Vid. D. Carolina Michaëlis, in Festschrift Adolf Tobler, 1905, p. 21 e nota 3.