O Sr. Laudelino Freire escreve-me a seguinte carta:

"Ilustre Confrade. Satisfazendo o seu desejo, aqui lhe dou as respostas que me pede:

As minhas primeiras leituras, na época em que estudava preparatórios (1885-1890), foram feitas em almanaques, seletas e pequenos manuais enciclopédicos, de que me resultaram os primeiros conhecimentos com os autores nacionais e portugueses mais em voga. Recordo-me do entusiasmo, ainda hoje conservado, com que lia e decorava as poesias de Castro Alves, Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo, Fagundes Varela, Tobias Barreto, Casimiro de Abreu, Guerra Junqueiro, Tomás Ribeiro...

Estudante de filosofia, preparatório então exigido, comecei a estudar Barbe e Pelissier, sentindo mais se me despertar o gosto pela literatura com as lições do padre Honorato, livro que sobraçava na aula de retórica; com o Curso de literatura, de Melo Morais Filho; com os romances de José de Alencar, Os Miseráveis, de V. Hugo...

Depois as minhas leituras se foram voltando para João Ribeiro, cujas gramáticas acabavam de aparecer; Sílvio Romero, que se tornara mestre com a publicação da história da literatura brasileira, Tobias Barreto, C. Castelo Branco, Eça de Queirós, Alexandre Herculano, Rui Barbosa, Teófilo Braga, Taine, Spencer, Buckle, Montesquieu, Kant, Comte...

Dou preferência ao capítulo segundo do livro intitulado — Sílvio Romero; ao estudo sob o título de um crítico, do livro — Um Crítico de um poeta; e os ensaios — Intuição Científica da História.

Quanto à prosa no Brasil, é assinalável não pequeno progresso nos últimos anos. Observa-se presentemente bem pronunciada tendência para o apuro da língua, salientando-se nessa propaganda os nomes de Rui Barbosa, Heráclito Graça, João Ribeiro, Cândido de Figueiredo e outros.

Pode ser indicado o nome de Pacheco Júnior, o último, cronologicamente falando, dos velhos mestres, como o iniciador de uma fase inteiramente nova para a filologia indígena, imprimindo-lhe uma orientação muito diversa da que até então era seguida — orientação que foi largamente firmada por Júlio Ribeiro, João Ribeiro, Maximino Maciel, Alfredo Gomes e outros gramáticos de nota.

Ao meu ver, os melhores dos prosadores atuais são: Rui Barbosa, Carlos de Laet, Machado de Assis, Coelho Neto, João Ribeiro, Medeiros e Albuquerque, Alcindo Guanabara, Olavo Bilac, Artur Azevedo...

No romance nada de novo observo, no momento atual; nenhuma movimentação de idéias há que se traduza em escolas definidas. Apenas vagas aspirações para o romance social, que só mais tarde, com uma maior aceitação das correntes socialistas que convulsionam as sociedades européias, poderá frutificar entre nós. Continuo a preferir os velhos romancistas — Macedo, Alencar, Machado de Assis, Taunay, Aluísio... — ao que atualmente surge sob as formas aparentes de idealizações humanas e sociais.

Na poesia é incontestável o nosso estacionamento. Os mais notáveis representantes da poesia atual ainda pertencem a essa geração de poetas que, nascidos há pouco mais da metade do século findo, começaram a vicejar dos últimos anos da década de 1870 em diante. Geração que despontava para o encontro de novas formas de estética, que em França surgiam e repercutiam entre nós, cabia-lhe manter a elevação dos últimos românticos, sem quebra de continuidade, ou sem interromper a ligação existente entre as cousas sucessivas, como diria Taine, verificando um dos elementos da sua lei das condições. Era com efeito um grupo que irrompia forte e vigoroso pelo talento, do qual outros poderiam ser indicados além de — Artur Azevedo, Foutoura Xavier, Correia de Azevedo, Teófilo Dias, Batista Massena, Augusto de Lima, Múcio Teixeira, B. Lopes, João Ribeiro, Alberto de Oliveira, Ciridião Durval, Afonso Celso, Raimundo Correia, Martins Júnior, Luís Murat, Xavier Marques, Rocha Filho, Cruz e Sousa, Adolfo Caminha, Teotônio Freire, Francisco Lins, Olavo Bilac, Adelino Fontoura, Alexandre Fernandes, Guimarães Passos, Emílio de Menezes, Bento Ernesto Júnior... Estes nomes garantiriam à poesia o mesmo vigor, a mesma exuberância com que ela vinha revestida, se não lhes fosse dado surgirem precisamente num momento de temerosa crise para a arte, que se sentia sacrificada ao surto de correntes várias e indecisas, de escolas não definidas, de embates mal dirigidos e extravagâncias curiosas. O ideal artístico ressentira-se em meio de tantas lutas e reações desencontradas, e a arte em si mesma muito perdera do que lhe é condição essencial — a sinceridade. E daí as manifestações contrafeitas e desvirtuadas.

Não é fácil definir as feições literárias posteriores ao romantismo; mas só o tentássemos, buscando os sentimentos que os inspiraram e as causas ou idéias aparentes que as justificam, talvez bem pouco apurássemos da sinceridade delas. Os seus atuais representantes, esses que se intitulam parnasianos, realistas, naturalistas, cientificistas ou místicos de qualquer espécie, pecam por essa mesma falta de sinceridade do ideal que os possa conduzir. Conseqüência talvez mais decorrente da própria crise que a poesia atravessara nos ardores da reação contra o romantismo, do que da falta de aptidões e qualidades dos novos cultores, o que fica plenamente evidenciado é a inferioridade crescente da nossa produção poética. E não será temerário afirmar que, à medida que a poesia se distancia do derradeiro período romântico, menos valiosos se vão tornando os seus produtos, menos belos os seus cantores, e mais incompreensíveis e obscuros os seus pensamentos.

Não observo semelhante tendência, e julgo difícil a formação de literaturas à parte entre nós.

Devo lembrar, entretanto, a tentativa de Franklin Távora para criar a Literatura do Norte, cujos moldes não podem ser, segundo lhe parecia, os mesmos em que vai sendo vazada a literatura austral que possuímos.

Norte e Sul, dizia, são irmãos, mas são dois. Cada um há de ter uma literatura sua, porque o gênio de um não se confunde com o gênio do outro. Cada um tem suas aspirações, seus interesses, e há de ter, se já não tem, sua política. Devem também ser lembradas a Padaria espiritual, do Ceará, e a Oficina dos Novos, no Maranhão.

O jornalismo não deixa de ser um fator importante para o desenvolvimento literário. No Brasil, porém, as condições do meio ainda não permitem que a imprensa consagre à literatura o apreço que fora para desejar."