No dia combinado, às seis horas da manhã, acharam-se Manuel e Raimundo a bordo do vaporzinho Pindaré, pertencente à então Companhia Maranhense de Navegação Costeira.

Fazia um tempo abrasado, muito seco, cheio de luz. A viagem era incômoda, pela aglomeração dos passageiros, os quais, no dizer sediço de um de bordo, iam "como sardinhas em tigela".

Tudo aquilo, no entanto, estava muito melhor... considerava Manuel. Agora já se podia viajar facilmente pelo interior da província!... Dantes é que a navegação do Itapicuru tinha os seus quês!...

E passou a narrar circunstanciadamente as dificuldades primitivas da ida ao Rosário. "Aquela companhia, assim mesmo, viera prestar grandes serviços à província!... Deixasse lá falar quem falava, o único inconveniente que ele via era a — baldeação no Codó! — Isso sim! Tinha o que se lhe dizer, e devia acabar quanto antes!"

— Felizmente, concluiu, o Rosário é a primeira estação e não temos de sofrer a maldita maçada!

Ao anoitecer saltaram na Vila do Rosário, em companhia de um antigo conhecido de Manuel, ali residente havia um bom par de anos. Era um portuguesinho de meia-idade, falador, vivo, brasileiro nos costumes e trigueiro como um caboclo.

— Venha cá pra casa e pela manhãzinha seguirá o seu caminho, oferecia ele ao negociante. Sempre lhe quero mostrar o meu palácio!

Foi aceito o convite, e os três puseram-se a andar, de mala pendurada na mão.

— Sabe você, ia dizendo o homenzinho, toda aquela baixa que pertencia ao Bento Moscoso? pois isso fica-me hoje no quintal! Arrecadei a fazenda da viúva por uma tuta e meia e hoje está produzindo, que é aquilo que você pode ver! O meu projeto é levantar uma engenhoca aí perto, onde fica o igarapé do Ribas; quero ver se aproveito as baixas para a cana, percebe?

E dissertava largamente sobre a sua roga, sobre as suas esperanças de prosperidade, censurando medidas mal tomadas pelos vizinhos; afinal atirou a conversa sobre o Barroso. Barroso era a fazenda no para onde se dirigiam os outros dois.

— São boas terras, são! Muito limpas, muito abençoadas! O que foi que levantou o Luís Cancela? E é verdade! se me não engano, creio que ele uma ocasião me disse que foi você quem lhas aforou. Não é isso?

— É exato, respondeu Manuel.

— Ah! são suas?...

— Não! São deste amigo.

E Manuel indicou Raimundo, que nesse momento contratava, com um homem que se mandou chamar, os cavalos para a viagem no dia seguinte.

— São muito boas terras!... o outro. O Cancela já por várias vezes tem-nas querido comprar.

— Compra-as agora.

E chegaram a casa.

— A minha gente está toda fora, declarou o roceiro. Mas não faz mal, temos aí de sobra com que passar. Ó Gregório!

— Meu senhô!

Veio logo um preto velho, a quem ele se dirigiu para dar as ordens em voz baixa.

A noite, ao contrário do dia, fizera-se fresca. Depois da ceia, cada um se estendeu na sua rede, preguiçosamente. Raimundo queixava-se de pragas e maruins; Manuel meditava os seus negócios, toscanejando, e o portuguesinho não dava tréguas à língua: falava daquelas terras com um entusiasmo progressivo; contava maravilhas agrícolas; mostrava-se fanático pelo Rosário. E, no empenho da conversa, arrastado, chegava a mentir, exagerando tudo o que descrevia.

Raimundo interrompeu-o, para saber se ele conhecia a antiga fazenda São Brás.

— São Brás!...

E o homenzinho levantou-se da rede com um espanto.

— São Brás! Se conheço! E por aqui V.Sª não encontra quem não saiba a história dela!...

O outro ardia de curiosidade.

— Tenha então a bondade de contar-ma, pediu, assentando-se. Como vou andar por essas bandas...

Manuel adormeceu.

— Pois V.Sª não sabe a história de São Brás?... Valha-o Deus, meu caro senhor, que podia cair em algum malfarrico; mas eu vou ensinar-lhe a reza que aprendemos com o nosso santo vigário. Olhe! quando V.Sª topar uma cruz na estrada, apeie e reze, e ao depois siga o seu caminho por diante, repetindo sempre:

"Por São Brás! Por São Jesus! Passo aqui, Sem levar cruz"

Até avistar as mangueiras do Barroso: daí à riba pode seguir descansado, que lá não chega chamusco!

— Mas por que toma a gente tais precauções?

— Ora aí está onde a porca torce o rabo! E por causa do diabo de uma alma danada, que empesta essas garagens... Eu conto a V.Sª!

E o homenzinho, engolindo em seco, contou prolixamente que São Brás, ou Ponta do Fogo, como dantes lhe chamavam, fora noutro tempo lugar de terras boas e férteis, onde se podia plantar e colher muito, que abençoadas eram elas pelas mãos de Deus. Mas, que uma vez aparecera por lá o célebre assassino Bernardo, terror do Rosário e sobressalto dos fazendeiros, e, depois de uma vida errante pelo sertão, roubando e matando, meteu-se na Ponta do Fogo e aí estourou. E desde então nesse desgraçado lugar nunca mais vingara fruto que não tivesse ressaibo de veneno, nem medrara planta sem mitinza; as águas deixavam cinza na boca, a terra, se a gente a colhia na mão, virava-se em salitre, e as flores fediam a enxofre; mas, quem comesse desses frutos, se deitasse nesse chão, se banhasse nessas águas e cheirasse aquelas flores, ficava por tal modo enfeitiçado, que não havia meio de arrancá-lo dali, porque o diabo tinha untado o fruto de mel, e perfumado as flores e amaciado a relva, para engodar o caminheiro incauto.

— Foi isso, continuou, o que sucedeu ao pobre José do Eito, quando se meteu por cá — enfeitiçou-se! Eu era muito novo nesse tempo, mas bem me lembro de o ter visto tantas vezes, coitado! todo amarelo, morrinhento e resmungão, que logo se adivinhava que o diabo lhe pregara alguma! E sempre andou assim!... um dia morreu-lhe a mulher de repente, e ele pouco depois foi varado por um tiro, que nunca mais ninguém soube donde veio. Daí em diante São Brás ficou tapera. No lugar em que morreu o José levantou-se Uma cruz, e todos os que passam por lá rezam por alma do desventurado, até encher certa conta de orações, com que ela possa descansar!... Enquanto isso não chega, vaga pela tapera a pobre alma penada, de dia que nem um pássaro negro, enorme, que canta a finados, e de noite vira-se numa feiticeira, que dança e canta, rindo como as raposas. Quando algum imprudente atravessa perto, a feiticeira o persegue de tal feitio, que o infeliz, se não estiver montado, ela o pilha com certeza!

— E se o pilha?

— Se o pilha?... Ah, nem falar nisso é bom! Se o pilha, vira-se logo toda em ossos e cai-lhe em riba, com tal fúria de pancadas, que o deixa morto!

— E depois?

— Depois, volta a alma para penitência, tendo perdido, por cada pancada que deu, vinte coroas de padre-nossos. Quando V.Sª for amanhã é bom levar na sela do seu cavalo um galhinho de arruda, e ao depois de rezar à cruz, vá sacudindo sempre até as mangueiras do Cancela, sem nunca parar com a reza que lhe ensinei!

— Sim, sim, mas diga-me uma coisa: esse José do Eito não se chamava José Pedro da Silva?

— Justo! V.Sª o conheceu?

— De nome.

— Pois eu conheci, perfeitamente. E, a pedido de Raimundo, o portuguesinho descreveu o tipo José, e contou o que sabia da vida dele. O rapaz escutava tudo com um interesse religioso; não queria perder uma só daquelas palavras; mas tinha, muitas vezes, que interromper o narrador, para lhe fazer perquntas, a que o outro respondia em parêntesis rápidos.

— Pois a D. Quitéria Santiago morreu pouco antes do marido; eu fui vê-la! e olhe V.Sª que, de bonitona que era, ficou horrível. Estava mais roxa que uma berinjela!

— Não tinha filhos?

— Nunca os teve.

— Nem o marido?... Sim... este podia ter algum filho natural...

— Não, que eu saiba, não tinha.

— Nem consta de alguma parenta, que vivesse na fazenda em companhia do José?...

— Sei cá, mas...

— Alguma irmã de D. Quitéria, ou talvez alguma amiga, hein? Veja se se lembra...

— Qual o quê!... Viviam ao contrário muito sós! D. Quitéria a única parenta que tinha era a mãe; esta andava sempre de ponta com o genro e não saia da sua fazenda, que vem a ser aquela em que está hoje o Cancela — a fazenda do Barroso! É verdade! sabe quem pode informar bem estas coisas? é o Sr. Vigário! ele ainda vive na cidade; hoje é cônego. Pois era muito unha com carne do José do Eito.

— O cônego Diogo?...

— Justamente! Ele é que era o vigário desta freguesia. Ora quanto tempo já lá vai!...

— Ah! O cônego Diogo era o vigário desta freguesia, e muito da casa das Santiagos?...

— Sim senhor! E ele está aí, que a quem quiser ouvir as voltas que deu para desencantar São Brás! Coitado! nada conseguiu e quase que ia sendo vítima da sua boa vontade!

— Ele também acreditava na feitiçaria?

— Se acreditava! Pois se ele a viu, que o disse! E olhe V.Sª que o cônego não é homem de mentiras! Afimava que havia em São Brás uma alma danada, e não gostava até que lhe falassem muito nisso!... Proibia-o expressamente, sob pena de excomunhão! Se acreditava? É boa! Por que foi então que ele abandonou a paróquia, tendo aqui nascido, gozando da mais alta consideração e recebendo, como recebia, presentes e mais presentes de toda a freguesia?... Eram bois, carneiros, capados, muita criação. Ele está aí na cidade, que o diga!

Raimundo caía de conjetura em conjetura.

— Ele era então bastante amigo do José da Silva? o cônego?

— Se era, coitado! Amigo e muito bom amigo!... Quando assassinaram o pobre homem, o senhor vigário nem quis espargir-lhe a água benta; mandou o sacristão! Não podia encarar com o corpo do José! E, veja V Sª , meteu-se em casa, e pouco nada apareceu, até que se retirou para sempre cá da vila! Todos nós sentimos deveras semelhante retirada; estávamos tão acostumados com ele!... Eu, nesse tempo, trabalhava nas terras do coronel Rosa; tinha os meus vinte anos e ainda estava solteiro; assisti a tudo, meu rico senhor! Lembra-me como se fosse ontem! A fazenda, essa foi logo abandonada; ninguém quis saber mais dela, pois, todas as noites, quem passasse por ai, ouvia gritos medonhos, de arrepiar o couro!

— Mas, além do José e da mulher, quem mais morou nesse lugar?

— Or'essa! a escravatura e o feitor.

— Não. Digo senhores.

— Ninguém mais.

— Ah, é verdade! O José era feliz com a mulher? Viviam bem?...

— Qual! Pois se lhe estou a dizer que aquelas terras são terras do diabo! Viviam que nem o cão com o gato! O cônego, ainda assim, era quem os acomodava, dando-lhes conselhos e pedindo a Deus por eles!

E Raimundo perdia-se novamente em conjeturas. "Sempre sombras!... Sempre as mesmas dúvidas sobre o seu passado!..."

A conversa afrouxou. O portuguesinho deitou-se, e depois de uns restos de palestra, vaga e bocejado, adormeceu. Raimundo sonhou toda a noite.

Às quatro da madrugada estavam de pé, selados os cavalos, cheio o farnel para a viagem, e o guia montado.

Partiram às cinco horas.

Logo que os dois, e mais o guia, se acharam em caminho, Raimundo procurou entabular a mesma conversação que tivera na véspera com o roceiro; queria ver se conseguia arrancar de Manuel algum esclarecimento positivo sobre os seus antepassados. Nada obteve; as respostas do negociante eram, como sempre que o sobrinho lhe tocava nisso, obscuras, difusas, entrecortadas de pausas e reticências. Manuel falou-lhe no cônego, na cunhada, no mano José, e em mais ninguém. A respeito da mãe de Raimundo — nem a mais ligeira referência. "Ora adeus!... Estou sempre na mesma!..." concluiu o moço de si para si e fez por pensar noutra coisa. O fato, porém, é que ele, apesar do seu temperamento de artista não tinha uma frase para as belas paisagens que se desenrolavam diante de seus olhos. Ia cabisbaixo e preocupado.

Jornadearam em silêncio horas e horas. De vez em quando o guia, com o seu de sertanejo, levava-os a uma fazenda ou a um rancho, onde os três descansavam e comiam, para tomar logo a cavalgar por entre as melancólicas carnaubeiras e pindovais da estrada. Raimundo sentia-se aborrecido e impacientava-se pelo fim da viagem. Seu maior empenho era visitar São Brás; propôs até que se fosse lá primeiro, mas o negociante declarou que era impossível. "Não tinham tempo a perder!..."

— Na volta, doutor, na volta, acrescentou, sairemos bem cedo e daremos um pulo até lá. Lembre-se de que nos esperam, e não seria razoável bater fora de hora em casa de uma família. O outro consentiu, praguejando entre dentes contrariado e cheio de tédio: "Que grandíssima estopada! O diabo da tal fazenda do inferno parecia fugir diante deles!..."

— Não se rale, patrãozinho! É ali quase! disse compassadamente o guia, espichando o beiço inferior. Meta a espora no animal, que talvez chegaremos com dia!

— Ah! suspirou Raimundo, desanimado por ver o sol ainda alto e compreender que tinha de caminhar até à noite.

E deixou-se cair numa prostração mofina, a fitar as orelhas do burro, que arfavam com a regularidade monótona das asas de um pássaro voando.

— Cá está! exclamou Manuel, duas horas depois, chegando a um lugar mais sombrio do caminho.

— Que é? ia perguntar o moço quando deu por sua vez com uma cruz de madeira, muito tosca e arruinada. Ah!

— Foi neste lugar assassinado o José!...

Todos pararam, e o guia apeou-se e foi rezar de joelhos ao cruzeiro.

— Reze pela alma de seu pai, meu amigo. Neste lugar foi ele varado por uma bala.

— E o assassino? perguntou Raimundo depois de um silêncio.

— Algum preto fugido!... até hoje nada se sabe ao certo... mas dizem que nisto andou unha política... outros atribuem o fato ao diabo. Bobagens! ...

Raimundo apeou-se e indagou se o pai estava enterrado ali.

Manuel, já de pé, respondeu que não. Enterrara-se no cemitério da fazenda, ao lado da mulher. Aquela cruz, explicou ele, era um antigo uso do sertão; servia para mostrar ao viajante o lugar onde fora alguém assassinado e fazê-lo rezar pela alma da vítima, como ali estava praticando aquele homem.

E apontou para o guia, que, terminada a sua oração, levantou-se e foi colher um ramo de murta, que depôs aos pés da cruz.

Raimundo sentia-se comovido. Manuel, de joelhos, cabeça baixa e chapéu pendurado das mãos postas, rezava convictamente. Ao terminar surpreendeu-se por saber que Raimundo não tencionava fazer o mesmo.

— O quê? Pois então o senhor não reza?...

— Não. Vamos?

— Ora! essa cá me fica!... Então qual é a sua religião? Como adora o senhor a Deus?

— Ora, senhor Manuel, deixemo-nos disso; conversemos sobre outra coisa...

— Não! queria só que o senhor me dissesse como adora a Deus!

— Deixe-se disso homem, deixe Deus em paz! Ora para que lhe havia de dar!...

— Mas, nesse caso, o senhor não tem religião!

— Tenho, tenho...

— Pois não parece!... Pelo menos não devia fazer tão pouco caso das rezas, que nos foram ensinadas pelos apóstolos de Nosso Senhor Jesus Cristo!...

Raimundo não pôde conter uma risada, e, como o outro se formalizara, acrescentou em tom sério "que não desdenhava da religião, que a julgava até indispensável como elemento regulador da sociedade. Afiançou que admirava a natureza e rendia-lhe o seu culto, procurando estudá-la e conhecê-la nas suas leis e nos seus fenômenos, acompanhando os homens de ciência nas suas investigações, fazendo, enfim, o possível para ser útil aos seus semelhantes, tendo sempre por base a honestidade dos próprios atos".

Montaram de novo e puseram-se a caminho. Uma cerrada conversa travou-se entre eles a respeito de crenças religiosas; Raimundo mostrava-se indulgente com o companheiro, mas aborrecia-se, intimamente revoltado por ter de aturá-lo. Da religião passaram a tratar de outras coisas, a que o moço ia respondendo por comprazer; afinal veio à baía a escravatura e Manuel tentou defendê-la; o outro perdeu a paciência, exaltou-se e apostrofou contra ela e contra os que a exerciam, com palavras tão duras e tão sinceras, que o negociante se calou, meio enfiado. Entretanto, o guia cavalgava na frente, distraído, cantando para matar o tempo:

"Você diz que amor não dói No fundo do coração!... Queira bem e uiva ausente... Me dirá se dói ou não!..."

Caminharam meia hora em silêncio. O dia declinava, os primeiros sintomas da noite levantavam-se da terra, como um perfume negro, as aves refugiavam-se no seio embalsamado da floresta; a viração fresca da tarde eriçava os leques das palmeiras, enchendo os ares de um doce murmúrio voluptuoso.

— Tenho pairado tanto, disse por fim Raimundo com certa perplexidade, e todavia não tratei do que mais me interessa ..

— Como assim?...

— Lembra-se o senhor que, outro dia, pedi-lhe uma conferência em seu escritório, e, ou porque o meu amigo se esquecesse, ou porque mesmo não houvesse ocasião, o certo é que não chegamos a falar, e no entanto, o assunto é de suma importância para ambos nós...

— E o que vem a ser?

— E um grande favor, que tenho a pedir-lhe...

Manoel abaixou a cabeça, contrafazendo o embaraço em que se via.

— Trata-se de alguma questão comercial?... perguntou.

— Não senhor; trata-se de minha felicidade...

— É a mão de minha filha que deseja pedir?

— É...

— Então... tenha a bondade de desistir do pedido...

— Por quê?

— Para poupar-me o desgosto de uma recusa...

— Como?!...

— É natural que o senhor se espante, concordo; dou-lhe toda a razão; está no seu direito! O senhor é um homem de bem, é inteligente, tem o seu saber, que ninguém lho tira, e virá sem dúvida a conquistar uma bonita posição, mas...

— Mas... Mas, o que?

— Desculpe-me, se o ofende tal recusa de minha parte, mas creia, ainda mesmo que eu quisesse, não podia fazer-lhe a vontade...

— Está já comprometida talvez... Bem! Nesse caso, esperarei... Resta-me ainda a esperança!...

— Não é isso... E peço-lhe que não insista.

— Não quer separar-se da menina?

— Oh! O senhor maritiza-me!...

— Também não é?... Então que diabo! Terei, sem saber, alguma dívida de meu pai, que haja de rebentar por ai, como uma bomba?...

— Que lembrança! Se assim fosse eu seria um criminoso em não o ter nunca prevenido. O que o senhor possui está limpo e seguro! Presto contas quando quiser!...

— Ah! já sei... tomou Raimundo com um vislumbre, rindo. Não quer dar sua filha a um homem de idéias tão revolucionárias?...

— Não! não é isso! E fiquemos aqui! Sei que o senhor tem direito a uma explicação, mas acredite que, apesar da minha boa vontade, não a possa dar...

— Ora esta! Mas então por que é?...

— Não posso dizer nada, repito! E peço-lhe de novo que não insista... Esta posição é para mim um sacrifício penoso, creia!

— De sorte que o senhor me recusa a mão de sua filha? Definitivamente?!

— Sinto muito, porém... definitivamente...

Calaram-se ambos, e não trocaram mais palavra até à fazenda do Cancela.