Sete dias depois, morava Raimundo em uma das suas casinhas da Rua de São Pantaleão.

Vivia aborrecido; vivia exclusivamente a esperar o dia da viagem para a Corte. Nunca a província lhe parecera tão enfadonha, nem o seu isolamento tão pesado e tão triste. Não saía quase nunca à rua; não procurava pessoa alguma, nem tampouco ninguém o visitava. Dizia-se por aí que ele estava de cama por uma bonita sova, que lhe mandara dar o pai da namorada. "Era bem feito! Para se não fazer apresentado com uma menina branca!"

Os maldizentes, empenhados na vida dele, como se Raimundo fosse um político de quem dependesse a salvação da província, afiançavam que alguma peça estava o tratante urdindo em silêncio.

— Acreditem, exclamava um dos tais, a um grupo, que todos estes sujeitos que se fazem muito santarrões e de quem a boca do mundo nada tem que dizer, são os mais perigosos! Eu, cá por mim, não me fio de ninguém! quando vejo um tipo, julgo logo mal dele; se o traste prega-me alguma, não me espanta, porque já a esperava!

— E se não prega?

— Fico na certeza de que muita coisa se faz às caladas neste Maranhão! Mas lá acreditar em virtudes de aventureiros, isso é que nem à sétima facada!

Entretanto, Raimundo levava uma vida de degradado, sem amigos e sem carinhos de espécie alguma. No seu desterro tinha por companhia única uma preta velha, que se encarregara de servi-lo; magra, feia, supersticiosa arrastando-se, a coxear, pela varanda e pelos quartos desertos fumando um cachimbo insuportável, e sempre a falar sozinha, a mastigar monólogos intermináveis.

E esta solidão enchia-o de tédio e de saudades pelas boas horas alegres, que passava dantes ao lado de Ana Rosa, aquecido ao calor benéfico da família. Ultimamente muito pouco se dava ao estudo; estava desleixado, preguiçoso, vivia para as suas preocupações recentes. Ficava horas esquecidas à mesa, depois do almoço ou do jantar, olhando vagamente para o seu quintal sem plantas, com os pés cruzados, a cabeça molemente caída sobre o peito, a fumar cigarros um atrás do outro, num aborrecimento invencível.

Tomara embirrância por tudo e emagrecia.

À noite, acendia-se o candeeiro de querosene, e Raimundo assentava-se junto à secretária, lendo distraído algum romance ou revendo as gravuras de algum jornal ilustrado. A um canto da varanda resmungava a criada, cosicando trapos. O rapaz sentia um fasto de morte, tinha espreguiçamentos de febre, moleza geral no corpo; não podia entrar com a cozinha da preta — era uma coisa muito mal amanhada — tinha nojo de beber pelos copos mal lavados; banhava com repugnância o rosto na bacia barrada de gordura. "Ó senhores! Que vida!" E ficava cada vez mais nervoso e frenético; esperava o dia da viagem contando os minutos; porém, a despeito de tudo, sentia uma surda e funda vontade de não ir, uma íntima esperança de ser ainda legitimamente amado por Ana Rosa.

— Impossível!... concluía sempre, fazendo-se forte. Deixemo-nos de asneiras!

E pensava no que não estaria ela julgando dele; no juízo que formarda do seu caráter. Nunca mais tiveram ocasião de trocar uma palavra ou um olhar; apenas recebia notícias de Ana Rosa por aquela idiota, que não as sabia dar. "Ora! também de que servia afligir-se daquele modo? o melhor era deixar que as coisas levassem o seu destino natural! Não podia, nem devia, por forma alguma, casar com semelhante mulher, para que, pois, pensar ainda nisso?..."

Em casa de Manuel as coisas igualmente não corriam lá muito bem. Ana Rosa curtia densas tristezas, mal dissimuladas aos olhos do pai, da avó e do cônego. A pobre moça esforçava-se por esquecer o desleal amante que a abandonara covardemente. E, na sua decepção imaginava vinganças irrefletidas; tinha desejos absurdos: queria casar-se por aqueles dias, arranjar um marido qualquer, antes que Raimundo se retirasse da província; desejava provar-lhe que ela não ligava a menor importância ao caso e que se entregaria com prazer a outro homem.

Pensou no Dias e esteve quase a falar-lhe.

Manuel, soprado pelo compadre, indispunha mais e mais o ânimo da filha contra o mulato; contando-lhe, a respeito deste, fatos revoltantes, inventados pelo cônego; fazia-se agora muito meigo ao lado dela, submetia-se aos seus caprichos, às suas vontadezinhas de menina doente, com a compungida solicitude de um bom enfermeiro.

Ana Rosa abanava a cabeça, resignada. O fato provado de que Raimundo contsentia sem resistência e talvez por gosto, em abandoná-la, ao mesmo tempo que aumentava nela o desejo de reconquistá-lo e possuí-lo, dava a seu orgulho bastante energia para esconder de todos o seu amor. Supunha-se vítima de uma decepção; julgava o seu amante mais apaixonado e mais violento, e, à vista da passividade com que ele se submeteu logo às circunstâncias; à vista daquela condescendência burguesa e medrosa, pois Raimundo não se animara a dar-lhe, nem a escrever-lhe, urna palavra depois da recusa de Manuel, ela se julgava desenganada e desiludida. "Nunca, nunca me amou! dizia de si para si desesperada. Se me amasse, como eu imaginava, teria reagido! É um impostor! um tolo! Um vaidoso, que desejou apenas ter mais uma conquista amorosa!

E vinha-lhe um grande desejo de chorar e preferir muito mal contra Raimundo. Agora, achava que ele era o pior dos homens, a mais desprezível das criaturas. Às vezes, porém, arranhava-lhe a consciência uma pontinha de remorso: lembrava-se de que a iniciativa daquele namoro partira toda de sua parte, e então, com uma dorzinha de vergonha assistiam-lhe considerações mais favoráveis ao primo; chegava até a doer-se de haver feito um juízo tão mau do pobre rapaz. "Sim... pensava. Verdade, verdade, se não fosse eu... coitado! ele talvez nunca me falasse em amor!... fui eu que o provoquei, que lhe lancei a primeira faísca no coração!..." E por este caminho Ana Rosa fazia mil raciocínios, que abrandavam um tanto a sua má vontade contra o perjuro.

Mas a avó saltava-lhe logo em cima:

— Parece que ficaste meio sentida com o que se passou!... Pois Olha, se tivesse de assistir ao teu casamento com um cabra, juro-te, por esta luz que está nos alumiando, que te preferia uma boa morte, minha neta! porque serias a primeira que na família sujava o sangue! Deus me perdoe pelas santíssimas chagas de Nosso Senhor Jesus Cristo! gritava ela, pondo as mãos para o céu e revirando os olhos, mas tinha ânimo de torcer o pescoço a uma filha, que se lembrasse de tal, credo! que nem falar nisto é bom! E só peço a Deus que me leve, quanto antes, se tenho algum dia de ver, com estes que a terra há de comer, descendente meu caçando a orelha com o pé!

E, voltando-se para o genro, num assanhamento crescente:

— Mas creia, seu Manuel, que se tamanha desgraça viesse a suceder, só a você a deveríamos, porque, no fim das contas, a quem lembra meter em casa um cabra tão cheio de fumaças como o tal doutor das dúzias?... Eles hoje em dia são todos assim!... Dá-se-lhes o pé e tomem a mão!... Já não conhecem o seu lugar, tratantes! Ah, meu tempo! meu tempo! que não era preciso estar cá com discussões e políticas! Fez-se besta? — Rua! A porta da rua é a serventia da casa! E é o que você deve fazer, seu Manuel! Não seja pamonha! despeça-o por uma vez para o Sul, com todos os diabos do inferno! e trate de casar sua filha com um branco como ela. Arre.

— Amém! disse beaticamente o cônego.

E sorveu uma pitada.

Falou-se em toda a capital do rompimento de Raimundo com a família do Manuel Pescada. Cada qual comentou o fato como melhor o entendeu, alterando-o, já se sabe, cada um por sua parte. O Freitas aproveitou logo a ocasião dizer dogmaticamente aos seus companheiros de secretaria:

— Acontece, meus senhores, com um boato, que corre a província, o mesmo que com uma pedra levada pela enxurrada da chuva; à proporção que rola, de rua em rua, de beco em beco, de fosso em fosso, vão-se-lhe apegando toda sorte de trapos e imundícieque encontra na sua vertiginosa carreira; de sorte que, ao chegar à boca-de-lobo, já se lhe não reconhece a primitiva forma. Do mesmo feitio, quando uma notícia chega a cair no esquecimento, já tão desfigurada vai de si, que da própria não conserva mais do que a origem!

E o Freitas, satisfeito com esta tirada, assoou-se estrondosamente, sem despregar do auditório o seu penetrante sorriso de grande homem, que prodigaliza, sem olhar a quem dá, as preciosas jóias da sua pródiga eloquência.

Durante aqueles dias não se falava senão em Raimundo.

— Desacreditou, para sempre, a pobre moça!... dizia um barbeiro no meio da conversa da sua loja.

— Desacreditar quis ele! responderam-lhe, mas é que ela nunca lhe deu a menor confiança! Isto sei eu de fonte limpa!

Na casa da praça, afirmava um comendador, que a saída de Raimundo da casa do tio era devida simplesmente a uma ladroeira de dinheiro, perpetrada na burra de Manuel, e que este, constava, já tinha ido queixar-se à polícia e que o doutor chefe procedia ao inquérito.

— É bem feito! É bem feito!... vociferava um mulato pálido, de carapinha rente, bem vestido e com um grande brilhante no dedo É muito bem feito, para não consentirem que estes negros se metam conosco!

Seguiu-se um comércio rápido de olhadelas expressivas, trocadas entre os circunstantes, e a conversa torceu de rumo, indo a cair sobre as celebridades de raça escura, vieram os fatos conhecidos a respeito do preconceito da cor; citaram-se pessoas graúdas da melhor sociedade maranhense, que tinham um moreno bem suspeito; foram chamados à conversa todos os mulatos distintos do Brasil. narrou-se enfaticamente a célebre passagem do Imperador com o engenheiro Rebouças. Um sujeito levantou pasmo da roda, nomeando Alexandre Dumas, e dando a sua palavra de honra em como Byron tinha casta.

— Ora! isso que admira?... disse um estúpido. Aqui Já tivemos um presidente tão negro como qualquer daqueles cangueiros, que ali vão com a pipa de aguardente!

— Não... rosnou convencido um velhote, que entre os comerciantes passava por homem de boa opinião. Que eles têm habilidade, principalmente para a música, isso é inegável!...

— Habilidade?... segredou outro, com o mistério de quem revela uma coisa proibida. Talento! digo-lhe eu! Esta raça cruzada é a mais esperta de todo o Brasil! Coitadinhos dos brancos se ela pilha uma pouca de instrução e resolve fazer uma chinfrinada. Então é que vai tudo pelos ares! Felizmente não lhe dão muita ganja!

— Aquilo, comentava Amância, boquejando esse dia, sobre o mesmo assunto, em casa de Eufrásia; aquilo não podia ter outro resultado! Cá está quem não poria lá mais os pezinhos, se o basbaque do Pescada metesse o cabra na família!

— Ora não é também tanto assim!... objetava a quente viúva. Conheço certa gente, que se faz muito de manto de seda e que, no entanto, vai filar constantemente o jantar dos cabras que passam bem. A questão é de boa mesa!

— O quê? berrou a velha, pondo as mãos nas cadeiras. Isso é uma indireta?! comigo?!...

E subiu-lhe uma roxidão às faces.

— Diga! exclamou. Pois diga! Quero que diga qual foi o negro a quem Amância Diamantina dos Prazeres Sousella, neta legítima do Brigadeiro Cipião Sousella, conhecido pelo "Corisco" na Guerra dos Guararapes, desse algum dia a confiança de ocupar! Eu?!... Até brada ao céu! Qual foi o cabra com quem a senhora já me viu de mesa?!...

— Eu não falo com a senhora! E esta?

— Ah!... Pois então conheça!

— Falo no geral.

E Eufrasinha dava as provas, citava nomes, contava fatos, e terminou declarando que, apesar de tudo que se dizia nesse Maranhão velho, Raimundo era um cavalheiro distinto, com um futuro bonito, alguns cobres, e... enfim... Ora, adeus, deixasse lá falar quem falava! — era um marido de encher as medidas!

E a viúva arregalou os olhos e mordeu os beiços, chupando o ar com um suspiro.

— Que lhe faça muito bom proveito! arrematou a neta do "Corisco" traçando o xale já na porta, para sair. Há gente para tudo nesta vida! Credo!

E foi logo, direitinha como um fuso, para a casa do Freitas.

Pois não sabem de uma muito boa?... disse ao chegar lá, sem tomar fôlego. A sirigaita da Eufrásia diz que não se lhe dava de casar com o Mundico do Pescada!

— Ele é que eu duvido que a aceitasse!... bocejou o Freitas, estendendo com preguiça as suas magras e longas pernas na cadeira, e cruzando os pés, com um ar feliz e descansado. Que ela morre por um marido — isso é velho! E tem razão, coitada!

Riu-se.

— Credo! cruz! trejeitou Amância. Assim também não!... No meu tempo...

— Era a mesmíssima coisa, D. Amância; as raparigas pobres pediam aos céus um marido, como... como... insistia ele, à procura de uma comparação, como não sei o quê!... A senhora, já sei que fica para jantar...

— Se tiver peixe, fico! disse, autorizada pelo cheiro ativo de azeite frito, que vinha da cozinha.

— Então, titia Amância, saiba que temos e muito bom! observou Lindoca, bamboleando-se pela varanda.

— Ó menina! gritou-lhe a velha, onde queres ir tu com toda essa gordura? Já basta! Apre!

— Não irá muito longe, disse o Freitas, sempre risonho, cansaria depressa...

— Olhe, veja, reclamou a moça, fazendo parar a escrava, que passava com a terrina do peixe. Está convidando! Quentinho que é um fogo!

— Ai, filha! é a minha paixão! Um peixinho bem preparado, quentinho, com farinha-d'água! Mas, olha, bradou para a criada, e levantou-se logo, não o deites aí, rapariga, que o gato é muito capaz de pregar-nos alguma peça... Bota antes neste armário!

E, como se estivesse na própria casa, tomou a terrinha e acondicionou-a em uma das prateleiras. "Não havia que fiar em gatos!... Eles eram necessários por mor dos ratos, mas que canseira seu Bom Jesus! Ind'estrodia o seu Peralta fora-lhe ao guarda-petiscos e... nem dizia nada! unhara-lhe a carne-de-sol, que havia para o almoço, porque ela estava de purga. Forte ladrão! também, dera-lhe uma mela, que o pusera assim!..."

E Amância, procurando mostrar como ficara o gato arreganhou uns restos de dentadura acavalada e espichou as peles do pescoço.

Passava já das três da tarde. Os empregados públicos saíam da repartição, procurando a sombra, com o seu passo metódico e inalterável, o chapéu-de-sol dependurado do braço esquerdo, corno de um cabide, o ar descansado e indiferente dos homens pagos por mês, que nunca se apressam, que nunca precisam de se apressar.

Começava a soprar a viração da tarde, e o tempo refrescava.

Lindoca, com grande entremecimento do assoalho, arrastou-se até à janela, para ver passar o Dudu Costa. Dudu era um da Alfândega, que lhe arrastava a asa, rapaz sério, sequinho de carnes, bem arranjado e com muito jeito para o casamento. O Freitas olhava com bons olhos este namoro, e só esperava que o moço tivesse nesse mesmo ano um acesso na repartição; havia lá um empregado superior muito doente, que, sem dúvida, bateria o cachimbo por todos aqueles três meses, e, como Dudu tinha um amigo, cujo pai dispunha de bons empenhos para o presidente, dava como certa a sua nomeação, tão certa que pensava já no enxoval do casamento, punha de parte alguma coisa do ordenado e convidava os amigos mais íntimos para o grande dia da amarração. De tudo isto o Freitas andava a par. "Diabo era só aquela maldita gordura da menina, que aumentava todos os dias e estava fazendo dela um odre!"

— Ora queira Deus não seja alguma praga!... observava Amância. Há muita gente invejosa neste mundo, minha rica!

— Minha senhora, "o casamento e a mortalha no céu se talham!", citou o grande homem, sacrificando a rima à boa concordância gramaticalmente.

Por essas mesmas horas, topavam-se numa esquina Sebastião Campos e o Casusa.

— Olá! por cá, seu Susa?

— Como vai isso?

— Ora! você não faz idéia! desquerido de dor de dentes. Este diabo não me deixa pôr pé em ramo verde!

E Sebastião escancarou a boca, para mostrar um queixal ao amigo.

— Andaço! resmungou este. Dê cá um cigarro.

Sebastião passou-lhe prontamente a enorme bolsa de borracha amarela e o caderninho de mortalhas de papel.

— Então que há de novo por aí? perguntou.

— Tudo velho... Você vai se chegando pra casa..

— Hum-hum, afirmou o Campos com a garganta. Chegou o vapor do Pará?

— Chegou; sai amanhã para o Sul às nove. É verdade! o Mundico vai nele, sabe?

— É! Ouvi dizer que tinha brigado com o Pescada.

— Brigou, hein?...

— Diz que por causa de dinheiro, que Raimundo pedira-lhe certa quantia emprestada, e, como o outro negara, disparatou!

— Homem! não sei se pediu dinheiro, mas a filha sei, por fonte limpa, que pediu!

— E o galego?

— Negou-a! diz que porque o outro é mulato!

— Sim, em parte... aprovou Sebastião.

— Ora, deixe disso, seu Campos! Não sei se é porque não tenho irmãs, mas o que lhe asseguro é que preferia o doutor Raimundo da Silva a qualquer desses chouriços da Praia Grande.

— Não! lá isso é que não. Preto é preto! branco é branco! Nada de confusões!

— Digo-lhe então mais! asneira seria a dele se se amarrasse, porque o cabra é atilado às direitas!

— Sim, isso faria... confirmou o Campos entretido a quebrar a caliça da parede com a biqueira do chapéu-de-sol. Aquilo está se perdendo por cá... é homem para uma cidade grande!.. Olhe, ele talvez faça futuro no Rio... Você lembra-se do...?

— E segredou um nome ao ouvido do Casusa.

— Ora! como não? Muita vez dei-lhe aos cinco e aos dez tostões para comer, coitado! E hoje, hein?

— É! Foi feliz... mas, quer que lhe diga? não acredito lá essas coisas no futuro deste por causa daquelas idéias de repúblicas... porque, convençam-se por uma vez de uma coisa! a república é muito bonita, é muito boa sim senhor! porém não é ainda para os nossos beiços! A república aqui vinha dar em anarquia!...

— Você exagera, seu Sebastião.

— Não é ainda para os nossos beiços, repito! nós não estamos preparados para a república! O povo não tem instrução! É ignorante! é burro! não conhece os seus direitos!

— Mas venha cá! replicou o Casusa, fechando no ar a sua mão pálida e encardida de cigano. Diz você que o povo não tem instrução; muito bem! Mas, como quer você que o povo seja instituído num país, cuja riqueza se baseia na escravidão e com um sistema de governo que tira a sua vida justamente da ignorância das massas?... Por tal forma, nunca sairemos deste círculo vicioso! Não haverá república enquanto o povo for ignorante, ora, enquanto o governo for monáquico conservará, por conveniência própria, a ignorância do povo; logo — nunca haverá república!

— E será o melhor!...

— Eu então já não penso assim! Acho que ela devia vir, e quanto antes! tomara eu que rebentasse por aí uma revolução: só para ver o que saía! Creio que somente quando tudo isto ferver, a porcaria irá na espuma! E será espuma de sangue, seu Sebastião!... Acredite, meu rico, que não há Maranhão como este! Isto nunca deixará de ser uma colônia portuguesa!... O alto governo não faz caso das províncias do Norte! A tal centralização é um logro para nós! ao passo que, se isto fosse dividido em departamento, cada província cuidaria de si e havia de ir pra diante, porque não tinha de trabalhar para a Corte, a insaciável cortesã! — E o Casusa gesticulava indignado. — Mas o que quer você?! O governo tem parentes, tem afilhados, tem comitivas, tem salvas, tem maçapães, tem o diabo! e para isso é preciso cobre! cobre! O povo esta aí, que pague! Tome imposto pra baixo e deixa correr o pau para Caxias!

E, chegando a boca a uma orelha do outro: — Olhe meu Sebastião, aqui no Brasil vale mais a pena ser estrangeiro que filho da terra!... Você não está vendo todos os dias os nacionais perseguidos e desrespeitados, ao passo que os portugueses vão se enchendo, vão se enchendo, e as duas por três são comendadores, são barões, são tudo! Uma revolução! exclamou repelindo o Campos com ambas as mãos Uma revolução é do que precisamos!

— Qual revolução o quê! Você é um criançola, seu Casusa, e ainda não pensa seriamente na vida! Deixe estar que em tempo julgará as coisas a meu modo, porque em nossa lena. Que idade tem você?

— Entrei nos vinte e seis.

— Eu tenho quarenta e quatro... em nossa terra estão se vendo constantemente entradas de leão e saídas de sendeiro!... Você acha que a república convinha ao Brasil! pois bem... Ai!

— O que é?

— O dente! diabo!

E, depois de uma pausa:

— Adeus. Até logo, disse cobrindo o rosto com o lenço e afastando-se.

— Olhe! Espere, seu Sebastião gritava o Casusa, querendo detê-lo, empenhado na palestra.

— Nada! Vou ali ao Maneca Barbeiro curar este maldito!

E separaram-se.

Entretanto, na noite desse mesmo dia, quando o relógio de Raimundo marcava onze horas, acabava este de aprontar as suas malas.

— Bom! — E sacudiu as mangas da camisa, que o suor prendia aos braços. — Amanhã a estas horas já estou longe daqui!...

Em seguida, assentou-se à secretária e tirou da pasta uma folha de papel, escrita de princípio a fim com uma letra miúda e às vezes tremida. Releu tudo atentamente, dobrou a folha, meteu-a num envelope e subscritou-o a "Exª Sr.ª D. Ana Rosa de Sousa e Silva". Depois quedou-se a fitar este nome, como se contemplasse uma fotografia.

— Deixemo-nos de fraquezas!...

E levantou-se.

Fazia um grande silêncio nas ruas ao longe ladrava tristemente um cão, e, de vez em quando ouviam-se ecos de uma música distante. E Raimundo, ali, no desconforto do seu quarto, sentia-se mais só do que nunca; sentia-se estrangeiro na sua própria terra, desprezado e perseguido ao mesmo tempo. "E tudo, por quê?... pensava ele, porque sucedera sua mãe não ser branca!... Mas do que servira então ter-se instruído e educado com tanto esmero? do que servira a sua conduta reta e a inteireza do seu caráter?... Para que se conservou imaculado?... para que diabo tivera ele a pretensão de fazer de si um homem útil e sincero?..." E Raimundo revoltava-se. "Pois, melhores que fossem as suas intenções todos ali o evitavam, porque a sua pobre mãe era preta e fora escrava? Mas que culpa tinha ele em não ser branco e não ter nascido livre?... Não lhe permitam casar com uma branca? De acordo! Vá que tivessem razão! mas por que insultá-lo e persegui-lo? Ah! amaldiçoada fosse aquela maldita raça de contrabandistas que introduziu o africano no Brasil! Maldita! mil vezes maldita! Com ele quantos desgraçados não sofriam o mesmo desespero e a mesma humilhação sem remédio? E quantos outros não gemiam no tronco, debaixo do relho? E lembrar-se que ainda havia surras e assassínios irresponsáveis tanto nas fazendas como nas capitais!... Lembrar-se de que ainda nasciam cativos porque muitos fazendeiros, apalavrados com o vigário da freguesia batizavam ingênuos como nascidos antes da lei do ventre livre!... Lembrar-se que a consequência de tanta perversidade seria uma geração de infelizes, que teriam de passar por aquele inferno em que ele agora se debatia vencido! E ainda o governo tinha escrúpulo de acabar por uma vez com a escravatura; ainda dizia descaradamente que o negro era uma propriedade, como se o roubo, por ser comprado e revendido em primeira mão ou em segunda, ou em milésima, deixasse por isso de ser um roubo para ser uma propriedade!

E continuando a pensar neste terreno muito excitado, Raimundo dispunha-se a dormir, impaciente pelo dia seguinte, impaciente por verse bem longe do Maranhão, dessa miserável província que lhe custara tantas decepções e desgostos; dessa terrinha da intriga miúda e das invejas pequeninas! Desejava arrancar-se para sempre daquela ilha venenosa e traiçoeira, mas pungia-lhe uma grande mágoa de perder Ana Rosa eternamente. Amava-a cada vez mais!

— Ora sebo! interrompeu-se. E eu a pensar nisto!... Tenho tudo liquidado e pronto!... Amanhã está aí o vapor e... adeus! adeus queridos atenienses!

E, afetando tranquilidade, acendeu um cigarro.

Nisto, caiu na sala uma carta que meteram pelas rótulas da janela. Raimundo apoderou-se dela e leu no subscrito: "Ao Dr. Raimundo." Teve um estremecimento de prazer, imaginando fosse de Ana Rosa, mas era simplesmente uma carta anônima.

"Ilustre canalha:

Então V.S.ª muda-se amanhã?... Se é verdade! agradeço-lhe o obséquio em nome da província. Creia, meu caro senhor, que será talvez o primeiro ato judicioso que V.S.ª pratica em sua vida tão aventurosa porque nos já temos por cá muita pomada e não precisamos mais dessa fazenda. Honre-nos com a sua ausência e faça-nos o especial obséquio de ficar-se por lá o maior tempo que poder! Quem disse a V.S.ª que isto aqui é uma tenra de beócios, onde os pedantes arranjam bons casamentos, debicou-o, respeitável senhor, debicou-o redondamente. Já se não amarram cães com linguiça. No entanto, se vir a prima dê-lhe lembranças."

Assinava: "O Mulato disfarçado".

Raimundo sorriu, amarrotou a folha de papel e lançou-a ao chão.

— Coitados! disse, e foi pôr-se à janela.

Aí ficou longo tempo, debruçado no peitoril, a olhar a escuridão da noite, onde os bicos de gás se acusavam tristemente, muito distantes uns dos outros. A Rua de 530 Pantaleão tinha um silêncio de cemitério.

Bateu uma badalada, ao longe.

— Devem ser duas e meia.

Raimundo fechou a janela e recolheu-se à cama. Levantou-se de novo, tornou a apanhar a carta e releu-a. Só a assinatura o irritou.

— Cães! disse.

E soprou a vela.

Começavam então as chuvas, que no Maranhão chamam "de caju"; o vento soprou com mais força, esfuziando nas ripas do telhado. Em breve, o céu peneirava um chuvisco fino e passageiro. Na rua, não obstante, um trovador de esquina, cantava ao violão:

"Quis debalde varrer-te da memória, E teu nome arrancar do coração. Amo-te sempre, que martírio infindo! Tem a força da morte esta paixão!"

Na manhã seguinte Manuel levantou-se antes dos caixeiros vestiu-se ainda com a meia claridade da aurora e endireitou para a casa de Diogo.

— Olé! você madrugou, compadre! disse-lhe o cônego da janela, onde fazia a barba em mangas de camisa.

— É verdade. Vim buscá-lo para o embarque do Mundico.

— Tem tempo. Vá subindo, compadre, que lhe vou dar um cafezinho fazenda!

E, voltando-se para o interior da casa:

— Anda com isso, ó Inácia! que temos de sair mais cedo! gritava ele, enquanto estendia com pachorra, em um paninho de barba, a espuma do sabão que tirava do queixo.

— Compadre, vá estando à vontade e diga o que há de novo.

A caseira entrou com uma bandeja, onde vinha o café, um pires de papa, uma garrafa de licor cálices.

— Vai uma papinha, compadre?

— Não, obrigado. Quero o café.

— Pois eu cá não passo sem ela, mais o meu café e o meu chartreuse... Vá um calicezinho, seu Manuel! Que tal? Deste é que não vem para negócio hein?...

— Decerto! não vale a pena! Mas com efeito, é papa-fina.

— Então outro, vá outro, compadre, isto nunca sobe logo à primeira dose...

— Também não vai a matar..

— Assim! agora um gole de café. . Hein? E o que me diz do café?

— Soberbo! Do Rio, não e verdade?

— Qual Rio! muito bom Ceará! Acredite, seu compadre, que o melhor café do Brasil é o do Ceará!... E esta crioula, que o trouxe, é mestra em passá-lo!... Nunca vi! para um café e para uma papa de araruta com ovos, não há outra!

E o cônego passou a vestir-se esticando muito as suas meias de seda escarlate; calçando, com a calçadeira de tartaruga, os seus sapatos de polimento azeitado, cujas fivelas levantavam cintilações. Enfiou depois a batina de merinó lustroso, ameigando a barriga redonda e carnuda, saracoteando-se todo, a sacudir a perninha gorda, indo ao espelho do toucador alcochetar no pescoço a sua volta de rendas alvas. Estava limpo, cheiroso e penteado; tinha, no rosto escanhoado e nos anéis dos seus cabelos brancos, uns tons frescos de fidalgo velho e namorador; o cristal dos óculos redobrava-lhe o brilho dos olhos, e o seu chapéu novo, de três bicos, elegantemente derreado um pouco para a esquerda, dava à sua cabeça distinta e ao seu rosto todo barbeado o ar pitoresco e nobre dos cortesãos do século XVII.

— Quando quiser, compadre, estou às suas ordens... lembrou ele a Manuel, que fumava um cigarro à janela, pensativo.

— Então vamos indo. O homem talvez já esteja à nossa espera.

E saíram.

A manhã levantava-se bonita. As calçadas de cantaria secavam a umidade da noite aos primeiros raios do sol. Ouviam-se tinir nas pedras os saltos dos sapatos do padre. Passavam os trabalhadores para as suas obrigações; o padeiro com o saco às costas; a lavadeira, em caminho da fonte, com a trouxa de roupa suja equilibrada na cabeça; pretas-minas apregoavam "Mingau de milho!"; os escravos desciam para o açougue com a cesta das compras enfiada no braço; das quintas chegavam os vendedores de hortaliças, com os seus tabuleiros acumulados de folhas e legumes. E todos cumprimentavam respeitosamente o cônego, e ele a todos respondia: "Viva!" Algumas crianças, em caminho da escola, iam, de boné na mão, beijar-lhe o anel.

— Você de que ele já está à nossa espera?...

— É natural! respondeu Manuel.

— Não tenha medo! É muito cedo ainda — e consultou o relógio. — Podemos ir mais devagar. Ele só chegará daqui a uma hora. Ainda não são sete.

— Estou impaciente por vê-lo pelas costas...

— Não tardará muito. E a pequena, como ficou?

— Assim; menos maçada do que eu esperava... E que aquilo passou-lhe.

— E o outro?

— O Dias?

— Sim.

— Por ora... nada.

— Há de chegar! há de chegar!... afirmou o cônego ar de experiência. Labor improbus omnia vincit!...

— Como?

— Aquilo é um marido que convém à Anica!...

Assim conversando, ao lado um do outro, acharam-se na rampa de Palácio.

Ainda pouca gente lá havia.

— Um bote, patrãozinho! exclamou um rampeiro, aprumando-se defronte de Manuel e descobrindo a cabeça com arremesso.

— Espere, deixe ver se está o Zé Isca, que é freguês.

O catraieiro afastou-se lentamente, jogando o corpo, no seu andar de pernas abertas. Os dois desceram ao cais. Apareceu o Isca, e contratou-se a viagem.

— Patrão, podemos ir?

— Deixe vir o doutor. É preciso esperá-lo.

O padre observou que tinha ido cedo demais, enquanto Manuel fazia SS no chão com a biqueira do guarda-sol.

— Homem! este vapor assim mesmo fez desta vez uma viagenzinha bem boa!... disse o primeiro, provocando palestra.

— Quinze dias.

— E então?... quando saiu de do Rio?...

— No dia dois.

— Daqui a outros quinze está por lá!... calculou o cônego.

— Não, leva menos! para lá e muito mais favorável a viagem... onze, doze, treze dias é o máximo.

No fim de algum tempo aborreciam-se de esperar. Manuel havia fumado já quatro cigarros. Raimundo demorava-se.

— Isto já são oito horas! quantas tem você, compadre?

— Oito e um quarto. O rapaz com certeza descuidou-se!... Ó seu Manuel, ele sabe que o vapor sai às dez?

— Como não? se ainda ontem à tarde lho mandei dizer!...

— Então há de ser alguma despedida mais demorada... explicou o cônego com um risinho velhaco. Fugit irreparabile tempus!...

— Isto vai, mas é esquentando demais, seu compadre.

E Manuel limpava e tomava a limpar o carão vermellho, estendendo pela rampa um olhar suplicante, que parecia chamar o sobrinho.

— Vamos cá para a guardamoria, aconselhou o outro, resguardando-se do sol.

Um empregado obsequioso ofereceu-lhe logo duas cadeiras.

— V.S.ª por que não se sentam?... Tenham a bondade de estar a gosto...

— Obrigado, obrigado, meu amigo!

E assentaram-se impacientes.

— V.S.ª vem ao bota-fora do doutor Raimundo?...

— É! Ele já desceu?

— Não o vi ainda, não senhor; porém não poderá tardar. Vão se fazendo horas!...

Um assovio muito agudo deu o primeiro sinal de bordo, chamando os últimos passageiros. Manuel levantou-se logo, foi ate à porta, lambeu com um olhar o trapiche, consultou sequioso a ladeira de Palácio: "Nada!" Olhou para o relógio, o ponteiro orçava pelas nove. "Ora sebo! Entendam-se lá com semelhante gente!..."

A rampa já se tinha enchido e já se ia esvaziando. Grupos demorados acenavam de terra com o lenço para os escaleres que fugiam; choravam com o rosto escondido nas mãos; outros abraçavam-se por cortesia. Ao lado de protestos e oferecimentos oficiais, ouviam-se frases quentes de sinceridade, arrancadas pela dor; diziam-se ternuras; davam-se conselhos; faziam-se carícias; expunham-se, aí, ao ar livre, em meio do público o amor e o desespero, como se estivessem entre família, no segredo da casa. Os botes largavam com grande algazarra dos catraieiros. Ninguém mais se entendia. Os ganhadores passavam correndo, com as costas carregadas de malas, de baús e gaiolas de papagaio. Havia grandes encontrões. Uma mulatinha escrava, gritava que nem doida, lá no fim da rampa, com os pés na água, agitando os braços soluçando, porque lhe levavam a irmã mais velha, vendida para o Rio. Os tripulantes praguejavam; os barcos enchiam-se numa confusão, e a lanchinha do Portal guinchava de instante a instante silvos que ensurdeciam.

E Raimundo — nada de chegar!

Pouco a pouco foram rareando os grupos. Enxugavam-se os olhos; guardavam-se os lenços, e os amigos e parentes dos que partiam retiravam se em magotes, com o passo frouxo, a cara congestionada na ressaca das comoções. O empregado da polícia externa do porto voltou da sua visita ao navio. Só os exportadores de escravos permaneciam encostados ao portão do cais, para ver a última baforada do monstro a que confiavam um bom carregamento de negros.

A rampa recaiu afinal no seu habitual sossego, e Raimundo nada de aparecer.

Manuel suava.

— E esta?! perguntou furioso ao cônego. O que me diz desta, seu compadre?!

O cônego não respondeu. Cismava.

Nisto, chegou uma carruagem, a rodar vertiginosamente. Os que esperavam Raimundo acudiram, de pescoço estirado.

— Deve ser ele!... aventou o cônego.

— Diabo! rosnou Manuel, ao ver saltar um homem e entrar lépido na guardamoria.

Não era Raimundo.

O vapor chamava, insistia com os seus guinchos impacientes e sibilantes. O recém-chegado arrastou uma pequena mala para a rua e entregou-a ao primeiro catraieiro, que pulou de uma nuvem deles.

— Avia, rapaz! Pega daí — E mostrava os outros volumes. — Ligeiro! Ligeiro!

O homem do bote atirou com a bagagem num escaler, gritando para um moleque que o ajudava:

— Anda! mexe-te! senão arriscamos a não alcançar o vapor!

Estas últimas palavras acabaram de pôr Manuel fora de si. A pobre criatura suava como o fundo de um prato de sopa.

— E esta, seu compadre?! E esta?! O que me diz desta?!

O cônego não dava palavra, fazia considerações íntimas sorrindo amargamente à superfície dos lábios.

— Ora! ora! ora! — E o negociante passeava a grandes pernadas na guardamoria. — Ora! ora, senhores! Esta só a mim!

O cônego bateu com o chapéu-de sol no chão.

— Astutos astu non capitur!

Os empregados da guardamoria, vestidos de farda, e os curiosos desocupados, que ali estavam por distração, faziam perguntas a Manuel a respeito de Raimundo, satisfeitos com aquele episódio prometedor de escândalo.

Arriscavam-se já os comentários e as opiniões.

— Homem, dizia um. Ele, cá pra nós, nunca me pareceu grande coisa!...

— Eu também, acrescentava outro, a falar verdade, nunca pude tragar aquela cara de máscara!...

— Pois eu cá sabia que ele não havia de ir!

— Nem irá mais! Pilhou-se aqui, adeus!

— Mas que grande patife! Sim senhor!

— Ora! ora, que filho da mãe! resmungava Manuel, a dar voltas no ar com o seu imenso chapéu-de-sol.

Mas todos correram para a porta, porque uma nova carruagem puxada com sofreguidão encheu de tropel a Rua do Trapiche.

É o tipo com certeza! bradou um sujeito. A boas horas!

Fez-se no grupo um silêncio ansioso. A sege estacou em frente à guardamoria. Mas ainda desta vez não era Raimundo.