Depois de caseiro de quinta também não é mau ser arrendatário. Principalmente destes amigos que querem gastar mais do que têm e que não lhes importa irem-se empenhando e atrasando no rendimento contanto que venha vindo dinheiro. Porque, quase sempre, vai a coisa pela terça parte do valor, isto é, se é um ano adiantado. Porque se se quer três ou quatro, então nem a sexta parte. E se são seis anos, então não se pilha nada ou quase nada. Este sabia negociar como um homem. O primeiro, até segundo ano, era franco e não lhe metia a unha e tudo eram oferecimentos. Porém, tanto que os via com o pescoço de dentro, ninguém lhe punha o pé no cachaço com mais pressa nem com melhor vontade.
A respeito de propinas, se ele ficava obrigado a dar trinta queijos ao dono, nunca as arrendava da sua mão sem lhes impor noventa. De forma que ele de tudo havia de ter mais que o senhorio. Esta era a sua balda e a sua teima. E o jeito que ele tinha também para usuras! Era um lince! Negócios destes não lhe escapavam! Mas também mamou ópios de guarda abaixo que é o que sucede a estes que querem ganhar muito.
Arrendou uma vez uma quinta a um morgadete, destes que gastam o dinheiro assim a modo de quem queima estopa pelo entrudo, que foi um gosto ver o ajuste. Sabem o que me pareceu? Assim o modo de um que o encontram os ladrões e que o vão despindo pouco a pouco. Ora lhe tiram a casaca, ora os calções, depois a camisa e acabam com a pancada da paz dando-lhe uma facada. Da mesma forma foi o miserável. Começou dizendo que precisava três mil cruzados. O usurário, apenas ouviu isto, pôs as mãos na cabeça, respondendo: — E quem me há-de a mim dar tanto dinheiro? Tudo está muito alcançado. O outro dia precisei eu de trinta moedas que pedi sobre uma pouca de prata. Dei cinquenta e dois por cento, quatro moedas de luvas a quem descobriu o dinheiro e cinco moedas de mimo ao filho do emprestante, que é o costume da casa. Tudo está pela hora da morte mas, enfim, tal será a conveniência que vossa Senhoria proponha, que a gente faça um esforço e ocupe os amigos, ou se valha de alguma coisa que tenha. — Pois, senhor, respondia o morgado, faça vossemecê lá os ajustes que quiser contanto que eu haja este dinheiro à mão. A quinta tem andado de renda em cada ano por seiscentos mil réis. Leve-a vossemecê por quatrocentos mil réis e por três anos.
— Está brincando, senhor?, lhe respondia o usurário. Quem quer ter empatado o seu dinheiro tanto tempo? O outro dia ganhou um amigo meu, com três mil cruzados, nove e isto em cinco dias. E ganho natural, apenas salvou a paga dos direitos e negou uns fardos ao dono.
— Pois, senhor, numa palavra, proponha vossemecê como a quer de renda.
— Eu lhe digo, meu senhor. Visto o estado dos tempos e o dinheiro andar tão encantado que não é possível a ninguém vê-lo, tomarei a quinta de vossa Senhoria por nove anos, começando o primeiro ano para o que vem e para poder ir dispondo as coisas, vossa Senhoria ma entregará logo, visto trazê-la este ano por sua conta e eu ficarei desde já com tudo que nela existir para usar como meu. Darei a vossa Senhoria os três mil cruzados, que sabe Deus se nesta ocasião podia fazer este desembolso. E, demais a mais, vossa Senhoria me fará o arrendamento por dezoito anos porque é muito natural que vossa Senhoria vá precisando de dinheiro e que me entre a importunar, e se há-de haver novos contratos, novas escrituras e novas despesas, já está tudo feito. Isto é, querendo vossa Senhoria, porque se não quiser, também isso me não dá muito incómodo, porque eu tinha este dinheiro determinado cá para outro negociozinho que certamente me havia de dar muito mais, sem precisão que faça sol e chuva a tempo competente.
O pobre homem não teve outro remédio. Mais calças que lhe pusesse, estaria por todas. Fez-se o arrendamento com todas as cautelas e ainda recebeu o dinheiro daí a três dias.
Ora que lhes parecem a vossas mercês que tempo mediou para o meu usurário ficar senhor da quinta os outros nove anos? Pois foi dai a três meses que teve o morgado outra vexação e recebeu oitocentos mil réis, em lugar dos três mil cruzados, atendendo a ser muito antes de tempo a cobrança! Por cinco mil cruzados ficou pois o meu usurário com o valor de vinte e sete. Então que tal o negociozinho? Pois é como ele os sabia fazer. E destes a cada passo lhe caíam em casa e muitas vezes os deitava fora porque lhe pareciam de pouco interesse.
Não tinha tempo nem para se coçar. Mas eu aborrecia-me esta cabeça e, certamente que assim como eu tinha dente, se tivesse faca, dava-lhe uma facada. Mas muitas vezes com raiva lhe mordia muito de caso, pensando sem precisão, só para lhe fazer mal. Mas o amaldiçoado andava com tanta cobiça nos interesses que nem me sentia. Assim fomos vivendo cada um a chupar o sangue por sua forma. Eu a chupar o sangue de um rico, ele a esgotar o dos pobres ou, para melhor dizer, o dos tolos.
Numa ocasião que veio fora da terra, deitou-se no colo da mulher e pediu-lhe que o catasse um bocadinho. A mulher, por lhe fazer o gosto, mais que por vontade, concedeu o peditório. Mas com a obrigação de se irem pôr ao pé da cama de um filhinho que tinham e que andava então doente de defluxo e por amor disso o não deixavam levantar. Postos que foram ao pé da criança, depois de alguns beijinhos que o pai deu ao filho, pôs-se a mulher a catá-lo, mas o pequeno não a deixava, a dar-lhe empurrões. Depois de muitos bichancros e bagatelinhas, disse o marido:
— Tu, mulher, não achas nada! Queres tu ver como achas? Pois eu te dou um cruzado-novo por cada piolho que me apanhares.
Então a mulher foi-se à cabeça do marido com uma ânsia que, apesar de todas as minhas diligências, em quatro palhetadas lhe caí nas unhas. Julguem vossas mercês como eu ficaria, vendo-me perto das unhas de um usurário. A mulher queria matar-me, o marido queria primeiro ver-me para não ser enganado no seu cruzado-novo. E enquanto estavam nestes itens, deu-lhe o filho, (abençoado filho! ) em que a mãe lhe desse o piolho para a sua mão, porque o queria ele matar. Como o menino quis, foi-lhe concedida a graça e a mim também a vida, porque ele apenas me pilhou às mãos, pôs-me em cima do lençol a ver como eu andava. E tanto que me tinha visto andar um bocado e que já estava na borda da cama, pegava em mim e punha-me outra vez no mesmo lugar. Nisto andei cinco ou seis vezes até que da última tal escapatória lhe fiz por entre os dedos que, sem mais me ver, lhe fui para a cabeça e é a