O Subterrâneo do Morro do Castelo/Quarta-feira, 3 de maio de 1905

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Mais uma galeria subterrânea foi descoberta ontem no morro do Castelo. Decididamente a velha mole geológica, esventrada pela picareta do operário descrente, despe o mistério que a envolvia e escancara o seu bojo oco e cobiçado à pesquisa dos curiosos.

Já ninguém contesta que o morro lendário, célula matriz de Sebastianópolis, encerra nas arcas de seus poços interiores, atulhados pela caliça de três séculos e meio, um alto, um elevado tesouro... bibliográfico, pelo menos.

Em toda a parte do morro, onde a picareta fere mais fundo, responde um eco grave no interior, eco que vai de galeria em galeria quebrar-se nas vastas abóbodas onde repousam os doze apóstolos de ouro.

Mais um mês, mais 8 dias, quem sabe, e o Santo Inácio de Loiola, há trezentos anos afundando na tenebrosa escuridão do cárcere calafetado, emergirá à luz dos nossos dias, todo refulgente nos doirados de sua massa fulva.

Há por força dentro do morro do Castelo uma riqueza fabulosa deixada pelos discípulos de Loiola na sua precipitada fuga sob o açoite de Pombal.

Tanto metal precioso em barra, em pó, em estátuas e objetos do culto, não podia passar despercebido à arguta polícia do ministro incréu e atilado.

Na sua mudez de catacumbas seculares, os subterrâneos do Castelo bem serviriam para guardar os tesouros da Ordem mais rica do mundo e ainda os guardam certamente.

Mas agora chegou o tempo de quebrar o segredo de sua riqueza e ser espoliado de seu olímpico depósito.

O homem já não se contenta em querer escalar o céu, quer também descer ao coração da terra e não poderá o morro do Castelo embaraçar-lhe a ação.

Há de rasgar-se, há de mostrar o labirinto de suas acidentadas galerias e há de espirrar para fora os milhões que vêm pulverizando numa digestão secular.

Um dia destes foi num dos flancos que se abriu a boca silenciosa de um corredor escuro que os homens interrogam entre curiosos e assustados; hoje é a própria cripta do morro que se parte como a querer bradar para o céu o seu protesto contra a irreverência e avidez dos homens!

Mas os operários prosseguem cada vez mais porfiados em ver quem primeiro colhe o prazer ultra-marinho de descobrir o moderno Eldorado.

Foi ontem; uma turma explorava o dorso imoto do morro; súbito a ponta da picareta de um operário bate num vazio e some-se...

A boca negra de um outro subterrâneo escancarava-se.

Pensam uns que é a entrada, arteiramente disfarçada, de uma outra galeria, opinam outros que é simples ventilador dos corredores ocultos.

Seja o que for, porém, a coisa é verdadeira, lá está a 8 metros abaixo do solo emparedada a tijolo velho.

Trouxemos uma terça parte de um dos tijolos para nosso escritório onde quem quiser a pode examinar.