O Subterrâneo do Morro do Castelo/Sábado, 6 de maio de 1905

Os Subterrâneos do Rio de Janeiro editar

Os Tesouros dos Jesuítas editar

Diante do documento, em que se vêem arrolados os bens da companhia, sem dissimular o espanto, indagamos do nosso informante:

— E tais riquezas existirão ainda nos subterrâneos do morro?

— Certamente e eu explico: Quando chegou às mãos do Conde de Bobadella, Gomes Freire de Andrade, o decreto de 4 de novembro de 1759, em que D. José I por influência de seu grande ministro expulsara os jesuítas de Portugal e seus domínios, já de há muito que se achavam em lugar seguro os bens da ordem; em obediência à carta régia de 4 de novembro, Bobadella fez cercar o Colégio, aprisionando os padres e cuidou sem detença do confisco dos seus múltiplos haveres; pois bem, tudo quanto se apurou em dinheiro importou apenas na ridícula quantia de 4.173$220!

É crível que a riquíssima Comunidade, proprietária de vastos terrenos, engenhos, casas de comércio, escravos, etc., nada mais possuísse em moedas que aquela insignificante quantia?

E as valiosas baixelas de prata, e os objetos de culto, tais como cálices, turíbulos, lâmpadas, castiçais e as alfaias de seda e damasco bordadas a ouro?

Que fim levou tudo isto?

Gomes Freire Conseguiu apenas seqüestrar os bens imóveis e os escravos, e esta parte de sua fortuna montava a alguns milhares de contos de réis; quanto ao resto, ele próprio declara, em carta dirigida ao rei em data de 8 de dezembro de 1759:

"É certo que, sabendo os padres que em mais ou menos tempo havia de chegar a tormenta, puseram o seu tesouro em salvamento, pelo que se lhes não encontrou mais dinheiro (eles dizem ser quase todo alheio) que 4.173$220 de que se vão sustentando como se me decretou."

— Mas, passada a "tormenta", não teriam eles arranjado meios de retirar os tesouros ocultos, conduzindo-os para Roma, sede capital da Ordem?

— Esta objeção tem sido formulada centenas de vezes e centenas de vezes destruída como uma bolha de sabão.

O morro do Castelo ficou sempre, depois da saída dos jesuítas, sob a guarda vigilante das autoridades civis portuguesas e depois brasileiras; além disso, não era fácil empresa penetrar nos subterrâneos e de lá retirar arcas e cofres pejados de ouro e pedrarias sem provocar suspeitas, ocultamente, sem o menor arruído.

— Realmente...

— Os tesouros lá estão ainda, nas vastas salas subterrâneas, até que mãos hábeis, trabalhando com prudência e método, os vão arrancar do secular depósito.

Parece que o momento é chegado; é necessário, entretanto, não perder tempo com escavações inúteis; é preciso atacar o morro com segurança, de acordo com os documentos existentes e que dizem respeito à topografia dos subterrâneos.

Estes, os que conduzem ao lugar do tesouro, são em número de quatro, construídos na direção dos pontos cardeais.

Vão ter a um vasto salão de forma quadrada e abobadado, que por sua vez tem comunicação com o Colégio por meio de escadas em espiral abertas no interior das paredes.

Esta sala fica inscrita a um largo fosso onde vão ter, antes de a elas chegar, as quatro galerias.

Duas grossas paredes dividem em quatro compartimentos a referida sala.

Em um deles acham-se os cofres de moedas de ouro e prata, os cofres de ouro em pó e, as imagens de S. Inácio, S. Sebastião, S. José e da Virgem, todas de ouro maciço e grande quantidade de objetos do culto católico.

Em outra divisão se encontram as arcas com diamantes e pedras preciosas e numerosas barras de ouro.

As duas restantes contêm os instrumentos de suplício, a riquíssima biblioteca dos padres, as alfaias e uma mobília completa de mármore, assim como todos os papéis referentes à Ordem no Brasil e que se acham guardados em grandes armários de ferro.

— É extraordinário.

— É verdade, meu amigo, e quem for vivo há de ver; contanto que abandonem o caminho errado e tratem de penetrar no subterrâneo do alto para baixo, o que não será difícil visto a existências das escadas em espiral que conduzem ao grande salão que lhes descrevi. E ninguém está em melhores condições de descobrir o que está lá dentro que o próprio Marquês de Pombal, que pretendia confiscar todas as riquezas da Companhia.

— Quem? O Marquês de Pombal? exclamamos sem compreender.

— Sim, senhor; o Marquês de Pombal ou o Dr. Frontin, que são uma e a mesma pessoa.

— Está a fazer perfídia, hein?

E rimos a bom rir.

— Não graceje, meu amigo, protestou, severo, o Sr. Coelho; o que lhe digo não é nenhuma pilhéria; o Dr. Frontin é o Marquês de Pombal; ou melhor, aquele encarna atualmente a alma do ministro de D. José!

Íamos desmaiar; o Sr. Coelho bate-nos amigavelmente ao ombro e promete-nos dar os motivos por que com tanta segurança afirma que o reconstrutor de Lisboa anda entre nós, metido na pele do construtor da Avenida Central.

E prestamos ouvido atento entre pasmados e incrédulos.

Amanhã contaremos aos leitores esta bizarra e maravilhosa história.