O Subterrâneo do Morro do Castelo/Terça-feira, 2 de maio de 1905

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Alegrem-se os que acreditam na existência de fabulosas riquezas na galeria do morro do Castelo.

Se o ouro ainda não refulgiu ao golpe explorador da picareta, um modesto som metálico já se fez ouvir, eriçando os cabelos dos novos bandeirantes e dando-lhes à espinha o frio solene das grandes ocasiões; som feio e inarmônico de ferro velho, contudo som animador que faz pregoar orquestrações de barras de ouro, cruzados do tempo do D. João VI, pedrarias policrômicas, raras baixelas de repastos régios, tudo isto desmoronando-se, rolando vertiginosamente como o cascalho humilde pelo talude escarpado da montanha predestinada.

Por agora contentemo-nos com o ferro velho; ferro cujo passado destino, ao que se diz, honra pouco a doçura de costumes dos discípulos de Loiola, ferro em cuja superfície oxidada a Academia de Medicina ainda poderá achar resquícios do sangue dos cristãos-novos.

Ainda bem que hoje em dia nem mais para os museus poderão servir as carcomidas correntes levantadas pelas mãos dos buscadores de ouro.

Agora que tanto se fala na candidatura do Sr. Bernardino de Campos seria assaz de temer que as golilhas e polés encontradas no Castelo ainda estivessem capazes de uso.

O Sr. Presidente da República lá esteve, na galeria dos jesuítas, galeria em que, diga-se a verdade, sente-se bem a sua angélica pessoa.

Foi isto ontem pela manhã, depois do café e antes da segunda inauguração do primeiro decímetro de cães.

S. Exa., acompanhado da casa civil e militar, do Dr. Frontin e de outras pessoas gratas (gratas, sr. revisor!), enveredou pelo buraco, iluminado por um foco de acetileno, que dava à galeria o tom macabro da furna de Ali Babá.

Entrou, olhou e nada disse; se o chefe de polícia estivesse presente teria exclamado como de outra vez (e desta com alguma razão): —Senhores, estamos com um vulcão por cima da cabeça.

A frase não seria de toda absurda, desde que por uma ficção poética se concedessem por um momento ao inofensivo Castelo as honras vulcânicas.

Mas, em suma, nem o Sr. Bulhões nem o Sr. Frontin, nem mesmo o Presidente da República tiveram a dita de encontrar os apóstolos de ouro de olhos esmeraldinos; e como S. Tomé, que também era apóstolo, ficam aprovisionando entusiasmo para quando os seus dedos assépticos conseguirem tocar as imagens que nos vão salvar da crise econômica.

E contem conosco para a inauguração do curso metálico.