Importa-nos pouco, e mesmo nada, o saber da vida que passaram os dois viajantes na Europa. Amaro, que tinha tendências sedentárias, apenas chegou a Paris aí ficou, e como Marcondes não desejava passar além, não o importunou por mais.

Uma capital como aquela tem sempre que ver e admirar: Amaro ocupou-se com o estudo da sociedade em que vivia, dos monumentos, dos melhoramentos, dos costumes, das artes, de tudo. Marcondes, que tinha outras tendências, tratou de levar o amigo para o centro dos que ele chamava prazeres celestes. Amaro não resistiu, e foi; mas tudo cansa, e o fazendeiro não encontrou em nada daquilo a felicidade que o amigo lhe anunciara. No fim de um ano, Amaro determinou voltar para a América, com grande desgosto de Marcondes, que em vão procurou retê-lo.

Voltou Amaro aborrecido com ter gasto um ano sem vantagem alguma, a não ser o ter visto e admirado uma grande capital. Mas a felicidade que ele devia ter? Essa nem por sombra.

— Fiz mal, dizia ele consigo, em ter cedido aos conselhos. Vim em busca do desconhecido. É uma lição que me há de aproveitar.

Embarcou, e chegou ao Rio de Janeiro, com grande alegria no coração. O seu desejo era seguir logo para a fazenda da Soledade. Mas lembrou-se de que existiam na corte algumas famílias da amizade da sua, a quem cumpria ir falar antes de partir para o interior.

— Quinze dias é bastante, pensou ele.

Meteu-se num hotel, e logo no dia seguinte começou a romaria das visitas.

Uma das famílias a quem Amaro visitou era a de um fazendeiro de Minas, que em virtude de vários processos que teve por motivo de relações comerciais viu reduzidos os seus bens, e mudara-se para a corte, onde vivia com a fortuna que lhe restava. Chamava-se Carvalho.

Aí achou Amaro, como fazendo parte da família, uma moça de vinte e cinco anos, de nome Antonina. Era viúva. Estava em casa de Carvalho, porque este fora íntimo amigo do pai dela, e como este já não existisse, e ela não quisesse viver só, depois de viúva, Carvalho recebeu-a em casa, onde era tratada como filha mais velha. Antonina tinha alguma coisa de seu. Era prendada, espirituosa, elegante. Carvalho admirava sobretudo a sua penetração de espírito, e não cessava de elogiar-lhe essa qualidade, que para ele era suprema.

Amaro Faria foi lá duas vezes em três dias, como simples visita; mas no quarto dia sentiu já em si uma necessidade de lá voltar. Se tivesse partido para a fazenda era possível que não lhe lembrasse mais nada; mas a terceira visita produziu outra, e outras, até que no fim de quinze dias, em vez de partir para a roça, Amaro dispunha-se a residir largo tempo na corte.

Estava namorado.

Antonina merecia ser amada por um rapaz como Faria. Sem ser deslumbrantemente formosa, tinha umas feições regulares, uns olhos ardentes, e era muito simpática. Gozava de geral consideração.

O rapaz era correspondido? Era. A jovem correspondeu logo ao afeto do fazendeiro, com certo ardor que aliás o mancebo partilhava.

Quando Carvalho desconfiou do namoro, disse a Amaro Faria:

— Já sei que você tem namoro cá em casa.

— Eu?

— Sim, você.

— Pois sim, é verdade.

— Não há nada de mau nisto. Eu apenas quero dizer-lhe que tenho olho vivo, e nada me escapa. A rapariga merece.

— Oh! Se merece! Quer saber de uma coisa? Eu já abençôo aquele maldito Marcondes que me arrancou lá da fazenda, pois que eu venho achar aqui a minha felicidade.

— Então é decidido?

— Se é! Pensando bem, eu não posso deixar de casar-me. Quero ter uma vida calma, é o meu natural. Achando uma mulher que não exija modas nem bailes estou contente. Creio que esta é assim. Além disso é bonita...

— E mais que tudo discreta, acrescentou Carvalho.

— É o caso.

— Bravo! Posso avisá-la de que...

— Toque-lhe nisso...

Carvalho trocou estas palavras com Amaro na tarde em que este lá jantou. Na mesma noite, quando Amaro se despediu, disse-lhe Carvalho em particular:

— Toquei-lhe naquilo: a disposição é excelente!

Amaro foi para casa disposto a fazer no dia seguinte a sua proposta de casamento a Antonina.

E, com efeito, no dia seguinte apareceu Amaro em casa de Carvalho, como costumava, e aí, em conversa com a viúva, perguntou-lhe francamente se queria casar com ele.

— Ama-me então? Perguntou ela.

— Deve tê-lo percebido, porque eu também percebi que sou amado.

— É, disse ela com a voz um pouco trêmula.

— Aceita-me por marido?

— Aceito, disse ela. Mas repita que me ama.

— Cem vezes, mil vezes, se quer. Amo-a muito.

— Não será um fogo passageiro?

— Se eu empenho a minha vida inteira!

— Todos a empenham; mas depois...

— Começa então por uma dúvida?

— Um receio natural, um receio de quem ama...

— Não me conhece ainda; mas verá que eu digo a verdade. É minha, sim?

— Perante Deus e os homens, respondeu Antonina.