Ainda não houve no Rio de Janeiro "república" de estudantes mais séria que a do Coutinho, na Rua do Resende. Na vizinhança diziam todos que os moradores daquela casa pareciam, não estudantes, mas altos funcionários e chefes de família. Era uma "república" modelo.

Como não devia ser assim, se o Coutinho, filho de um rico fazendeiro de Minas, estudioso, tranqüilo e morigerado, reunira naquele sobrado quatro comprovincíanos seus, de um comportamento irrepreensível, e todos filhos de gente abastada, para que nada faltasse em casa, nem houvesse credores à porta?

Um deles particularmente, o Gaspar, era tão grave, que raramente sorria, poucas vezes conversava, e parecia ter o dobro da sua idade; entretanto, era o único dos moradores daquela casa que passava as noites fora...

Nunca ninguém viu entrar ali mulheres, o que não quer dizer que os cinco rapazes fossem santos.

O Coutinho, por exemplo, gostava de uma linda espanhola da Rua do Riachuelo; mas a pequena só admitia que ele a visitasse pela manhã, pois só pela manhã estava livre: do meio-dia em diante pertencia a um velho negociante, octogenário, que lhe tomava toda a tarde e toda a noite sem lhe tomar mais nada, segundo ela dizia e o Coutinho acreditava, porque os rapazes acreditam em tudo quanto as mulheres dizem.

Ora, um dia fez anos o Leandro, o mais alegre e o mais novo dos cinco, e ofereceu aos companheiros um almoço regado por diversas bebidas, que tinham tanto de finas como de capitosas.

Beberam todos, inclusive o austero Gaspar, mas não se excederam, embora ficassem mais expansivos que de costume. Tão expansivos que vieram amores à baila, e o Leandro entrou a contar a sua aventura mais recente.

— Saibam que tenho uma amante! - disse ele.

— Também eu! - acrescentou o Coutinho.

— É espanhola!

— Também a minha.

— Mora na Rua do Riachuelo.

— A minha também! Se disseres que o nome dela é Mercedes, aposto que somos rivais!

— É efetivamente Mercedes, que ela se chama!

— O número da casa?

— Trinta.

— É a mesma! A mesmíssima!

— Que mulher fingida!

— Que desavergonhada! Ela só consente que estejamos juntos antes do meio-dia, porque dessa hora em diante pertence a um octogenário!

— A mim só me recebe à tardinha, porque à noite o octogenário lá está!

— E esse octogenário é um unhas de fome...

— Um vinagre...

— Que não lhe dá tudo quanto ela precisa...

— Pelo que é obrigada a recorrer à minha bolsa...

— E à minha!...

— Que mulher!...

— Que desavergonhada!

No calor da inopinada revelação, cortada pelas gargalhadas sonoras de dois dos companheiros, não repararam os rapazes que o Gaspar chorava convulsivamente, escondendo o rosto entre as mãos.

Os quatro, que atribuíram esse pranto ao vinho (e até certo ponto não se enganavam), correram para ele:

— Então?... Que é isso, Gaspar?... Que é isso?...

O austero estudante ergueu a cabeça e berrou, enquanto as lágrimas lhe deslizavam pelo rosto abaixo:

— O octogenário sou eu!...