(jan. 1897)
Certa noite soturna, solitária,
Vi uns olhos estranhos que surgiam
Do fundo horror da terra funerária
Onde as visões sonâmbulas dormiam...
Nunca da terra neste leito raso
Com meus olhos mortais, alucinados...
Nunca tais olhos divisei acaso
Outros olhos eu vi transfigurados.
A luz que os revestia e alimentava
Tinha o fulgor das ardentias vagas,
Um demônio noctâmbulo espiava
De dentro deles como de ígneas plagas.
E os olhos caminhavam pela treva
Maravilhosos e fosforescentes...
Enquanto eu ia como um ser que leva
Pesadelos fantásticos, trementes.
Na treva só os olhos, muito abertos,
Seguiam para mim com majestade,
Um sentimento de cruéis desertos
Me apunhalava com atrocidade.
Só os olhos eu via, só os olhos
Nas cavernas da treva destacando:
Faróis de augúrio nos ferais escolhos,
Sempre, tenazes, para mim olhando...
Sempre tenazes para mim, tenazes,
Sem pavor e sem medo, resolutos,
Olhos de tigres e chacais vorazes
No instante dos assaltos mais astutos.
Só os olhos eu via! -- o corpo todo
Se confundia com o negror em volta...
Ó alucinações fundas do lodo
Carnal, surgindo em tenebrosa escolta!
E os olhos me seguiam sem descanso,
Suma perseguição de atras voragens,
Nos narcotismos dos venenos mansos,
Como dois mudos e sinistros pajens.
E nessa noite, em todo meu percurso,
Nas voltas vagas, vãs e vacilantes
Do meu caminho, esses dois olhos de urso
Lá estavam tenazes e constantes.
Lá estavam eles, fixamente eles,
Quietos, tranqüilos, calmos e medonhos...
Ah! quem jamais penetrará naqueles
Olhos estranhos dos eternos sonhos!