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SERMÕES.

Amor: em Christo o fim do amor foi a bora da partida: Sciens quia venit hora ejus, in finem dilexit eos. Dizer menos, é descer ; subir mais, não ba para onde. E como este foio ponto mais alto onde pode chegar o amor de Christo , este será tambem o ponto unico em que começará e acabará o nosso discurso . Peçamos ao mesmo Amor , pelos merecimentos daquelle coração que só o soube corresponder dignamente , nos assista nesta hora sua com a sua graça : Ave Maria.

 
II.
 

Ut transeat ex hoc mundo, in finem dilexit eos. Amou Christo tanto aos homens, que chegou por elles a apartar-se delles. Este é o meu assumpto: e este digo que foi o maior extremo do amor de Christo. Mas que vejo ? Naquelle monumento sagrado, naquelle mysterio sacrosanto (que é a cifra do amor, e o memorial da morte de Christo) vejo postos em campo contra estemeu pensamento tres poderosos oppositores: O sacramento, a morte, e o mesmo amor. O amor diz que não pode ser amor o apartar-se Christo de nós é o sacramento diz que o deixar- se comnosco foi a maior fineza: a morte diz que o morrer por nós, foi o maior extremo de todos. Estes são os assombros com que as acções mais heroicas do amor de Christo hoje, e com que as mesmas leis do amor se oppoem á novidade do nosso assumpto. Mas essas mesmas nos dividirão o discurso , e nos servirào de degraus para mais o subir de ponto.

Começando pelo amor. O amor essencialmente é união, e naturalmente a busca: para alli peza , para alli caminha, e só alli pára. Tudo são palavras de Platão, e de S. Agostinho. Pois se a natureza do amor é unir, como pode ser eſfeito do amor o apartar? Assim é, quando o amor não é estremado e excessivo. As causas excessivamente intensas produzem effeitos contrarios. A dor faz gritar; mas se é excessiva, faz emmudecer: a luz faz ver: mas se é execessiva, cega : alegria alenta e vivifica; mas se é excessiva, mata. Assim o amor: naturalmente une, mas se é excessivo , divide: Fortis est ut mors dilectio: (Cant. VIII - 6 )