Erica Foerthmann Schultz; Márcia Janete Espig | 23

para comprovar se este detalhe ocorreu exatamente dessa forma ou se se trata de um relato destinado a apresentar um Helling sagaz e heroico.[1] O que se sabe com relativa segurança é que o valor levado ao mato de fato era de 200 contos de réis, quantia muito expressiva.

Outra situação particularmente tensa vivida por Helling foi o episódio dos ataques rebeldes às estações Calmon e São João (pertencentes à EFSPRG) e à serraria da Lumber, durante a Guerra do Contestado.[2] Este acontecimento marcou o momento de maior expansão e violência do movimento, constituindo-se em verdadeiro trauma na memória dos remanescentes. A grande comoção popular provocada pelos ataques deveu-se não apenas à destruição das estações em questão, mas também ao assassinato de grande volume de moradores locais e à morte do Capitão Matos Costa, que chefiava as ínfimas forças militares presentes na região. Esse assassinato, associado aos terríveis ataques dos rebeldes contra Estações da Estrada de Ferro e à serraria Lumber, amplificou a reação por parte da União, apressando o início da Expedição Militar do General Setembrino de Carvalho. Bastante volumosa é a documentação primária que trata dos ataques às estações de Calmon e São João. Dentre esta documentação, está a narrativa de Helling, que proporciona interessante representação sobre o episódio.

Em 5 de setembro de 1914, aproximadamente às 14 horas, os rebeldes atacaram Calmon, incendiaram a estação, as casas, a madeireira e todo o depósito de madeiras da Lumber Company. Adotaram a prática de

 

  1. HELLING, Robert. 40 Jahre im Innern von Brasilien; Erlebnisse eines Eisenbahningenieurs, von Robert Helling. Berlin, Pyramidenverlag, Dr. Schwarz & Co., [1931]. p. 63.
  2. O Movimento do Contestado (1912-1916) foi um movimento social de grandes proporções que ocorreu na região disputada pelos estados de Paraná e Santa Catarina, avançando ainda sobre territórios catarinenses. Mobilizou um grande volume de rebeldes e boa parte das forças militares nacionais. A expulsão de posseiros de terras lindeiras à ferrovia São Paulo — Rio Grande, a partir de 1910, foi um dos fatores de tensionamento social na região. Os ataques rebeldes às estações da ferrovia e os danos causados mesma se configuravam como medida de vingança frente à série de desmandos ocorridas no transcorrer do processo de estruturação da propriedade privada capitalista na região. Sobre o assunto existe vasta bibliografia. Vide, por exemplo, QUEIROZ, Maurício Vinhas de. Messianismo e conflito social (a guerra sertaneja do Contestado 1912-1916). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966; MONTEIRO, Duglas Teixeira. Os errantes do novo século: um estudo sobre o surto milenarista do Contestado. São Paulo: Duas Cidades, 1974; MACHADO, Paulo Pinheiro. Lideranças do Contestado: a formação e a atuação das chefias caboclas (1912-1916). Campinas: Ed. da Unicamp, 2004; ESPIG, Márcia Janete. Personagens do Contestado: os turmeiros da Estrada de Ferro São Paulo — Rio Grande (1908-1915). Pelotas: Editora Universitária/UFPel, 2011.