70 | 40 anos no interior do Brasil: aventuras de um engenheiro ferroviário

polonês e um brasileiro com descendência francesa. Nós estávamos sim todos com nossos revólveres de costume, mas, no restante, sem armas.

O trem partiu. Era uma noite escura. No momento em que a visão se acostumou à escuridão da noite, tornou-se possível diferenciar os contornos do céu das copas melancólicas dos pinheiros (araucaria brasiliensis), as quais davam uma forma típica à floresta da serra. Pela sinuosidade íngreme e interminável ziguezagueava o trem acima, o fino véu da neblina noturna envolvia os desfiladeiros, e o maquinar e o tinir do trem tragavam o flauteado dos pássaros noturnos, o qual às vezes se impunha. Fantasmagoricamente e quase que sem fazer barulho, os pássaros, amedrontados, lançavam-se até bem perto do trem, para, então, desviando-se pela direita em uma acrobacia angulosa, mergulharem novamente na escuridão. O grande farol na ponta da locomotiva bruxuleava devido às centenas de mariposas que o cercavam.

Assim bramíamos no incerto adentro. Passamos por duas estações. Tudo na mais perfeita ordem. Mas, ao chegarmos em São João, já logo na entrada nos deparamos com uma gritaria infernal, e, assim que o trem parou e eu desembarquei, fui subitamente rodeado por uma chusma aos berros, a qual de todos os modos bramava e vociferava que o trem não poderia seguir de jeito nenhum, e sim que as mulheres e as crianças deveriam ser levadas para Porto da União. Todos homens estavam armados com espingardas Winchester e quase que sem exceção completamente bêbados. Um deles colocou a boca do cano da arma sobre meu peito e coaxava que atiraria em mim ali mesmo, caso eu não pusesse o trem à disposição imediatamente. Decidido, rapidamente arremessei o cano da espingarda para o lado e gritei em meio à horda ondulante que flamejava: "Mas o que é que vocês querem? Estão todos bêbados? Não há pelo menos um entre vocês que ainda esteja lúcido?"

Aí um velho fazendeiro de barba branca avançou dizendo: "Senhor Roberto, eu estou sim totalmente sóbrio”.

"Ah", disse eu aliviado, "é bom que pelo menos um de vocês ainda preserve o juízo. Mas agora calem a boca por um minuto e me deixem