Robert Helling | 79

também pediu que eu preparasse um trem-extra dentro de duas horas para que fosse a São João ver quais boatos eram realmente verdadeiros. É que hoje de manhã, quando ainda estava na cama, recebeu uma carta com uma ortografia horrível, na qual o frei José Maria[1] o comunicava que já era hora de se converter ou deixar a cidade imediatamente; pois a Virgem Maria o ordenou a agir e restabelecer a fé pura. O próprio Matos Costa não acreditava que as coisas estivessem tão ruins, mesmo assim viajaria para São João com seu escasso pessoal (apenas cinquenta soldados armados) para conversar com os fanáticos. Eu o adverti que nunca devemos subestimar o inimigo e que os sujeitos, como eu ficara sabendo, estavam armados com Winchesters e Mausers que haviam sido fornecidas pelo partido monarquista. Ele riu com desprezo e contou que já havia sido informado que os fanáticos queriam atacar; visto que fora sozinho ao acampamento, surgindo de repente no meio deles e, após conversarem educadamente, o deixaram partir sem machucá-lo. Então falamos sobre a montagem do trem e me ofereci como veterano para assegurar-lhe que de certa forma o trem protegeria os soldados abrigados dos tiroteios: só que isso levaria pouco mais de duas horas, motivo pelo qual ele recusou minha proposta. Então convidou a mim e ao meu colega, o engenheiro Gräml, para acompanhá-los na viagem, e concordamos desde que não chegassem ordens oficiais que não nos permitissem deixar a cidade. Isso era 1914 e nossos ânimos estavam tão instigados pelos feitos dos nossos irmãos heróis da Alemanha na longínqua Europa que também gostaríamos de empreender algo arriscado para manifestar nossa coragem alemã, já que não nos era possível ir à Europa, porque os navios de guerra britânicos bloqueavam o oceano. Daí eu telegrafei imediatamente para o diretor da ferrovia e pedi permissão para acompanhar o trem, contudo ele me respondeu que isso seria impossível, pois cinco trens com soldados de Ponta Grossa já estavam prontos para partir, e eu, como chefe de operações, não

 

  1. Refere-se ao Monge José Maria, naquele momento já falecido mas lembrado pelos rebeldes em suas ameaças, visto que parte deles acreditava em sua ressurreição. José Maria morreu em 22 de outubro de 1912, no combate do Irani, que deu início ao conflito do Contestado. (NdH)