a chave duma vez, e o Tamanho fica reduzido a zero. Em vez de 4 centímetros, como
Vossa Excelência tem hoje, passará a ter 4 milímetros, ou menos, e será devorado até
pelas moscas e pulgas. Está entendendo? (p. 68)

Divertido ícone do non sense lobatiano, a bonequinha – originalmente de míseros quarenta centímetros – feita de chita e recheada de macela para ser propriedade de Na-rizinho desbanca a imagem romantizada de brinquedo feminino. O “estrelato”, que, na primeira obra infantil de Lobato, a julgar pelo seu título Lucia ou A Menina do Narizinho Arrebitado (1920), parece ser de Narizinho, passa a ser, nos livros posteriores, de Emília.

Em 1942, Emília já tem, pois, cacife na obra de Lobato para protagonizar o livro no qual o escritor trata de um episódio contemporâneo. Ao colocar como ponto de partida e pano de fundo de A Chave do Tamanho a Segunda Guerra Mundial, Monteiro Lobato propõe, através de Emília, uma solução para esse problema: o fim imediato do conflito e a construção de uma nova sociedade. A “reinação” de Emília é determinante da “nova ordem”, pois ao mexer na chave que regula o tamanho da humanidade, a boneca evita a continuação da guerra.

A radicalidade da ação da boneca permite que surjam visões antagônicas sobre as conseqüências do “apequenamento” dos humanos. Emília, a causadora da mudança, de-fende a redução da espécie com o argumento de que a antiga civilização havia falhado, e que a atual ordem traria soluções para um dos grandes problemas mundiais: a guerra:

A tal “civilização clássica” estava chegando ao fim. Os homens não viam outra solução
além da guerra – isto é, matar, matar, matar, destruir todas as coisas criadas pela própria
civilização – as cidades, as fábricas, os navios, tudo. Pense bem, Visconde. Essa tal
civilização havia falhado. Havia enveredado por um beco sem saída – e a saída que
achava qual era? Suicidar-se a tiros de canhões. (p. 45)

Por outro lado, o Visconde condena a atitude da boneca e vê a nova situação como catastrófica:

Destruir o tamanho das criaturas!... Sabe que isso corresponde a destruir toda a civili-
zação humana? Desde que o mundo é mundo, os homens, com as maiores dificuldades,
foram construindo essa civilização feita de casas, máquinas, estradas, veículos, idéias.
Tudo estava em relação com o tamanho natural dos homens. Mas agora com a redução
do tamanho, nada mais serve e, portanto, o que você fez, Emília, foi destruir a civiliza-
ção! Des-tru-ir a ci-vi-li-za-ção!... (pp. 43-44)

O fato de a redução do tamanho atingir toda a humanidade relaciona-se com a di-

Proj. História, São Paulo, (32), p. 371-383, jun. 2006
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