Sente-se em tudo a riqueza espantosa do país. Não há pobres, o pobre daqui equivale
ao remediado daí. Toda a gente possui auto. O porteiro cá da nossa casa possui um
Cadillac. (...)

(...) A cidade é um oceano de automóveis. Para onde quer que você vá só se vêem auto-
móveis, de dia ou de noite porque a vida não para. Tudo é tão desconformemente gran-
de, tudo é tão ou maior do mundo, que depois da 2a. semana a gente resolve não admirar
mais coisa alguma. Do contrário seria preciso andar de boca aberta o dia inteiro.[7]

Também em América, livro de 1932, publicado logo após o retorno de Lobato dos EUA, diálogos entre o narrador e Mr. Slang sugerem a crença do escritor nos Estados Unidos, sendo este país tomado como modelo de civilização, lugar onde o desenvolvi-mento científico-tecnológico atingiu o ápice. Para o Lobato desta época, a riqueza de uma nação dependeria de seu progresso tecnológico, possível somente através do ferro, do carbono e do petróleo, matérias-primas necessárias à produção e ao funcionamento das máquinas. A riqueza norte-americana e o alto padrão de vida de sua população seriam “consequencia logica ao aumento da eficiencia do homem graças ao uso progressivo da maquina” [sic].[8]

Também na obra infantil, o elogio ao progresso se faz presente. Em História das Invenções, livro de 1935, quando D. Benta lê para os netos a História das Invenções do Homem, o Fazedor de Milagres (de Hendrik van Loon), é nítida a defesa do progresso industrial. A avó das crianças elogia o progresso, ao responder a uma pergunta de Pedri-
nho sobre a importância da descoberta do fogo. O menino desejava saber se esta era uma “grande invenção”, ao que a avó responde:

– Das maiores, meu filho. Para mim, foi a invenção que permitiu tudo ao homem. A ci-
vilização que temos hoje, com suas locomotivas poderosíssimas, seus automóveis, seus
navios gigantescos, suas fábricas de tudo quanto existe, é uma filha do Fogo.[9]

Em História do Mundo para as Crianças (obra de 1933), no entanto, já podemos per-ceber um Lobato menos categórico na defesa do modelo industrial da civilização. Embora talvez equivocando-se quanto à causa dos problemas ligados ao progresso, pela voz de D. Benta, Lobato matiza seu entusiasmo:

– Melhoram a vida, sim, embora não melhorem o homem. A nossa vida hoje podemos
dizer que é riquíssima, se a compararmos com a de um século atrás. Entretanto, o ho-
mem é o mesmo animal estúpido de todos os tempos. (...) A humanidade continua a
sofrer dos mesmos males de outrora – tudo porque a força da Estupidez Humana ainda
não pôde ser vencida pela força da Bondade e da Inteligência. Quando estas ficarem
mais fortes do que aquela, então, sim, teremos chegado à Idade de Ouro.[10]

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Proj. História, São Paulo, (32), p. 371-383, jun. 2006