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A esperança

 

Borboleta toda branca
Boas novas me vens dar.

Quanto invejo, mariposa,
As azas que Deus te deu!
Por ellas neste momento
Oh! quanto daria eu?...

Se fôra nobre guerreiro,
Daria os loiros, a espada!
Se fôra insigne poeta
Daria, a lyra doirada.

Daria a corôa, e o sceptro
Se fôra rei bem poderoso.
Queria n'ellas ir depressa
Vêr o meu pae extremoso.

Dizer-lhe as tristes saudades
Que por elle tenho soffrido:
As angustias que o meu peito
N'esta ausencia tem sentido!...

Volta tu o mariposa,
Nas azas que Deus te deu,
Junto do pae que eu adoro,
Leva-lhe um abraço meu.

Borboleta toda branca.
Volta volta a voajar
Vai diz-lhe que as pobres filhas
'Stão por elle a suspirar.

Veiga 25 de maio

 
 

 
A TOUREIRA
 

 
(Historia d'um coração frio)
(De pag. 141)
III

Ha muito que as estrellas brilham no firmamento, palpitando como a lampada, que vae a fenecer, mas nunca o seu fulgôr mostra tibieza por instantes, antes, pelo contrario, parece augmentar. Quem dá lume áquellas fogueiras, que alumiam as festas nocturnas do ceu?

Pouza a lua em cada ramo viridente um beijo de melancholica sensualidade. Treme a selva inteira, como se fôra agitada por taes osculos, mas a lua, que a beija, não dá de si um leve estremecer, que a traiha.

Ao mesmo tempo que descem do ceu auréolas de pallidez a enevoar os cimos do montanha, sobem do rio prateadas nuvens, que vão, para assim dizer, formar um throno á luminaria menor.

Que sensações prodigiosas não agitam a alma, quando se contemplam das margens de um rio, os lumes, que atapetam o ceu, por uma noite de verão! E quando se é poeta?... Atira-se o lodo vil do corpo ao chão, que n'elle encontra um macio leito de verdura. A imaginação debalde se tentará encadear, essa divaga não sei por onde, perdida não sei em que regiões. A lyra jaz ao lado, com as cordas retezadas, prompta para proferir um hymno. Então não é preciso dedilhar nas cordas, para se ouvir uma musica cheia de melodias. A natureza é a poetisa immensa, que a vem tanger serena e invisivelmente.

Sobem os olhos — os olhos do corpo, e os olhos do espirito — uma escada mysteriosa, que os leva a uma fonte, onde cada vez mais se inflama a sede do infinito. Desce pelo mesmo caminho, que tomaram, em direcção ao ponto d'onde partiram, uma esperança, um bom agoiro, e uma promessa tentadôra a realisar-se no futuro.

Quem sente pender-lhe a cabeça, ao fitar o espaço azulado, que prateia a lua? Ah! existem fracos, que fecham a palpebra, quando os lumes do ceu lhe estão a aviventar saudades!

Caia embora a fronte sobre o peito, gema o pensamento cançado de devanear. A modorra não ha-de ser profunda, o somno ha-de ser ligeiro.

Uma onda, agitada pela brisa, vem, mansa e mansa, beijar os pés. Uma e outra lhe succedem. O corpo sente um leve resfriar: accorda.

Os olhos descerram-se e ficam estupefactos, ao contemplarem de novo a pompa da natureza, esquecida por instantes. Não é preciso erguer a vista, basta, sem vontade estendêl-a, por um horisonte limitado, para se chamar de novo ao peito as commoções de ha pouco.

A lua reflecte-se nas aguas transparentes do rio, côa-se o brilho das estrellas pelos ramos d'uma olaia para nos vir bronzear a fronte.