N'este seculo tão frivolo, não me parecem outra cousa as mulheres, e os homens de tão frivolo e superficial merecimento, que fazem consistir a sua felicidade, e occupação n'um vão ornato, e não conhecem outro estudo, que não seja o de sedas, fitas, perfumes e penteados, persuadidos de que não foram creados, se não para parecerem bonecas aos olhos do publico. Búrnem o rosto, encrespam os cabellos, amaciam as mãos, cobrem os corpos d'avelludados, e dourados ornatos, e a alma fica sem cultura nem ornatos.
Que muito se já não julga de pessoa senão pela maneira de vestir, e pentear.
Um homem não usa apresentar-se em publico, quando não tem um penteado, ou um vestido á moda, e apresenta-se descaradamente, ainda que muitas vezes não tenha prudencia, nem juizo. A mocidade d'hoje faz estudo no vestir, e não conhece outra arte, que não seja a d'agradar.
E que arte? Descorrer como um estouvado, resolver com arrogancia, espalhar impiedades desfazer-se em perfumes, e dizer futilidades sem conto, mover-se como uso dançarino burlesco, e olhar para a sua sombra, usar do seu óculo, saudar com cadencia: eis aqui o que dá direito para trazer a cabeça levantada, despresar os seus irmãos, insultar a philosophia christão, e blasfemar contra a mesma religião.
Que ridiculos bonecos! E as bonecas? Ellas, occupadas todas em gestos, denguices, melindres, n'um fallar á tôa, e sem termos, deixam todo motivo para duvidar se pertendem outra vida, que não seja esta, e se conhecem em si mesmas outro ser além d'esta frioleira, que se enfeita, que muito falla, e que procura seduzir, desprezando o verdadeiro ornato, a virtude, onde se deviam envolver como em um vestido. Mas assim como certos vestidos já não são da moda, tambem a virtude cessa d'estar em uso.
Consterna ver uma mulher assim, que só póde agradar a quem se apraz da iltusão e só mente consulta os seus proprios olhos, d'outra maneira não veria em similante metamorphose mais que uma degradação do nosso ser, o qual, sendo uma imagem de Deus, só é lindo em quanto é simples, e tira a sua gloria do mesmo total da sua essencia.
Consterna, e até enoja ver esse tropel de homens, que escravos d'uns olhos, d'um dente, ou d'um cabello, tão loucos são, que amam, até passar a furor, similhantes futilidades: aferrados desordenadamente a uma massa de terra coberta sob uma mascara de carne, que todos os dias se altera para perecer, um corpo vil e ridiculo que se a imaginação não supre a isto, e a alma não tira de si mesma as bellesas, que julga haver nos objetos exteriores, não divisamos cousa, que não seja miseravel, e despresivel. Não se vê hoje senão occuparem-se com o seu penteado, umas maquinas que apenas percebem que tem cabeça pela compustura dos cabellos.
Os grandes homens foram sempre contra o fausto, e ninguem viu, se não aos engenhos acanhados maravilhar-se á vista d'uma seda, ou de um enfeite. O luxo, transtorna todas as idéias; e o merito, que deveria ter a preaminenci parece uma sombra negra no meio do mundo. Deixam de parte, e despresa-o, para dar excellencia a um louco que traja de côr de rosa, e diamantes.
O homem sensato não comtempla nos ricos mais que o coração, e a cabeça, e se elles não tem generosidade, nem talentos, põe-se muito a baixo do povo.
Na maior parte dos ricos, tem o luxo produzido a arrogancia, que tem subido nos nossos dias a tal auge, que já elles não conhecem outor merecimento, se não um bello vestido.
Bastsa ter esse signal d'honra para attribuir a si proprio o direito d'abater o homem de talentos, e olhar para a outra gente, como para o lodo que se calca aos pés.
Assentaram os grandes entre si, que o seu fausto, e as suas etiquetas os introdusiriam por toda a parte, que lhe mereceriam todas as attenções, e os fariam superiores aos mesmos doutos. Por quanto, quantos senhores não ha no mundo, que se achariam nas ante-camaras, ao mesmo tempo que o philosopho entraria por preferencia. Realmente, toda a pessoa, que faz o seu estudo d'um penteado á môda, d'um vestido de