gosto, e d'uma equipagem elegante, não passa d'um ser meio racional, e incapaz de cousa solida.
Que se pode esperar d'um sugeito, que não estima em si mesmo mais que um exterior tão subtil, como um vestido, e que temeria encarar n'um sabio por andar a pé?
Com effeito que metamorphose não haveria no mundo, da parte de nossos pais, e da nossa, se os homens dos seculos passados voltassem por algum tempo ás cidades, e casas! veriam personagens de grandes barbas, cabellos compridos, e elles veriam os seus netos com penteados de toda a sorte: veriamos personagens com vestidos de grosseiro panno, sem ouro, nem prata, e elles veriam os seus netos com vestidos matisados de todas as côres, e bordados por todas as costuras: veriamos personagens em busca das suas casas antigas sem tapeçarias, sem espelhos, e não se conhecerem já no meio d'um mundo que não poderiam difinir.
Um bom lavrador, e acustumado a comer um pedaço de pão de relão veria o seu neto ministro girar em uma linda carruagem e dar banquetes os mais sumptuosos. Outro trabalhador, e acostumado a pegar em grandes pesos, veria o seu bisneto tiranisar o genero humano, fazer que o domine excellencia, ou senhoria, e desprezando tudo que não tem titulo de grande.
Acham o luxo tal meio d'apropriar-se dos louvores, e honras, que já ninguem a ousa fallar hoje, se não a pessoas vestidas de velludo, ou agaloados. Até tem vergonha de saudar um homem mediocremente vestido, e não se atreveriam a confessal-o por amigo.
Venham dizer-nos á vista d'isto, que o luxo constitue a gloria dos estados. É a sua ruiina, quem os transtorna. E se este miseravel luxo se tivesse viciado algumas condições, menos mal: mas como mal epidemico, tem lavrado por todas as classes de pessoas, e até nos mesmos templos, se tem introduzido certo luxo, que faz muitas vezes, d'uma igreja uma especie de theatro, ainda que S. Bernardo ordene que não haja, se não calices de ouro, e prata, e que tudo o mais seja da maior simplicidade.
O fausto enerva os talentos, corrompe os costumes, irrita os pequenos, e ensuberbece os grandes, deixa os sabios na obscuridade e só enriquece inuteis artistas.
O bem publico é sempre o pretexto, de que se servem para introduzir usos extravagantes, ainda que muitas vezes seja manifesto padecer o maior numero, e gemer por cauza d'elles. Tomára eu saber, por exemplo, se aquelles que inventaram tantas equipagens soberbas, que rodam pomposamente pelas cidades, entenderam ser uteis ao genero humano? Certo que só consultaram a mullesa, e a vaidade dos ricos, pois que n'uma cidade onde haverá talvez seis mil pessoas, que andam de carroagem, cem mil andam a pé. E que resulta d'isto? Vermos uma grande multidão encommodada, humilhada e muitas vezes exposta a perecer, ao mesmo tempo que alguns particulares se embalam insolentemente em um throno portatil, d'onde encaram com o maior despreso n'um homem amavel, que lhes apparece debaixo dos pés. Cada um se põe, ou á esquerda, ou á direita, como se a Divindade houvesse de passar, ainda que muitas vezes o pobre, que roja pelas ruas curvados debaixo do peso, que leva ás costas, é muito mais credor de verdadeiros obsequios, do que o senhor que o atropella.
Praza á Deus que esses grandes se recordassem do que disse um excellente homem — As lagrimas, disse elle, me vem aos olhos, quando considero n'aquella interessante porção da humanidade, ou quando vejo da minha janella todas as obrigações, que lhe devemos: quando os vejo a soar debaixo da pesada carga, e apalpando-me depois, me recordo de que sou da mesma massa que elles.
Theresa Augusta da Silva
Na invicta cidade
Já todos se agitam
E os seios palpitam
Com forte emoção!
Dos Reis, o cortejo
Lá corre, lá vôa!