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DO INSTITUTO DO CEARÁ
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dres. Pensam elles que mais tarde, quando deitarem fóra esse torpe instrumento, podem lavar a mão que o manejou; mas enganam-se que essa lepra moral da corrupção não ha lexivia que lhe apague a macula[1].

Semelhante conceito, aliás justissimo, jamais poderá attingir a Ferreira.

De certo que um partido politico não é, não pode ser como a impossivel Republica de Platão, toda composta de bons; mas nessa dura contigencia mesma de lidar com gente peior, nem a propria maledicencia chegou a attribuir-lhe familiaridade com quem não estivesse muito na altura de merecel-a.

E estes eram raros.

Todos os mais guardavam-lhe respeitosa distancia, que nunca ousavam transpór.

Co-religionarios de elevada posição, serviços e merecimentos, deputados geraes mesmos, vião-se muitas vezes descobrir-se quando elle apparecia, e tractal-o com as mais scelectas distinccões.

Era essa uma das provas mais evidentes da sua superioridade natural.

O leão não é o rei dos animaes porque seja o mais feroz; nenhum ao contrario mais generoso.

E’ porque deve sel-o; é porque, si não fosse, seria universalmente acclamado; é porque, si não quizesse, abrigariam-no unanimemente a acceital-o.

Ferreira tinha plena consciencia de si, e os que os cercavam ainda conhecião melhor o seo valor.


X

E’ chegada a opportunidade de abordar o facto que mais desgostos talvez tivesse causado a Ferreira em toda sua longa vida politica.


  1. “Guerra dos Mascates,” Vol. 2. Pag. 143.