tantos passos ao nosso encalço. Outras que se envolvem no mistério logo que as sombras descem – o Largo de Paço. Foi esse largo o primeiro esplendor da cidade. Por ali passaram, na pompa dos pálios e dos baldaquins d’ouro e púrpura, as procissões do Enterro, do Triunfo, do Senhor dos Passos; por ali, ao lado da Praia do Peixe, simples vegetação de palhoças, o comércio agitava as suas primeiras elegâncias e as suas ambições mais fortes. O largo, apesar das reformas, parece guardar a tradição de dormir cedo. À noite, nada o reanima, nada o levanta. Uma grande revolução morre no seu bojo como um suspiro; a luz leva a lutar com a treva; os próprios revérberos parece dormitarem, e as sombras que por ali deslizam são trapos da existência almejando o fim próximo, ladrões sem pousada, imigrantes esfaimados... Deixai esse largo, ide às ruelas da Misericórdia, trechos da cidade que lembram o Amsterdão sombrio de Rembrandt. Há homens em esteiras, dormindo na rua como se estivessem em casa. Não nos admiremos. Somos reflexos. O Beco da Música ou o Beco da Fidalga reproduzem a alma das ruas de Nápoles, de Florença, das ruas de Portugal, das ruas da África, e até, se acreditarmos na fantasia de Heródoto, das ruas do antigo Egito. E por quê? Porque são ruas da proximidade do mar, ruas viajadas, com a visão de outros horizontes. Abri uma dessas pocilgas que são a parte do seu organismo. Haveis de ver chineses bêbados de ópio, marinheiros embrutecidos pelo álcool, feiticeiras ululando canções sinistras,