ete-se nas religiões, nos livros sagrados, na arte de todos os tempos, cada vez mais afiada, cada vez mais sensível. Na literatura atual a rua é a inspiração dos grandes artistas, desde Victor Hugo, Balzac e Dickens, até às epopéias de Zola, desde o funambulismo de Banville até o humorismo de Mark Twain. Não há um escritor moderno que não tenha cantado a rua. Os sonhadores levam mesmo a exagerá-la, e hoje, devido certamente à corrente socialista, há toda uma literatura em que a alma das ruas soluça. Os poetas refinados levam a mórbida inspiração a cantar os aspectos parciais da rua. Como os românticos cantavam os pés, os olhos, a boca e outras partes do corpo das apaixonadas, eles cantam o semblante das casas vazias, os revérberos de gás como Rodenbach:


Le dimanche, en semaine, et par tous les temps
L’un est debout, un autre, il semble, s’agenouille.
Et chacun se sent seul comme dans une foule.
Les revérbéres des banlieues
Sont des cages oú des oiseaux déplient leurs queues.

Os pregões, as calçadas, e houve até um – Mário Pederneiras –que nos deu a sutilíssima e admirável psicologia das árvores urbanas:



Com que magoado encanto
Com que triste saudade
Sobre mim atua
Esta estranha feição das árvores da rua.
E elas são, entretanto,
A única ilusão rural de uma cidade!