de bugres e numa época de revoltante mercantilismo. É fatigante e talvez pouco útil. Um homem absoluta, totalmente notável só é aceitável através do cartão-postal – porque afinal fala de si, mas fala pouco. Foi, pois, com susto que ontem, domingo, recebi a proposta de um amigo:

– Vamos ver as grandes decorações dos pintores da cidade?

– Heim? Estás decididamente desvairando. As grandes decorações? Uma visita aos ateliers?

– Não; a outros locais.

– E havemos de encontrar celebridades?

– Pois está claro. Não há cidade no mundo onde haja mais gente célebre que a cidade de S. Sebastião. Mas não penses que te arrasto a ver algum Vítor Meireles, alguns Castagnetto apócrifos ou os trabalhos aclamados pelos jornais. Não! Não é isso. Vamos ver, levemente e sem custo, os pintores anônimos, os pintores da rua, os heróis da tabuleta, os artistas da arte prática. É curiosíssimo. Há lições de filosofia nos borrões sem perspectiva e nas “botas” sem desenho. Encontrarás a confusão da populaça, os germes de todos os gêneros, todas as escolas e, por fim, muito menos vaidade que na arte privilegiada.

Era domingo, dia em que o trabalho é castigar o corpo com as diversões menos divertidas. Saí, devagar e a pé, a visitar bodegas reles, lugares bizarros, botequins inconcebíveis, e vim arrasado de confusão cerebral e de encanto. Quantos pintores pensa a cidade que possui? A estatística da Escola é falsíssima. Em cada canto de rua depara a gente com a