CONDORCET
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     Na verdade, estes ultimos meios não seriam empregados pelos Hespanhóes. A posição da Hespanha, a extenção e natureza de seu sólo, a habilidade e elevação d'espirito, a fôrça e grandeza d'alma, qualidades naturaes a seus habitantes, deveriam tel-a feito uma das primeiras nações do globo. ¿Porém, que esperança resta a esse infeliz povo, onde o restaurador d'uma provincia_ é condemnado juridicamente a pedir perdão aos frades pelo beneficio que fez aos homens? — onde toda a virtude publica é perigosa? — onde não ha segurança senão para os que se curvam de joelhos perante um capuchinho, salvo quando adoptam a profissão de espiões e satellites do sancto officio? — onde este officio tão infame não deshonra? — onde os generaes e os almirantes não ousam lêr, dentro das suas barracas e a bordo de seus navios, senão os livros que apraz ao capellão deixar-lhes? ¿Que esperar de uma nação reduzida a tal estado, e de tal maneira fascinada pelos frades que, conservando ainda o seu orgulho, não sente seu envilecimento nem suas desgraças? Feliz a Hespanha e a Europa inteira, si Carlos V, ao envez de escutar a falsa politica que o aconselhava a perturbar a Europa por causa de questões religiosas — no illusorio intento de erguer o seu poderio por sobre os destroços de seus visinhos, — tivesse tomado por guia uma razão mais esclarecida e uma politica mais sãa; e si elle não tivesse visto em Luthero e seus discipulos[1] mais do que simples.

  1. V. nota H no fim do volume.