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A ESCRAVIDÃO

se despertariam para encantar e embellesar a alma de tantos desgraçados, seriam obra sua, ou antes se-lo-hia a alma inteira d'esses desherdados da fortuna; e, ao envez de rico pela desgraça de seus escravos, elle seria feliz pela felicidade d'elles!...

     Tenho tambem, por vezes, encontrado senhores d'escravos americanos, habituados á vida das fazendas, e bastou-me ouvil-os fallar de seus negros para avaliar o quanto deveriam estes ser desgraçados.[1] O desprezo com que fallam d'elles é prova da rispidez com que os tratam.

     Demais, as fazendas são administradas por procuradores, especie de homens que vão em busca da fortuna fóra da Europa, ou por que lhes estejam já trancados todos os caminhos honestos de encontrar ahi occupação, ou porque a avidez insaciavel, que os caracterisa, não poude contentar-se com uma fortuna limitada. E', pois, á escoria das nações já muito corrompidas que são confiados os escravos. Por vezes, são estes postos em torturas em presença das mulheres e filhas dos colonos, que assistem socegadamente á taes espectaculos para se exercitarem na arte de dar valor ás fazendas.

     Outros escravos teem sido victimas da ferocidade de seus senhores; mais de uma vez teem alguns d'elles sido queimados em fornos, e taes crimes, que mereceriam a morte, teem ficado impunes; e nem ha memoria, ha mais

  1. V. nóta K no fim do volume.