A ILUSTRE CASA DE RAMIRES
305

soluçando, n’uma confusão. E foi elle por fim que, recalcando um derradeiro soluço, se recobrou, desafogou da idéa que o trouxera, que de certo fundamente o trabalhára, e que agora lhe enrijava a face e o gesto n’uma determinação que nunca vergaria:

— Meu Fidalgo, eu não sei fallar, não sei dizer... Mas se d’hoje em deante, seja para que fôr, o Fidalgo necessitar da vida d’um homem, tem aqui a minha!

Gonçalo estendeu a mão ao lavrador, muito simplesmente — como um Ramires d’outr’ora recebendo a preitezia d’um vassallo:

— Obrigado, José Casco.

— Entendido, meu Fidalgo, e que Deus nosso Senhor o abençôe!

Gonçalo, perturbado, galgou pela escadinha da varanda — emquanto o Casco atravessava o páteo vagarosamente, com a cabeça bem erguida, como homem que devêra e que pagára.

E em cima, na livraria, Gonçalo pensava com espanto: — «Ahi está como n’este mundo sentimental se ganham dedicações gratuitamente!...» Por que emfim! quem não impediria que uma criancinha com febre affrontasse de noite uma estrada negra, sob a chuva e o vendaval? Quem a não deitaria, não lhe adoçaria um grog, não lhe entalaria os cobertores para a conservar bem abafada? E por esse grog e por essa cama — corre o pae, tremendo e chorando,