Lisboa... De resto, é o que lhe digo, Gonçalo Mendes. Mulher de marmore!
Depois, saudando, em submissa admiração:
— Mas, como marmore... Vossês, meninos, não imaginam a belleza d’aquella mulher decotada!
Gonçalo pasmou:
— E onde a viu vossê decotada?
— Onde a vi decotada? Em Lisboa, n’um baile do Paço... Até foi justamente o Lucena que me arranjou o convite para o Paço. Lá me espanejei, de calção... Uma semsaboria. E mesmo uma vergonha, toda aquella turba acavallada por cima dos buffetes, aos berros, a agarrar furiosamente pedaços de perú...
— Mas então, a D. Anna?
— Pois a D. Anna uma belleza! Vossês não imaginam!... Santo nome de Deus! que hombros! que braços! que peito! E a brancura, a perfeição... De endoidecer! Ao principio, como havia muita gente, e ella estava para um canto, acanhadota, não fez sensação. Mas depois lá a descobriram. E eram correrias, magotes embasbacados... E «quem será?» E «que encanto!» Todo o mundo perdidinho, até o Rei!
E um momento os tres homens emmudeceram na impressão do formoso corpo evocado, que entre elles surgia, quasi despido, inundando com o explendor da sua brancura a modesta sala mal alumiada.