A ILUSTRE CASA DE RAMIRES
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desabridas, escandalosas, em que espancava a mulher, atroava a quinta de berros, e saltava para a estrada, esguedelhado, de varapáu, desafiando a quieta aldeia. Por fim, uma noite em que Gonçalo, á banca, depois do chá, laboriosamente escavava os fossos do Paço de Santa Ireneia — de repente a Rosa cozinheira rompeu a gritar «Aqui d’El-rei contra o Relho!» E, atravez dos seus brados e dos latidos dos cães, uma pedra, depois outra, bateram na varanda veneravel da livraria! Enfiado, Gonçalo Mendes Ramires pensou no revólver... Mas justamente n’essa tarde o creado, o Bento, descêra aquella sua velha e unica arma á cozinha para a desenferrujar e arear! Então, atarantado, correu ao quarto, que fechou á chave, empurrando contra a porta a commoda com tão desesperada anciedade que frascos de crystal, um cofre de tartaruga, até um crucifixo, tombaram e se partiram. Depois gritos e latidos findaram no pateo — mas Gonçalo não se arredou n’essa noite d’aquelle refugio bem defendido, fumando cigarros, ruminando um furor sentimental contra o Relho, a quem tanto perdoára, sempre tão affavelmente tratára, e que apedrejava as vidraças da Torre! Cêdo, de manhã convocou o Regedor; a Rosa, ainda tremula, mostrou no braço as marcas roxas dos dedos do Relho; e o homem, cujo arrendamento findava em Outubro, foi despedido da quinta com a mulher,