A ILUSTRE CASA DE RAMIRES
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então, arrancou um fundo suspiro, acceitou os novecentos e cincoenta mil reis. Á maneira antiga o Fidalgo apertou a mão ao lavrador — que entrou na cozinha a enxugar um largo copo de vinho, esponjando na testa, nas cordoveias rijas do pescoço, o suor anciado que o alagava.

Mas, como entulhada por estes cuidados, a veia abundante de Gonçalo estancou — não foi mais que um fio arrastado e turvo. Quando n’essa tarde se accomodou á banca, para contar a sala d’armas do Paço de Santa Ireneia por uma noite de lua — só conseguiu converter servilmente n’uma prosa aguada os versos lisos do tio Duarte, sem relêvo que os modernisasse, désse magestade senhorial ou bellesa saudosa áquelles macissos muros onde o luar, deslisando atravez das rexas, salpicava scentelhas pelas pontas das lanças altas, e pela cimeira dos morriões... E desde as quatro horas, no calor e silencio do domingo de Junho, labutava, empurrando a penna como lento arado em chão pedregoso, riscando logo rancorosamente a linha que sentia deselegante e molle, ora n’um reboliço, a sacudir e reenfiar sob a mesa os chinellos de marroquim, ora immovel e abandonado á esterilidade que o travava, com os olhos esquecidos na Torre, na sua difficillima Torre, negra entre os limoeiros e o azul, toda envolta no piar e esvoaçar das andorinhas.