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da borrasca. O andar vagaroso e precavido do velho e as frequentes pausas que fazia, ou para descançar ou para colher a rara planta montezinha, o insecto, o verme, o mollusco ou o mineral de occultas virtudes, elementos da sua pharmacopeia, foram retardando de maneira que a chuva apanhou-o a meio caminho, e mais difficil de descer lhe tornou a metade, que lhe faltava. Assim, não obstante haver partido antes dos outros, não lhes levava muitos passos de avanço.

Ao chegar á levada, encontrou já as pedras do tosco passadiço, a que se dava o nome de ponte, cobertas pela agua. O velho deu-se pressa em descer para a passar ainda a pé enxuto; mas a levada, agora torrente caudalosa, ganhava corpo de momento para momento; cêdo já não se viam signaes de ponte. O herbanario parou, embaraçado. Acima ficavam-lhe os açudes, transformados em impetuosas cataractas; abaixo, o moinho, em cujas enormes rodas espumava a corrente com espantoso fragor.

O velho Vicente hesitou. Era para causar vertigens o que via. As aguas, sem transparencia, occultavam de todo a vista das pedras.

Tenteou com o bordão o sitio, em que as suppôz. Encontrou a primeira, pousou um pé n’esse ponto; firmou-se como pôde, para resistir á fôrça da corrente; tenteou outra vez, reconhecendo outra pedra, deu mais um passo, e outro, e mais outro, até que de repente, ou por esvaímento de sentidos ou por se firmar em falso, vacillou e, perdendo o equilibrio, caiu na levada para o lado dos moinhos.

Foi n’este momento que Augusto chegou; viu-o pois cair, viu-o estrebuchar, luctando com a impetuosidade das aguas; reconheceu a urgente necessidade, para evitar uma horrivel desgraça, de acudir, sem perda de tempo, ao pobre velho, que a torrente arrastava para os lados do moinho.

Cedendo a este pensamento, Augusto franqueou,