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Saira creança da aldeia e fôra tentar fortuna ao Brazil. Por lá esteve quarenta annos, e voltou o homem grave que vemos e rico. Como enriqueceu não sei, e ninguem na terra o sabia. Veio edificar uma casa no sitio em que nascera, uma casa grande de cantaria e azulejo, com tres andares e varandas, jardim com estatuas de louça e alegretes pintados de verde e amarello, o qual jardim tinha mais fama n’aquellas aldeias vizinhas do que os jardins suspensos da Babylonia. Trouxera um papagaio e uma arara, igualmente famosos, e uma botica homoepatica, que elle proprio manipulava.

As ambições de Eusebio Seabra limitavam-se a vir a ser a primeira personagem de influencia na aldeia. Para isso principiou por fazer alguns reparos na igreja parochial, presenteou com vestidos novos todos os santos dos altares, e mandou renovar um sino, que havia doze annos tocava a rachado. Fez á sua custa a festa do orago, chegando a mandar vir fogo preso da cidade e um aerostato, que ardeu a pouca altura do chão. Apesar, porém, de todos estes beneficios á localidade, o conselheiro Manoel Bernardo, pae da morgadinha, comquanto vivesse quasi sempre em Lisboa, continuava a fazer-lhe sombra e a contestar-lhe as ambiciosas vistas. Por isso, apesar da apparente amizade com que Seabra o acolhia e lisonjeava até, conservava por elle no fundo uma má vontade, um ciume, de que eram de receiar, tarde ou cêdo, explosões.

Seabra era tão asseiado, quanto o sr. Joãozinho das Perdizes descurado no seu vestir. Usava sempre de suissa irreprehensivelmente talhada em volta do queixo; camisa muito lavada; peito aberto e tres grandes botões de brilhantes; no trajo combinavam-se as variegadas côres de uma ave da America; e o ouro, distribuido com profusão por todos os accessorios da sua pessoa, attestava os bons resultados dos seus quarenta annos do Brazil. Passeiava pela aldeia de chinelos de marroquim verde