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ou sapato de tapete, e era tal n’elle a delicadeza do andar, que voltava a casa sem que uma mancha ennodoasse a alvura das suas meias de algodão fino. Aos domingos e dias de festa indignava a relva dos caminhos, calcando-a com bota de polimento.

Além d’estes dois e do nosso conhecido Zé P’reira, que bebia, em silencio, ao pé do taberneiro, havia um padre, coadjuctor da freguezia, dois lavradores abastados e já de avançada idade, e outros que deixaremos confundidos na massa indistincta dos comparsas.

No momento, em que entramos, usava da palavra o brazileiro, que estava sentado á porta da taberna, na mais limpa cadeira do estabelecimento.

— Pois é verdade — disse elle — fômos todos da mesma creação. O conselheiro Manoel Bernardo saiu d’aqui para Lisboa um anno depois de eu ir para o Brazil. Andámos ambos na mesma escola, que era a do padre Joaquim, alli pelo sitio da Corredoura. Vossemecê ha de estar lembrado, sr. Luiz — accrescentou, dirigindo-se com a affabilidade protectora, que o caracterisava, a um dos lavradores.

— Ora se estou! muito bem. Era na casa em que hoje mora o Chico da Luciana.

— É verdade que sim. Pois alli andei eu e o conselheiro e aquelle ratão do Vicente, herbanario, que era já rapaz taludo. Lembra-me, como se fôsse hoje, de quando jogavamos todos tres a pedra no terreiro da Corredoura.

— Olha lá, hein! — diziam dois lavradores com um sorriso cortezão nos labios — então com que o sr. Seabra tambem jogava a pedra! Eh! eh! eh!...

— Ora, como um homem. Eu fui levadinho da bréca. Boa sóva levei de minha mãe, por causa de umas calças novas que rompi.

— Ora vêdes? — diziam os outros.

— Ai tempos, tempos! — disse, suspirando, o brazileiro.

— Quem havia de dizer então ao que v. s.a e o